terça-feira, 18 de agosto de 2020

Episódios deste tempo

 Ainda bem que Alberto Gonçalves regressou das suas férias. Já tínhamos a Covid-19 para nos assombrar, além de outros focos e fogos. Mas com ele surgiu uma luz que inspirou 254 comentários para este seu artigo sobre intervencionismo unilateral da esquerda no meio artístico, bem expressivo de vil totalitarismo repressivo. É certo que a maioria não consistia em comentário, mas significa isso também, por vezes, desinibição na arte de escrever, o que é um progresso, cá entre nós.

O meu totalitarismo é mais fofinho do que o teu /premium

Grave é não perceber que, ao rejeitar o horror nazi e acarinhar o horror comunista, se legitima o horror todo. Grave é presumir nuances na desumanização do indivíduo em nome de princípios “superiores” 

ALBERTO GONÇALVES,  Colunista do Observador

OBSERVADOR, 15 ago 2020

Mediante pagamento, o cançonetista Olavo Bilac cantou num comício do Chega e apareceu sorridente numas fotografias ao lado do dr. Ventura. O gesto foi o suficiente para que irrompesse um pequeno escândalo. E o escândalo foi o suficiente para que o sr. Bilac viesse às “redes sociais” admitir o “erro”, negar qualquer associação ao Chega e pedir mil desculpas à humanidade em peso.

É evidente que o sr. Bilac, naturalmente carecido de ganhar o sustento, ficou em pânico. Por um lado, o dinheirinho do espectáculo dá-lhe jeito. Por outro, o dinheirinho dos espectáculos que se arrisca a perder faz-lhe falta. Suponho que, antes do referido evento, a popularidade do sr. Bilac não fosse extraordinária. Após o evento, a popularidade é nula. A julgar pelo ódio que suscitou, será mais provável uma autarquia alentejana patrocinar um concerto de António Calvário do que o sr. Bilac animar uma feira do gado em Valpaços. Embora eu não ouviria o sr. Bilac nem que o Chega (ou uma autarquia alentejana) me pagasse, espero estar enganado e desejo uma carreira próspera ao homem. O problema, de resto, não é esse. O problema é a quantidade de vigilantes que se uniu de imediato na condenação do sr. Bilac. O problema é a fúria que os vigilantes dedicaram aos pouquíssimos, como o apresentador Manuel Luís Goucha, que defenderam o direito do sr. Bilac cantar onde quiser. O problema é a impressão crescente de que quem não está com “eles” está não só contra “eles” mas será por “eles” aniquilado profissional, social e pessoalmente. O problema é o medo. O problema é o medo se espalhar por toda a parte. O problema é o medo enquanto modo de vida. O problema é que uma vida assim não é vida: é um sintoma inevitável da opressão institucionalizada que o país iniciou em 2015. Não há ditadura sem estes exercícios de ameaça e humilhação, de castigo e arrependimento. O engraçado, se as tragédias dessem para rir, é que as ditaduras avançam a chamar antidemocráticos aos inimigos, com frequência imaginários, no mínimo exacerbados para efeito cénico. É, dizem “eles”, o “novo normal”.

Não tenciono perder muito tempo a falar do Chega. O dr. Ventura, que se notabilizou a defender um clube da bola, tem tanta legitimidade para abolir a corrupção e refundar o regime quanto Linda Lovelace para criticar a pornografia. Além disso, e de uns repelentes laivos “patrióticos”, o oportunismo do dr. Ventura tende a entusiasmar-se e roçar a demência: há tempos, confessou que gostaria mesmo era de castrar fisicamente os pedófilos. Recentemente, jurou proibir as ofensas a juízes e polícias. Agora já se declara orientado por Deus Nosso Senhor, que decerto lhe surgiu num intervalo do Benfica.

A questão é que o episódio do sr. Bilac, de ascendência africana, e a interferência do sr. Goucha, homossexual, complica um bocado o “nazismo” atribuído ao Chega. As habituais, e simpáticas, referências a Israel também não combinam. Não sendo totalmente improvável que o Chega seja avesso à democracia, a verdade é que não é claro que seja a força de inspiração totalitária que dizem ser. De resto, a esquerda chama “nazi” ao Chega com a exacta facilidade com que chamaria “nazi” ao CDS ou ao PSD, caso o CDS existisse e o PSD fizesse oposição. Porém, admita-se para conveniência de conversa que o Chega realmente adopta ideologias responsáveis por milhões de mortos. Não é precisamente isso que define o PCP e, removido o verniz beato, o BE?

O facto – que convém lembrar semanalmente, se necessário – é que o parlamento português possui dois partidos comunistas, ambos com uma quantidade de deputados muito superior ao Chega e, para o que importa, ambos fervorosos adeptos de regimes sanguinários. É possível que o Chega aprecie regimes assim. É garantido que PCP e BE apreciam regimes assim. E quantos cançonetistas ou aparentados já apresentaram desculpas pela participação em festanças de qualquer dos dois? Se não estou em erro, nenhum. Se não estou em erro, centenas de “artistas” nacionais até retiram regularmente vantagens da conotação com o comunismo, simpatia que desfilam com o orgulho natural de quem se orgulha das chacinas, dos fuzilamentos, das torturas, das prisões e da fome habituais nos lugares onde o comunismo iluminou os povos.

São profissionais? Pois são. Aliás, o sr. Bilac é tão profissional que chegou a actuar na Festa do “Avante!”, sem que à época as virgens se contorcessem de indignação. Não é especialmente grave, ou comprometedor, que sujeitos se deixem contratar pelo “Avante!”, pelo Acampamento de Verão do BE, pelos concertos em prol do Hamas ou por homenagens a Rudolf Hess: o profissionalismo pode ser sinónimo de estupidez. Grave é que, conscientemente, se cantarole e saltite ao ritmo de massacres, comunistas, nazis ou dos psicopatas que calhar. Grave é a quantidade de tontinhos, incluindo na “geração mais informada de sempre”, que de acordo com a vulgata desprezam Hitler e imaginam intenções redentoras nas aplicações terrenas do marxismo. Grave é não perceber que, ao rejeitar o horror nazi e acarinhar o horror comunista, se legitima o horror todo. Grave é presumir nuances na desumanização do indivíduo em nome de princípios “superiores”. Uma sociedade civilizada não é selectiva nas abominações. A portuguesa, por exemplo a portuguesa, é selectiva. E evidentemente não é civilizada.

LIBERDADES  SOCIEDADE

COMENTÁRIOS

António Reis: Mais uma excelente crónica a relembrar o oportunismo descarado e a desonestidade intelectual da nossa esquerda. Brilhante!!  Maria Carvalho: Uma reflexão de grande lucidez.. Parabéns!  Dragão 2019 Subscrevo por inteiro. Parabéns Alberto Gonçalves!

Maria Pinto: Ser de "DIREITA" está proibido na mídia, nas universidades, nos cargos públicos, nos sindicatos, na cultura (subsídios só para esquerdalhos)... em todo o lado , e onde quer que apareça, é rotulado de "extremismo" e acusado de crimes hediondos. O comunismo, por seu lado, é tido como uma espécie de bênção tudo perfeito, e é a isto é o que todos os canalhas chamam de DEMOCRACIA !!!!.

antonyo antonyo > Maria Pinto: Ser de direita e artista ou escritor ou cantor é estar condenado ao desemprego . Aliás basta não ser de esquerda ...

Lourenço de Almeida > Maria Narciso: A UE equiparou - e bem - o Nazismo ao Comunismo. O mais notável líder marxista-leninista disse: "uma morte é uma tragédia. Um milhão de mortes são uma estatística". O Nazismo era uma doutrina assassina com alvos específicos. O Marxismo-Leninismo é assassino por metodologia. Durante o Grande Terror, os dirigentes provinciais do partido comunista recebiam instruções para matar um determinado números ou percentagem de pessoas. Independentemente da raça, religião ou ideologia. O nazismo matou pessoas por serem judeus (tal como eram judeus os meus bisavós). O Marxismo-Leninismo matou pessoas por serem pessoas! De resto, ambos se aliaram para partilhar entre ambos a Europa de Leste, iniciando a II Guerra Mundial com a partilha da Polónia. O que há é muito menos nazis em hollywood - ainda bem - do que marxistas!  Liberal Assinante Consumado > Maria Narciso: Continuo fiel à visão de Albert Camus, excelente, sobre o assunto: Camus distinguiu o terrorismo de Estado racional (comunismo) do terrorismo de Estado irracional (fascismo). Nesse sentido, o comunismo é, tal como se verificou na prática, muito mais perigoso e danoso do que o fascismo. O comunismo só não fez ainda mais estragos porque nunca teve força militar para isso. A nossa liberdade foi preservada pelo SAC e pelos ICBMs, não por qualquer bondade do comunismo.

Antonio Tátá Antunes: Excelente ARTIGO.

Fernando Regio: Engraçado que este tipo de crónicas surja por vezes de gente que é contra a privatização da RTP por exemplo. Pessoalmente estou-me nas tintas para este tipo de diálogo. Todos são maus! Todos os extremos se chocam e muitas vezes são os ditos moderados os primeiros a também cometerem algumas transgressões na totalidade das coisas. Não sou totalitário, não tenho qualquer ideia de o ser ou de transformar nada nesse sentido, mas o autor da crónica parece que tem essa ambição escondida. No contexto político actual que se vive em Portugal tem de se ter muito cuidado com a mensagem que se prega. Sim, há gente livre neste País, livre o suficiente para dizer o que bem entender, será que o é? Não parece, a olho nu.

Lourenço de Almeida > Fernando Regio: Eu compreendo o autor do texto. Se estivéssemos num país fascista, provavelmente seria escrito ao contrário. Mas o que é preocupante no mundo dos últimos 50 anos não é o nazismo nem o fascismo que foi sendo erradicado paulatinamente. O problema continua a ser o facto de, mesmo em países democráticos ser tolerada a presença de partidos que são objectivamente contra a democracia como é forçoso - pela própria doutrina - que o sejam partidos de inspiração marxista.

Paulo Chambel: Esta é uma mensagem importante. O BE e o PCP seguem ideologias ditatoriais semelhantes ao Nazismo. No espectro político relevante português são os partidos mais próximos do Nazismo. Na realidade são mais cínicos porque promovem uma ideologia que quando foi levada prática também matou, torturou e oprimiu milhões mas em nome da igualdade de resultados.

Francisco Pinto: O episódio é lamentável, e diz muito sobre a imensa pobreza do regime em matérias que dizem ser fundamentais, a liberdade e a igualdade. Este clima de censura mediática levada a cabo por um exército de fanáticos do totalitarismo, feito com a conivência dos órgãos de soberania, abre as portas ao outro extremo, como é óbvio.

 

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