Ainda bem que Alberto Gonçalves regressou das suas férias. Já tínhamos a Covid-19 para nos assombrar, além de outros focos e fogos. Mas com ele surgiu uma luz que inspirou 254 comentários para este seu artigo sobre intervencionismo unilateral da esquerda no meio artístico, bem expressivo de vil totalitarismo repressivo. É certo que a maioria não consistia em comentário, mas significa isso também, por vezes, desinibição na arte de escrever, o que é um progresso, cá entre nós.
O meu totalitarismo é mais fofinho do que o teu /premium
Grave é não perceber que, ao rejeitar
o horror nazi e acarinhar o horror comunista, se legitima o horror todo. Grave
é presumir nuances na desumanização do indivíduo em nome de princípios
“superiores”
ALBERTO
GONÇALVES, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 15 ago
2020
Mediante
pagamento, o cançonetista Olavo Bilac cantou num comício do Chega e
apareceu sorridente numas fotografias ao lado do dr. Ventura. O gesto foi o
suficiente para que irrompesse um pequeno escândalo. E o escândalo foi o
suficiente para que o sr. Bilac viesse às “redes sociais” admitir o “erro”,
negar qualquer associação ao Chega e pedir mil desculpas à humanidade em peso.
É
evidente que o sr. Bilac, naturalmente carecido de ganhar o sustento, ficou em
pânico. Por um lado, o dinheirinho do espectáculo dá-lhe jeito. Por outro, o
dinheirinho dos espectáculos que se arrisca a perder faz-lhe falta. Suponho
que, antes do referido evento, a popularidade do sr. Bilac não fosse
extraordinária. Após o evento, a popularidade é nula. A julgar pelo ódio que
suscitou, será mais provável uma autarquia alentejana patrocinar um concerto de
António Calvário do que o sr. Bilac animar uma feira do gado em Valpaços.
Embora eu não ouviria o sr. Bilac nem que o Chega (ou uma autarquia alentejana)
me pagasse, espero estar enganado e desejo uma carreira próspera ao homem. O
problema, de resto, não é esse. O problema é a
quantidade de vigilantes que se uniu de imediato na condenação do sr. Bilac. O
problema é a fúria que os vigilantes dedicaram aos pouquíssimos, como o
apresentador Manuel Luís Goucha, que defenderam o direito do sr. Bilac cantar
onde quiser. O problema é a impressão crescente de que quem não está com
“eles” está não só contra “eles” mas será por “eles” aniquilado profissional,
social e pessoalmente. O problema é
o medo. O problema é o medo se espalhar por
toda a parte. O problema é o medo enquanto modo de vida. O problema é que uma
vida assim não é vida: é um sintoma inevitável da opressão institucionalizada
que o país iniciou em 2015. Não há ditadura sem estes exercícios de ameaça e
humilhação, de castigo e arrependimento. O engraçado, se as tragédias dessem
para rir, é que as ditaduras avançam a chamar antidemocráticos aos inimigos,
com frequência imaginários, no mínimo exacerbados para efeito cénico. É, dizem
“eles”, o “novo normal”.
Não
tenciono perder muito tempo a falar do Chega. O dr. Ventura, que se notabilizou
a defender um clube da bola, tem tanta legitimidade para abolir a corrupção e
refundar o regime quanto Linda Lovelace para criticar a pornografia. Além
disso, e de uns repelentes laivos “patrióticos”, o oportunismo do dr. Ventura
tende a entusiasmar-se e roçar a demência: há tempos, confessou que gostaria
mesmo era de castrar fisicamente os pedófilos. Recentemente, jurou proibir as
ofensas a juízes e polícias. Agora já se declara orientado por Deus Nosso
Senhor, que decerto lhe surgiu num intervalo do Benfica.
A questão é que o episódio do sr.
Bilac, de ascendência africana, e a interferência do sr. Goucha, homossexual,
complica um bocado o “nazismo” atribuído ao Chega. As habituais, e simpáticas, referências a Israel
também não combinam. Não sendo totalmente improvável que o Chega seja avesso à
democracia, a verdade é que não é claro que seja a força de inspiração
totalitária que dizem ser. De resto, a esquerda chama “nazi” ao Chega com a
exacta facilidade com que chamaria “nazi” ao CDS ou ao PSD, caso o CDS existisse
e o PSD fizesse oposição. Porém, admita-se para conveniência de conversa
que o Chega realmente adopta ideologias responsáveis por milhões de mortos. Não
é precisamente isso que define o PCP e, removido o verniz beato, o BE?
O
facto – que convém lembrar semanalmente, se necessário – é que o
parlamento português possui dois partidos comunistas, ambos com uma quantidade
de deputados muito superior ao Chega e, para o que importa, ambos fervorosos
adeptos de regimes sanguinários. É possível que o Chega aprecie regimes assim.
É garantido que PCP e BE apreciam regimes assim. E quantos cançonetistas ou
aparentados já apresentaram desculpas pela participação em festanças de
qualquer dos dois? Se não estou em erro, nenhum. Se não estou em erro,
centenas de “artistas” nacionais até retiram regularmente vantagens da
conotação com o comunismo, simpatia que desfilam com o orgulho natural de quem
se orgulha das chacinas, dos fuzilamentos, das torturas, das prisões e da fome
habituais nos lugares onde o comunismo iluminou os povos.
São
profissionais? Pois são. Aliás, o sr. Bilac é tão profissional que chegou a
actuar na Festa do “Avante!”, sem que à época as virgens se contorcessem de
indignação. Não é especialmente grave, ou comprometedor, que sujeitos se deixem
contratar pelo “Avante!”, pelo Acampamento de Verão do BE, pelos concertos em
prol do Hamas ou por homenagens a Rudolf Hess: o profissionalismo pode ser
sinónimo de estupidez. Grave é que, conscientemente, se cantarole
e saltite ao ritmo de massacres, comunistas, nazis ou dos psicopatas que
calhar. Grave é a quantidade de tontinhos, incluindo na “geração
mais informada de sempre”, que de acordo com a vulgata desprezam Hitler e
imaginam intenções redentoras nas aplicações terrenas do marxismo. Grave
é
não perceber que, ao rejeitar o horror nazi e acarinhar o horror comunista, se
legitima o horror todo. Grave
é
presumir nuances na desumanização do indivíduo em nome de princípios
“superiores”. Uma
sociedade civilizada não é selectiva nas abominações. A portuguesa, por exemplo
a portuguesa, é selectiva. E evidentemente não é civilizada.
LIBERDADES SOCIEDADE
COMENTÁRIOS
António Reis: Mais uma
excelente crónica a relembrar o oportunismo descarado e a desonestidade
intelectual da nossa esquerda. Brilhante!!
Maria Carvalho: Uma reflexão de grande lucidez.. Parabéns!
Dragão 2019 Subscrevo por inteiro. Parabéns Alberto Gonçalves!
Maria Pinto: Ser de "DIREITA" está proibido na mídia, nas universidades, nos
cargos públicos, nos sindicatos, na cultura (subsídios só para esquerdalhos)...
em todo o lado , e onde quer que apareça, é rotulado de "extremismo"
e acusado de crimes hediondos. O comunismo, por seu lado, é tido como uma
espécie de bênção tudo perfeito, e é a isto é o que todos os canalhas chamam de
DEMOCRACIA !!!!.
antonyo antonyo > Maria Pinto: Ser de direita e artista ou escritor ou cantor é estar
condenado ao desemprego . Aliás basta não ser de esquerda ...
Lourenço de Almeida > Maria Narciso:
A UE equiparou - e bem - o
Nazismo ao Comunismo. O mais notável líder marxista-leninista disse: "uma
morte é uma tragédia. Um milhão de mortes são uma estatística". O Nazismo
era uma doutrina assassina com alvos específicos. O Marxismo-Leninismo é
assassino por metodologia. Durante o Grande Terror, os dirigentes provinciais
do partido comunista recebiam instruções para matar um determinado números ou
percentagem de pessoas. Independentemente da raça, religião ou ideologia. O
nazismo matou pessoas por serem judeus (tal como eram judeus os meus bisavós).
O Marxismo-Leninismo matou pessoas por serem pessoas! De resto, ambos se
aliaram para partilhar entre ambos a Europa de Leste, iniciando a II Guerra
Mundial com a partilha da Polónia. O que há é muito menos nazis em hollywood -
ainda bem - do que marxistas!
Liberal Assinante Consumado > Maria Narciso: Continuo fiel à visão de Albert Camus, excelente,
sobre o assunto: Camus distinguiu o terrorismo de Estado racional (comunismo)
do terrorismo de Estado irracional (fascismo). Nesse sentido, o comunismo é,
tal como se verificou na prática, muito mais perigoso e danoso do que o
fascismo. O comunismo só não fez ainda mais estragos porque nunca teve força
militar para isso. A nossa liberdade foi preservada pelo SAC e pelos ICBMs, não
por qualquer bondade do comunismo.
Antonio Tátá
Antunes: Excelente ARTIGO.
Fernando Regio: Engraçado que este tipo de crónicas surja por vezes de gente que é contra a
privatização da RTP por exemplo. Pessoalmente estou-me nas tintas para este
tipo de diálogo. Todos são maus! Todos os extremos se chocam e muitas vezes são
os ditos moderados os primeiros a também cometerem algumas transgressões na
totalidade das coisas. Não sou totalitário, não tenho qualquer ideia de o ser
ou de transformar nada nesse sentido, mas o autor da crónica parece que tem
essa ambição escondida. No contexto político actual que se vive em Portugal tem
de se ter muito cuidado com a mensagem que se prega. Sim, há gente livre neste
País, livre o suficiente para dizer o que bem entender, será que o é? Não
parece, a olho nu.
Lourenço de Almeida > Fernando Regio: Eu compreendo o autor do texto.
Se estivéssemos num país fascista, provavelmente seria escrito ao contrário.
Mas o que é preocupante no mundo dos últimos 50 anos não é o nazismo nem o
fascismo que foi sendo erradicado paulatinamente. O problema continua a ser o
facto de, mesmo em países democráticos ser tolerada a presença de partidos que
são objectivamente contra a democracia como é forçoso - pela própria doutrina -
que o sejam partidos de inspiração marxista.
Paulo Chambel: Esta é uma mensagem importante. O BE e o PCP seguem ideologias ditatoriais
semelhantes ao Nazismo. No espectro político relevante português são os
partidos mais próximos do Nazismo. Na realidade são mais cínicos porque
promovem uma ideologia que quando foi levada prática também matou, torturou e
oprimiu milhões mas em nome da igualdade de resultados.
Francisco Pinto: O episódio é
lamentável, e diz muito sobre a imensa pobreza do regime em matérias que dizem
ser fundamentais, a liberdade e a igualdade. Este clima de censura mediática
levada a cabo por um exército de fanáticos do totalitarismo, feito com a
conivência dos órgãos de soberania, abre as portas ao outro extremo, como é
óbvio.
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