Que vai iluminando as gentes que vão
mantendo o nosso estar aqui, apesar dos desmandos de muita outra gente, como Gomes Freire de Andrade, cuja actuação
traidora Sttau Monteiro naturalmente
embeleza, ao contrário de um historiador como Jaime Nogueira Pinto, que se limita a ser imparcialmente objectivo, mas
deixando pressentir o seu amor pátrio, no discurso sério e simples e rigoroso,
que dá prazer reter.
A Santa Aliança e a excepção portuguesa /premium
Entre a oposição discreta mas firme de
Londres, o mal disfarçado incómodo da França e a vontade de D. João VI,
fracassaram os projectos da intervenção restauracionista em Portugal da Santa
Aliança.
JAIME NOGUEIRA PINTO OBSERVADOR; 28 ago 2020, 00:09
As invasões francesas vêm encontrar
um país que, segundo o censo de Pina Manique de 1798, tem cerca de três milhões
de habitantes. Em 1807 terá três milhões e duzentos mil, dos quais mais de 85%
vivem a norte do Tejo, que representa 2/3 do território continental; o Alentejo
e Algarve, com 34% do espaço, têm apenas 13,6% da população. Com uma economia tradicional, uma agricultura débil, dois surtos industriais, um no reinado de D. João V, outro nos
últimos anos de Pombal, o
Portugal do século anterior estivera muito escorado na sua terceira fortuna
colonial, a do Brasil. O exército era grande no papel
mas não passaria, na Metrópole, dos 20
mil homens e tinha uma Marinha significativa, com 34 navios de linha, graças a Pombal e a D. Maria I.
Não podia escapar à conjuntura
europeia e ao conflito franco-britânico. A
aliança tradicional,
por razões geopolíticas e económicas, era com os ingleses, e as missões diplomáticas em Lisboa de Lannes e
Junot não tinham contribuído para alterar essa linha. Bem pelo contrário. Vindo em 1807, não
como embaixador, mas como conquistador, chefiando um exército de 28
mil franceses e 11 mil espanhóis, Junot contou com a colaboração no “partido
francês” de alguns liberais portugueses, como Gomes Freire de
Andrade e o marquês de
Alorna, que iriam alinhar na formação e
comando da Legião Portuguesa ao serviço de Bonaparte. Sem que nos alonguemos no tema, convém relembrar
alguns factos, como o esforço dos ocupantes franco-espanhóis para desarmar o
exército português (de 24 regimentos de infantaria para 6, de 12 regimentos de
cavalaria para 3). O resto deste exército constituiria a tal legião portuguesa
(12.000 homens) e seguiu para Baiona.
Depois
dos acontecimentos de Madrid do 2 de Maio de 1808, com a grande insurreição espanhola contra os
franceses e,
nos princípios do Verão de 1808, com Sepúlveda em Trás os Montes e Castro Marim
no Algarve, começou o levantamento contra os ocupantes. Os
ingleses de Wellesley chegam nos primeiros dias de Agosto a Lavos e Junot vai ser
derrotado.
Em Espanha houve um número relativamente significativo de altos
funcionários e intelectuais que colaboraram com os franceses, “os
afrancesados”, como Leandro Fernández de Moratín, colaboracionista com José Bonaparte – irmão do imperador e feito por este
Rei de Espanha – a que os
madrilenos puseram a alcunha de “Pepe Botella”. Estes afrancesados
contaram-se por alguns milhares e muitos fugiram para o exílio com as tropas
francesas em retirada da Península.
As guerras peninsulares tiveram um alto preço humano. Os portugueses, que seriam 3.200 000 em 1807,
eram 2.959 000 em 1814. As fábricas que exportavam para as colónias fecharam.
Os franceses causaram grandes destruições e os ingleses, embora mais correctos
nos negócios, humilharam os militares, submetendo-os ao seu controlo. Além disso, com a abertura dos portos
do Brasil, arruinaram o comércio nacional.
A conjuntura que leva à revolução do
Porto e aos acontecimentos que a precedem e seguem é uma daquelas situações
históricas em que uma potência periférica (Portugal) é envolvida num conflito
entre potências principais (França e Grã-Bretanha), tendo por vizinho uma
potência média (Espanha), também envolvida na contenda, embora em moldes
diferentes e com alinhamentos sucessivos e contraditórios. Para complicar mais a situação, havia o factor
brasileiro, essencial para o desfecho. A luta ideológica – tradicionalismo
versus liberalismo – também não era linear, dadas as várias linhas e
facções internas, quer no liberalismo, quer no tradicionalismo. E houve
ainda o papel das solidariedades
transnacionais, como a Maçonaria, e a política da Santa
Aliança. Tudo
isto ia gerar uma crise de geometria variável.
A
Maçonaria está muito
activa nesta época, em Nápoles,
em Espanha e em Portugal. Durante as invasões e ocupação da Península, a
par de liberais pró-franceses e anti-franceses, há maçons pró-franceses e pró-ingleses. Em
1812 a
Maçonaria tem um papel importante na proclamação da Constituição de Cádis. Fernando VII, de má vontade, aceita a Constituição e,
apesar da sua oposição à Maçonaria e aos liberais, colabora com eles em
projectos iberistas. O embaixador D. José Pando e o adido militar, tenente
coronel José Barreros, colaboram com os conspiradores portuenses do Sinédrio. Espanhóis – e alguns portugueses– têm um projecto iberista, de “sete
repúblicas” , ficando Portugal
dividido em duas “lusitânias”, uma Ulterior, outra Citerior e passando os
Algarves para a Bética.
Fernandes Thomaz era contrário a estes projectos iberistas e condenou os seus companheiros de conspiração que
neles pareciam alinhar. E foi muito directo quando recusou, com Ferreira
Borges e Francisco Gomes da Silva,
a proposta de auxílio financeiro e militar a troco da “União Ibérica” dos
enviados de Madrid que com eles se encontraram num jardim da rua de Cedofeita,
em Junho de 1820.
A
ida da Corte para o Brasil tivera o efeito colateral, não só de prejudicar o
regime do Pacto Colonial anterior mas de antagonizar progressivamente os dois
povos com a alteração da relação, já que, estando o chefe de Estado e o governo
na colónia, esta ganhava preponderância sobre a Metrópole.
Mas
para Oliveira Lima havia um elemento que unia então brasileiros e portugueses:
a “antipatia à Inglaterra”. Os
portugueses estavam fartos do proconsulado de Beresford e os brasileiros fartos
da oposição de Londres ao tráfico negreiro.
Já
para os ingleses, a unidade Reino Unido-Portugal-Brasil era importante pois,
sendo eles senhores do mar Atlântico, controlavam as comunicações entre as duas
partes do Estado.
D. João VI não gostava nem da palavra nem da ideia, e muito
menos do regime liberal. Perante a vitória
do “vintismo” e os apelos, então respeitosos, para que voltasse à mãe pátria, hesitou. Os
rumores e as notícias da revolução liberal tornavam a população do Rio menos respeitadora do rei e da Corte. Os embaixadores em Paris (o 6º
Marquês de Marialva) e
em Londres (D. José Luiz de Souza)
tomaram a iniciativa de pressionar as potências para não reconhecerem o novo
governo de Lisboa e para intervirem pela força para restaurar a monarquia
tradicional. Mas D.
João VI entendeu que não seria bom, nem para ele nem para a
dinastia, ser mantido ou restabelecido por forças estrangeiras, como queria
Marialva que, nesse sentido, mandou mesmo enviados a Laibach onde estavam os
soberanos aliados. Por outro lado, tradicionalistas e liberais viam com igual
preocupação o perigo espanhol.
Mas
o facto é que o núcleo duro da Santa
Aliança – Rússia, Áustria, Prússia –
representado por Joannis Capo d’Istria, o greco-russo conselheiro do czar, e
por Metternich – ia no sentido de aplicar a doutrina de “tolerância zero”
aos movimentos revolucionários liberais. Os
diplomatas portugueses empenhavam-se em conseguir que Portugal fosse o caso
exemplar de que a nova ordem internacional não podia ser alterada. À França restauracional de Luís XVIII caberia o papel
em relação a Portugal e à Espanha que na Itália coubera à Áustria.
António de Souza, o plenipotenciário português em Laibach, procurou
desenvolver esta tese junto dos imperadores da Rússia e da Áustria, que o
receberam e pareceram dispostos a intervir naquela “cruzada dos tronos contra
os povos”. Mas a Inglaterra não queria intervenção.
Portugal
argumentava que a intervenção das coligações em França, em 1792, fora fatal
para a monarquia de Luís XVI. E
o trio imperial da Santa Aliança – Áustria, Prússia e Rússia – hesitou perante o controlo da Inglaterra e a
evasiva da França.
Decisiva foi a posição de D.
João VI que, com intuição e realismo, achava
“contraproducente usar tropas estrangeiras para rejeitar os seus vassalos
extraviados”. D. João VI queria, sim, que a Inglaterra continuasse a proteger a
independência de Portugal contra a Espanha. O que fazia parte do que estava
instituído. Assim, entre a
oposição discreta mas firme de Londres, o mal disfarçado incómodo da França e a
vontade de D. João VI, fracassaram os projectos da intervenção em Portugal da
Santa Aliança. Como concluía
o visconde da Lapa, o ministro português na Rússia, a decisão fora acertada: “Chamar forças externas para coadjuvar a expulsão de
inimigos externos é o que a História apresenta a cada passo; porém, para
sossegar as desordens internas, é sempre arriscado… A massa da nação é ainda
sã, e sendo a força moral a que se deve procurar encaminhar, não posso ocultar
que o emprego da força marítima só poderia servir para irritar e conduzir aos
desvarios a que a desesperação pode arrastar.”
A
Santa Aliança não
interviria, mas os pronunciamentos miguelistas da Vilafrancada e da Abrilada acabariam
por ter, nas suas consequências político-ideológicas, um efeito
restauracionista – só que sem intervenção estrangeira, que viria depois, de outros
horizontes, na Guerra Civil de 1828-1834.
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