Nunca pensei que o KGB alguma vez viesse a ser posto em causa por um defensor de um regime comunista que sempre me habituei a ver em Rui Tavares, embora lhe apreciasse a clareza de pensamento e as análises históricas que favoreciam a minha ignorância, caso deste texto. Mas fez-nos passear pela geografia e história dos povos que já viveram na dependência da anterior URSS e só lhe posso ficar grata. O mesmo não acontece com o comentador, julgo que russo, Victor Morozov, que entra em disputa educada com Rafael Guerra, talvez ofendido pela ingerência em temas que “não nos dizem respeito”, a nós, sobretudo, pobre povo tolhido a mandar bitaites sobre povos que talvez se orientem melhor, afirmação irrefutável, visto que pertencemos aos da cauda, como a do tal lagarto “a quem cortam o rabo E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.”
OPINIÃO: A Bielorrússia, o último reino do KGB, existe
Deveríamos preocupar-nos e
mobilizarmo-nos pela Bielorrússia. Há sinais de que os bielorrussos podem estar
a tolhidoficar imunes ao medo, se bem que ainda não à repressão.
PÚBLICO, 24 DE JULHO DE 2020
Algo
vai errado quando um governo europeu tem de se esforçar a provar que o seu país
não é “a Coreia do Norte da Europa”. No entanto, é isso mesmo que o governo da Bielorrússia tem de fazer,
de tal forma se tornou frequente o uso dessa comparação para ajudar a chamar a
atenção para a situação de um país onde cerca de dez milhões de pessoas
vivem sob o regime mais autoritário, opaco e repressivo do continente.poss
Há
uma coisa, porém, que nem o governo de Alexander Lukashenko — o primeiro e até agora único presidente da
Bielorrússia, desde 1994 — tem interesse em negar: o facto de a
Bielorrússia ser o último reino do KGB na Europa. A polícia política de
Lukashenko mantém o nome da sua antecessora soviética, no que é uma
singularidade entre países internacionalmente reconhecidos (o KGB
continua a ser KGB em redutos como a Transnístria ou a Ossétia do Sul, mas a
Bielorrússia é o único Estado-membro da ONU que continua a ter o KGB como sua
polícia política). É o KGB
que se vê, nas poucas imagens a saírem da Bielorrússia, a meter manifestantes
em carrinhas, depois de espancados pela polícia, ou até simplesmente a levar activistas
da oposição que estejam a conversar com os poucos jornalistas estrangeiros que
começam a interessar-se pelo que se passa no país.
Não
será provavelmente apenas a mim que perturba o esquecimento a que foi lançado
um país que tem o dobro da extensão de Portugal em pleno continente europeu.
Fala-se da Ucrânia, a Sul da Bielorrússia. Fala-se da Polónia, a oeste da
Bielorrússia. Fala-se da Rússia, a leste da Bielorrússia. Até se fala, de vez
em quando, da Lituânia e da Letónia, a norte da Bielorrússia. Fala-se de tudo
isso, só não se fala da Bielorrússia. É
como se houvesse ali apenas um enorme buraco em torno da capital, Minsk.
Lukashenko vive, é claro, bem com o facto de não haver sequer
uma base de conhecimento sobre a Bielorrússia que possibilite aos restantes
europeus saberem o que se passa naquele país, preocuparem-se ou mobilizarem-se
com isso.
E
no entanto deveríamos, sim, preocupar-nos e mobilizarmo-nos pela Bielorrússia. O país vai a “eleições” no próximo dia 9 de agosto. Ponho “eleições” entre aspas porque é claro que estas
eleições, como as outras antes destas, são tudo menos verdadeiras eleições, mas
antes um pró-forma por que o presidente Lukashenko tem de passar antes de ter
um novo mandato. Desde logo, os candidatos de oposição que poderiam fazer
verdadeira mossa vêem as suas candidaturas invalidadas, como aconteceu desta
vez com Viktar Babaryka, um homem de negócios, Valery Tsepkalo, o gestor de um parque
tecnológico, e Siarhei Tsikhanouski, um blogger e youtuber que foi mandado para
a prisão. Em vez deles, candidaturas de partidos tolerados ou de
personalidades desconhecidas são oficializadas para dar um vislumbre de
legitimidade à contenda. E quando chegar a hora das urnas, Lukashenko não hesitará em defraudar o voto para ser reeleito. Este é o tipo de ato eleitoral que nós tínhamos
em Portugal antes do 25 de abril. O medo e a repressão fazem o resto.
Mas
há sinais de que os bielorrussos podem estar a ficar imunes ao medo, se bem
que ainda não à repressão. Embora a eleição presidencial seja pouco mais do
que uma encenação, a verdade é que a aproximação da data, junto com a péssima
gestão de crise pandémica por parte de Lukashenko
(que garantiu que o vodka curava a covid-19), fizeram com que os bielorrussos
fossem para as ruas e começassem a protestar dentro e fora do país, em muitos
casos dando a cara, o que é um risco para os próprios e para as suas famílias.
Quando isto acontece é em geral sinal de que as coisas estão a chegar a um
ponto de ebulição. Lukashenko respondeu
com pouca subtileza, lembrando aos seus concidadãos a ocorrência de massacres
noutros países pós-soviéticos no caso de estes tentarem derrubá-lo através de
uma revolução, e enviando as polícias para a rua para espancar os bielorrussos
que tiverem a coragem de protestar.
Até
agora, estas atitudes só têm ajudado os opositores de Lukashenko a ganhar ânimo. A mulher de um dos candidatos
presidenciais presos, Svetlana Tikhanouskaya, decidiu avançar com a sua
candidatura, e foi apoiada pela mulher de outro dos candidatos, Veronika
Tsepkalo, e por Maria Kolesnikova, dirigente da candidatura invalidada de
Viktar Babaryka. Até agora, Lukashenko ainda não tomou o passo de proibir a
candidatura de Svetlana Tikhanouskaya, que começa a mobilizar seriamente a
população.
Por outro lado, os bielorrussos no
exterior começam a organizar-se para mostrar ao mundo o que se passa no seu
país. Hoje, em Lisboa, às 19h no Largo de
Camões, alguns dos cerca de duzentos bielorrussos que vivem em Portugal estarão
reunidos para exigir eleições livres e justas no seu país. Pela coragem que
demonstram — ao darem a cara, as suas famílias podem estar em risco — e pela
singeleza daquilo que pedem, apenas o direito de poder escolher, merecem bem
que os apoiemos e acompanhemos. Para lhes dar protecção e a força de lutar
por aquilo que nós já damos por tão banalmente adquirido. E ao menos para que
se saiba que a Bielorrússia existe.
TÓPICOS OPINIÃO EUROPA BIELORRÚSSIA ALEXANDER LUKASHENKO DIREITOS HUMANOS ELEIÇÕES
COMENTÁRIOS:
JOAO EXPERIENTE:: Cá anda o
Tavares a pregar e a mobilizar para mais uma “cruzada”. Até tremo com
“cruzadas”. Há uns tempos andava aqui outro(?) a arranhar e a arranhar a ver se
começava mais uma “cruzada” em Marrocos, com as arengas do costume, que aquilo
coisa e tal, que talvez assim-assim, que devia ser assim e assado, etc. Até me
arrepiei! Bom, se fizerem mais uma “cruzada” para aqueles lados pelo menos é longe,
lá teremos de pagar quer em dinheiro quer dizendo com a cabeça que sim em
Bruxelas. Paz às almas daquelas gentes. 24.07.2020
rafael.guerra
EXPERIENTE: Se
fores na Bielorrússia vê como é belo um regime inspirado da vizinha Rússia...
Victor
Morozov INICIANTE: A Rússia não está a inspirar algo à Bielorrússia. O
país não prospera, é verdade. Mas aquí nós falamos da imiscuição de outros nos
assuntos internos doutros países. O exemplo da Ucrânia evidencia os resultados
desta imiscuição. 24.07.2020
rafael.guerra
EXPERIENTE: Rindo
muito. Não inspira mas é pouco! A começar por um líder autocrata que se
eterniza no poder, onde o KGB pode entrar na vossa casa a qualquer momento,
onde a liberdade de imprensa e o jornalismo de investigação são uma fantasia,
com o controle estrito dos media e, especialmente dos canais de TV que são
totalmente controlados pelo Estado. Mas enfim, seria pedir demasiado a quem
nunca conheceu a democracia nem a liberdade, e foi educado num nacionalismo
cego. 24.07.2020
Victor Morozov INICIANTE: A enumeração dos «vícios do regime soviético» não passa
de «espantalho de ameaça por parte do regíme da União Soviética». Actualmente,
tanto a Rússia como a Bielorrússia não têm nada a ver com os horrores
mencionados pelo Sr. Rafael.Guerra. Abaixo a guerra!24.07.2020
rafael.guerra
EXPERIENTE: Sim,
para os cegos desses regimes, que podem
circular que não há nada para ver. 24.07.2020
Victor
Morozov INICIANTE: Não é sinal de boa educação chamar cego ao povo de um
país que conseguiu derrotar o fascismo e alcançar êxitos na ciência, cultura,
desporto e no desenvolvimento económico, embora tenhamos para onde crescer.
24.07.2020
rafael.guerra
EXPERIENTE: O
camarada pode continuar a adorar Stalin, um dos maiores criminosos da história
da humanidade, e todos os regimes autocráticos que tais, que nós por cá nem com
o seu cheiro podemos.
Victor Morozov INICIANTE Não há nada surpreendente, o Sr. vive nas trevas da
propaganda: é de conhecimento geral que ainda na União Soviética o culto de personalidade
de Estaline foi rejeitado e condenado. Agora, na Rússia, apenas 8 % da
população vota no Partido Comunista (e em Portugal?). Quanto à eternização de
presidente, sim a Rússia teve sorte de que na época mais difícil para o país
foi eleito o presidente Putin. Caso contrário a Rússia transformar-se-ia
"no posto de abastecimento" sem qualquer soberania. Actualmente, a
Rússia conseguiu levantar-se de joelhos e o povo russo confia no seu
presidente. Neste caso a democracia não se viola visto que o povo (demos)
torna-se mais contente e próspero, embora tenhamos pel frente muitos problemas
por resolver. 24.07.2020
rafael.guerra EXPERIENTE: Nas trevas vivem os jornalistas russos sob o regime de Putin.
Anna Politkovskaya, 48 anos, morta em 2006. Natalia Estemirova, 50 anos, morta
em 2009. Anastassia Babourova, 25 anos, e Stanislas Markelov, 34 anos, mortos
em 2009. Pavel Cheremet, 44 anos, morto em 2016. A lista é extensa e conta com
dezenas de jornalistas assassinados desde 2000. Sem contar com os que são
calados com a prisão, após lhes terem montado rapidamente um dossier
comprometedor ("Kompromat") de traidor, espião, terrorista, pedófilo,
drogado, ou outra acusação falsa que tal. 24.07.2020
Victor Morozov INICIANTE: Na sua lista a morte mais recente é a de Pavel Sheremet
que aconteceu na Ucrânia e até agora não foram detidos assassinos. Quanto a
outras vítimas, sim, os crimes tiveram lugar, assim foi o período transitório.
Os culpados foram castigados. Graças a deus, agora isto não acontece. E não
vale a pena continuar a chamar as autoridades actuais russas «regime sangrento de
Putin» ou falar tolices de género, está a soar ridículo. 24.07.2020
rafael.guerra
EXPERIENTE: Falemos
então do ridículo na Rússia de Putin. Interesse-se ao processo alucinante
(outro "Kompromat" vergonhoso) contra Yoann Barbereau, que escapou
recentemente às prisões siberianas. Trata-se do ex-director da Aliança Francesa
em Irkutsk na Rússia, que fugiu da justiça russa depois de ter sido condenado a
15 anos de prisão num processo à moda da casa que nem de Kafkiano pode ser
qualificado.
Quanto
ao seu acto de fé: "Graças a deus, agora isto não acontece", não sei
se devamos rir ou chorar. Ficamos pelo menos a saber que Putin não é Deus
porque está no poder há mais de 20 anos e a lista de jornalistas assassinados
não pára de crescer. Entre os casos conhecidos: Dmitry Tsilikin (também morto
em 2016), Yevgeny Khamaganov, Nikolay Andrushchenko, Dmitry Popkov e Andrey
Ruskov (mortos em 2017), Maksim Borodin, Maksim Borodin, Sergei Grachyov e
Yegor Orlov (mortos em 2018). 24.07.2020
Victor Morozov INICIANTE: Sr. Rafael, parece que se esgotaram todos os argumentos
que provem o facto de o regime de Putin é «sangrento» porque o referido
«processo alucinante contra Yoann Barbereau» não foi mencionado mesmo no Ekho
Moskvy (Eco de Moscovo), estação de rádio em oposição dura a Putin. 24.07.2020
rafael.guerra
EXPERIENTE: O
Russian Today em França noticiou em 10 de novembro de 2017, mas desde então é
silêncio na rádio do Kremlin. O camarada Morozov deve ter sido atacado pelo
mesmo síndroma da negação que o governo soviético durante a catástrofe de
Chernobyl. A Rússia é uma grande nação, culturalmente e cientificamente, mas
segue sendo incapaz de autocrítica, como o ilustra perfeitamente o camarada.
24.07.2020
Amélia.
Obrigada INFLUENTE: Talvez este este site vos ajude a verificar o número de
jornalistas assassinados. "Committee to Protect Journalists" ou
"Comité para a Protecção dos Jornalistas". cpj.org. Façam o filtro
para a Rússia e verifiquem a quantidade e os casos. "Acidentes"
também os há. 25.07.2020
Victor Morozov INICIANTE: Com todo o respeito ao Sr. Rui, tenho que assinalar que
o modo de vida de cada país determina o povo do mesmo (democracia) e meter o
nariz onde não é chamado leva, regra geral, a desgraças, o que aconteceu na
mencionada Ucrânia. O Ocidente (em primeiro lugar os EUA) tinha gostado de
impor ao povo ucraniano a «democracia» e como resultado: pobreza, guerra civil,
assassínios. O mesmo se pode dizer sobre «intenções boas» do Ocidente em
relação aos povos da Líbia, Iraque, Venezuela, etc. Agora, o Sr. Rui cuida do
destino do povo bielorrusso. Guarda-nos, Deus, destes cuidados! 24.07.2020
Leitor Registado EXPERIENTE: Fiquei com uma dúvida: provar que não é “a Coreia do
Norte da Europa”....qual é o mal da Coreia do Norte segundo Rui Tavares? 24.07.2020
Opinativo
INICIANTE: O
pior que nos podia acontecer era uma situação de guerra civil na Bielorrúsia.
Depois do fiasco da Ucrânia, se alguma potência ocidental meter um dedinho na
Bielorrúsia, a Rússia toma conta do país todo e fica a fazer fronteira com a
Polónia. Toda a gente sabe que a Bielorrúsia é uma ditadura, mas a sua
localização não permite que façamos o que quer que seja. O mundo não é nem
nunca será perfeito, Sr. Rui.
Suspicious
Minds MODERADOR: Tenha um pouco de respeito pelo Dr. Rui Tavares, por
favor! Para sua informação, tem um vasto conhecimento e curriculum em política
internacional, e em geoestratégia. Logo a começar pelo Magrebe, em geral, e
pela Líbia, em particular. 24.07.2020
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