domingo, 14 de junho de 2020

Curiosidades antropológicas e outras de mais recente filosofia

O texto eruditamente brincalhão de André de Serpa Soares, a justificar a nossa carga de primitivismo destruidor ainda vigente, o texto com preocupações mais filológicas e filosóficas, de Gabriel Branco, de orientação comportamental em função de uma pandemia ainda mal esclarecida. Qualquer deles, de aprazível leitura, o primeiro a enriquecer o primitivismo da nossa erudição histórica ligada às origens ibéricas, que se ficavam apenas pelos celtas e iberos, fundidos posteriormente em celtiberos e mais não sabíamos desses nossos antepassados inscritos na nossa história primária, conhecimento bem precário como o artigo de André de Serpa Soares nos veio mostrar.

I -Manifesto em defesa das nossas origens e contra todas as opressões /premium
Devemos exigir o direito a sermos o que éramos de origem: autênticos Neandertais. Vamos arrasar, destruir, queimar, tudo o que não tenha a ver com uma cultura e um legado verdadeiramente Neandertal.
OBSERVADOR, 14 jun 2020, 00:103
Não vou falar dos Neandertais, apesar de todos termos direito a permanecer uns autênticos neandertais. E esses já povoavam a Ibéria desde o ano 200 mil antes de Cristo. Para quem não saiba, aliás, o território que hoje equivale a Portugal foi o “último refúgio” do Neandertal, antes da sua extinção, cerca de 28 mil anos antes de Cristo.
Mas vá, para ser simpático, comecemos então pelo Homo sapiens, que chegou e começou a povoar a Ibéria no Paleolítico, e andava muito calminho por aqui, na sua vidinha de recolector, entretido a fazer gravuras no Vale do Côa ou na gruta do Escoural.
Estes Homo sapiens foram-se organizando em comunidades, ultrapassaram o Neolítico, as Idades do Cobre, do Bronze e do Ferro, e evoluíram para um conjunto populacional algo indeterminado, que se estendeu da Galiza ao Algarve, a que os antigos chamaram Estrímnios.
Os Estrímnios serão, tanto quanto se sabe, o “povo” original da Ibéria.
Estes, meus amigos, são os verdadeiros portugueses, os de origem, de boa cepa.
Mas rapidamente a humanidade fez das suas e chegou ao Sul peninsular um outro povo, os Ofis, que quase exterminaram os bons dos Estrímnios, e fundaram povoados onde actualmente encontramos localidades como Évora-Monte, Alcácer do Sal, Lisboa ou Leiria.
Vá, como fundaram todos estes povoados, e apesar de quase terem exterminado os “portugueses” puros, os tais de Estrímnios, consideremos que também os Ofis são cá dos nossos, daqueles que sempre por cá andaram.
Mas depois é que começa a desgraça, e temos de pedir reparação em relação a isto.
Primeiro, para estragar a harmonia, vieram os vários povos Celtas, ou Celtiberos, que foram povoando diversas regiões do actual Portugal. Cónios, Brácaros, Galaicos, Túrdulos e muitos outros, incluindo até, imaginem… os Lusitanos.
Sim, os Lusitanos são uma força invasora Celtibera, vieram aqui chatear a boa vida em que andavam os “verdadeiros portugueses”, os bons povos Estrímnios e Ofis.
Entretanto, no Sul de Portugal, começam também a estabelecer-se outros invasores, malta vinda da zona do actual Líbano, uns tais de Fenícios, e mais tarde, a declinação destes que se tinha instalado em Cartago e que também nos veio chatear a molécula aqui.
Até os gregos, esses preguiçosos que tiveram a Troika à perna, vieram para aqui estabelecer umas cidades. É desses antigos gregos a culpa do nosso default.
A Norte, foram-se impondo outros invasores. Primeiro os Suevos, depois os Visigodos, enfim, uma chusma de bárbaros que deu cabo do nosso recato.
Quem veio mesmo dar cabo disto tudo, no entanto, foram os romanos. Imaginem que edificaram cidades, pontes, estradas, aquedutos, templos… Deixaram-nos também o Direito, a organização administrativa… Enfim, uns animais. Acho de todo recomendável irmos vandalizar o Templo romano de Évora, ou Conimbriga. E exijo que todas as estátuas de imperadores romanos que estão em Roma sejam atiradas ao Tibre.
A seguir, fomos invadidos pelos Muçulmanos. Com eles, trouxeram coisas como os tanques de águas, as noras e os canais de rega. E também os limoeiros, laranjeiras, a abóbora, a cenoura, o arroz ou a figueira. Até o arroz doce, essa sobremesa tão tipicamente portuguesa, se deram ao desplante de trazer para Portugal. Está na altura de acabar com isto tudo, arrancar todas as árvores e culturas que eles trouxeram para cá.
E ainda se cruzaram por cá muitos outros povos e culturas. Judeus, vários povos europeus, africanos, ciganos…
Todos estes povos vieram para cá para explorar as nossas minas e os nossos recursos naturais. Foram séculos e séculos de opressão e exploração.
Está na hora de acabar com isto, de revisitar a nossa história e voltar a contá-la como ela deve ser contada.
Estávamos nós, Estrímnios e Ofis, postos em sossego, quando veio esta turba toda, esta plêiade de energúmenos, bárbaros e selvagens, dar cabo disto.
Na verdade, recuando até um pouco mais, devemos exigir o direito a sermos o que éramos de origem: autênticos Neandertais. Vamos arrasar, destruir, queimar, tudo o que não tenha a ver com uma cultura e um legado verdadeiramente Neandertal.
Neandertais de Portugal: unidos, venceremos.

II . Uma breve reflexão sobre falácia e ciência
O poder, a maioria, ou um título, não têm relevância em termos científicos. Para uma dada norma ou procedimento terem legitimidade científica terá de assentar em prova científica estabelecida.
GABRIEL BRANCO DIRECTOR DO SERVICO DE NEURORRADIOLOGIA DO HOSPITAL EGAS MONIZ
OBSERVADOR, 14 jun 2020
A palavra falácia deriva do verbo latino fallere, que significa enganar. Ora nada mais falacioso do que invocar a ciência ou um título académico para enganar os outros, com o objectivo de sustentar posições sem base documental real, dando assim a aparência de uma legítima fundamentação.
Na sua forma mais benigna, a falácia pode ser entendida não como “enganar” mas como “enganar-se”, surgindo assim como uma forma de enganar sem intenção, sem dolo, apenas numa tentativa, por vezes ingénua, de salvar o próprio ego. O que de qualquer modo constitui já de si uma exibição de vaidade pouco recomendável.
Nos dias que vivemos, em que é invocada uma urgência sanitária de contornos pouco definidos, em que jorram notícias muito alarmantes em catadupa, em que entidades emitem normas contraditórias num curto espaço de tempo, em que a noção da realidade se perde na nuvem mediática, há que estabelecer limites para determinar factos e ficção, que reflectem uma agenda em última análise sombria, na verdadeira acessão da palavra (falta de luz que nos permita ver para além das sombras).
Assim queria esclarecer três erros básicos de raciocínio que muito têm inquinado a tentativa de alguns em estabelecer um diálogo racional de base científica, no seio do ruído reinante.
1.A falácia da não existência
O método científico em biologia e ciências médicas não consegue provar a não existência absoluta. A inexistência absoluta só se pode demonstrar em matemática, pela razão de que na matemática se podem conhecer e controlar todas as variáveis da equação.
Como em biologia as variáveis são inúmeras e podem existir efeitos provocados por factores até desconhecidos, não se prova a não existência. Assim por exemplo, “prove lá que um micróbio não existe” ou que “o uso de máscaras não protege um pouco contra um vírus” não faz sentido.
Por esta razão, é inútil tentar utilizar o método científico para provar a não existência de Deus, por exemplo.
2- A falácia da inversão do ónus da prova
Na ciência biológica é necessário provar que um determinado medicamento, tratamento ou recomendação são eficazes. Não o seu contrário, cuja apreciação já está subentendida no próprio processo de prova.
Na verdade cada estudo científico parte de um pressuposto: formula-se uma hipótese, por exemplo a máscara de tipo X protege contra um virus. A seguir assume-se que a máscara X não protege contra o vírus: a isso chama-se a hipótese nula.
Segue-se o estudo propriamente dito, em que são efectuados procedimentos que provam que a hipótese nula pode ser negada, ou seja, que há dados suficientes para provar com razoabilidade que a máscara protege de facto contra o vírus, dentro de uma percentagem de certeza (significância) que é geralmente de 5%. Ou seja, em biologia a maior parte dos estudos de qualidade provam apenas que temos uma margem de certeza nas nossas afirmações de 95% (por vezes 99%).
A qualidade dos estudos deriva em grande parte da capacidade do método em limitar a influência de variáveis não controladas, que possam interferir no resultado final.
Em súmula, não faz sentido pedir provas de não eficácia de um tratamento ou procedimento, quando a base dos estudos existentes sobre o assunto em questão, já parte precisamente da hipótese nula. Pedir essas provas é inverter o ónus da prova.
3.A falácia da legitimidade do poder sobre a ciência
Na prática, havendo uma recomendação de uma solução de saúde pública (como uma determinada vacina) ou de um procedimento (como o uso de máscara para evitar a gripe) tal deriva de uma posição dominante de poder, porque gera uma decisão institucional ou mesmo de uma Lei governamental, que vincula todos os cidadãos.
O problema é que quem emite essas normas não pode estar acima da necessidade de provase o faz assume estar ao serviço uma agenda não transparente, não podendo portanto invocar a ciência.
Ora nos dias que correm, quem critica a falta de fundamentação científica de entidades oficiais, como o Governo ou a DGS, relativamente a decisões que afectam a saúde pública, é confrontado com a exigência de apresentação de provas de que a norma de saúde em particular está errada.
A questão é que o poder, a maioria, ou um título, não têm relevância em termos científicos. Para uma dada norma ou procedimento terem legitimidade científica terá de assentar em prova científica estabelecida.
Finalmente a ciência não e plebiscitária, como a política. Na ciência, metodologias como a votação sobre um assunto não produz prova: ou há produção de prova segundo o método científico, ou não há matéria de facto.
Em resumo, as críticas sobre a não eficácia de certas medidas, que estão a colocar em causa liberdades e garantias, ou as objecções sobre procedimentos que afectam a saúde pública, têm de ter respostas claras por parte das entidades que as decretam ou publicam, no âmbito de uma argumentação baseada em documentação científica comprovada.
Normas gerais baseadas em opiniões de “especialistas” ou de “cientistas”, muitas vezes não identificados, não contêm qualquer validade científica.
Compete às autoridades que detêm o poder executivo e legislativo, explicar as suas acções, sem inverterem o ónus da prova. Sob pena de colocarem em causa a sua legitimidade, nomeadamente democrática, porque a democracia não pode extinguir-se no processo plebiscitário, ela tem de alicerçar-se na Lei e no respeito pelo interesse público que a informa.
A procura da verdade é um conceito indissociável da ciência, veículo do conhecimento. E o conhecimento é o melhor antídoto contra o medo, que está na base de decisões irracionais que podem causar mortes evitáveis.
É de facto um acto de cidadania exigir clareza metodológica a quem detém o poder do Estado, na defesa da Medicina baseada na Ciência.
A Ciência, que não pode ser subjugada pelo Poder ou pela Hierarquia.
“A Verdade é procurada como um valor em si. E aqueles empenhados em descobrir algo só pelo seu valor não se interessam por mais nada. Descobrir a verdade é difícil, e o caminho para ela é espinhoso.” Ibn al-Haytham (Alhazen; 965–1039 DC)

COMENTÁRIOS:
Antonio Bragança: Nos tempos de hoje, em que "estudos de género" e afins são considerados "ciência", não é de admirar que já poucos levem o método científico a sério. Passou a ser uma "democracia", se houver gente que chegue a concordar com algo, esse algo é automaticamente verdade inquestionável. Exemplo supremo disso é a narrativa do "aquecimento global".
JB Dias: Tão simples e no entanto tão difícil de ser apreendido por tanta cabeça que por aqui e por aí anda... Será que irão agora entender que nenhum abaixo-assinado ou carta aberta, por mais cientistas e "cientistas" que a assinem, se pode arvorar em repositório da única e real Verdade seja sobre o que for?
João Soares: Obrigado.


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