Mais um texto da curtição de António Barreto, rigoroso na construção frásica, de uma
racionalidade certeira mas inoperante na informação crítica. Alguns
comentadores o exporão.
OPINIÃO
A democracia tem medo
A democracia é o regime de todos,
incluindo não democratas, revolucionários e antidemocratas. Defende-se com o
reforço e o alargamento, não com a fortaleza.
ANTÓNIO BARRETO
PÚBLICO, 16 de Agosto de 2020
A
democracia portuguesa não corre riscos excessivos. Mas os democratas têm medo.
E, quando têm medo, ficam crispados e fecham-se. Tentaram mudar regras e
limitar os seus debates. Felizmente que o Presidente da
República deu duas lições aos deputados (ao governo e aos partidos)
que não resistiam a diminuir a democracia.
Toda a gente sabe que os debates
parlamentares são de má qualidade. É um lugar-comum sublinhar o facto. Já vem,
aliás, desde o século XIX. Qualquer escritor que se prezasse tinha de dizer as
últimas dos debates parlamentares, da falta de educação e de cultura dos
deputados e dos seus estranhos hábitos.
A
República fundou um Parlamento que era uma algazarra dominada por um ou dois
partidos despóticos. O Estado Novo criou uma Assembleia Nacional de gente sem
coluna, por vezes com sabedoria, mas sempre pronta a obedecer. Com excepção de
uns raros momentos, aquela Câmara transformou-se numa imensa sala mortuária. Com a democracia, nasceu uma Assembleia
da República onde se discutiu, escreveu uma Constituição e
prepararam os alicerces para um Estado de direito. Com altos e baixos, o
Parlamento foi vivendo. Mas o
declínio anunciou-se cedo. O poder dos governos acentuou-se. A partidocracia
instalou-se. Os cargos na Administração Pública e nas empresas privadas foram
tendo mais interesse. Os vencimentos nas profissões liberais e nos grupos
económicos revelaram uma tentadora disparidade. As máquinas partidárias
impuseram a sua lei. Cada dia que passa um deputado é mais dependente. Com a
perda de poder, o Parlamento sente-se ameaçado e fecha-se. O Governo
acompanha-o.
Os debates parlamentares conheceram um declínio seguro. Houve algumas excepções, mas o seu teor vai-se
degradando há algum tempo. A gritaria aumenta. O despropósito cresce. Os
bons argumentos racionais e políticos minguam. A pose para a televisão
consolida-se. O irrelevante afirma-se. Perante isto, os próprios grupos
sentiram necessidade de reformar. Esperava-se que os deputados organizassem
um plano de melhoramento dos debates: a frequência, a relevância temática, a
duração das réplicas, a capacidade de intervir espontaneamente, a possibilidade
de fazer intervenções independentes e a eliminação de grande parte da
disciplina paralisante eram temas em que se pensava. Havia tanto a fazer! Tanto
a reflectir! Que fizeram alguns grupos, designadamente o PS e o PSD? Reduziram
os debates e fizeram dezenas de alterações de pormenor, geralmente com o
sentido de manter o predomínio dos partidos sobre os deputados, dos grandes
sobre os pequenos e do governo sobre todos. Reforçou-se a disciplina e a burocracia
que condicionam a iniciativa individual e apurou-se a técnica dos pesos e
medidas que limita a liberdade de cada deputado.
Foi
assim que os deputados diminuíram os debates parlamentares sobre a Europa.
Reduziram as possibilidades ou a obrigatoriedade de debater em plenário as petições dos cidadãos. Em colaboração
com o Governo, diminuíram para menos de metade o número de debates
periódicos com a presença do primeiro-ministro.
O
Presidente da República vetou a primeira decisão sobre os debates europeus,
assim como a segunda sobre as petições. Quanto aos debates com a presença do
primeiro-ministro, o Presidente não teve poderes para intervir. Mas merece
nota o facto de ter sido o Presidente a impedir que Parlamento e Governo
diminuam a já de si reduzida capacidade de debater.
Outros
acontecimentos recentes puseram em causa a democracia, sobretudo o receio dos
democratas. Estes têm medo do partido comunista que quer fazer uma festa em condições de privilégio quando
as actividades colectivas culturais, religiosas, recreativas, associativas e
outras estão praticamente interditas! Não é evidentemente a provocação deles
que é uma ameaça, o que é perigoso é a reacção das instituições. Os comunistas
sempre tiveram a certeza de merecer um estatuto especial na sociedade e um
privilégio indiscutível. Nunca se imaginou que esse conceito fosse tão alargado
até englobar regras sanitárias especiais! Nem que as autoridades cedessem.
Os
deputados exibiram ainda medo das pessoas que querem dar nas vistas, como o
deputado Ventura que deseja candidatar-se a Presidente da Republica, sem perder
o mandato de deputado.
Outro
facto relevante foi a declaração de Rui Rio sobre a eventual mudança do partido
Chega e a hipótese de haver um acordo entre este partido e o PSD.
Que o partido Chega se aproxime do PSD, é natural. Quem quer crescer a qualquer
preço é capaz de tudo. Que o PSD lhe abra as suas portas, é surpreendente. E
errado. Que o Chega tome iniciativas é lá com ele. Que o PSD ou qualquer outro
partido democrático se aproxime dele é um problema e é connosco! O PSD merece
ser politicamente castigado só porque o seu presidente se predispôs a tal
cambalhota!
Finalmente,
uns grupelhos racistas e xenófobos, uma ou duas dezenas de indivíduos, decidiram
manifestar-se diante de partidos de esquerda e de associações anti-racistas.
Além de se manifestar, ameaçaram
pessoas e deputadas, atitudes raras entre nós, mas que merecem
evidentemente atenção. Parecem provocação, mas vale a pena a democracia e a
justiça estarem atentas. A liberdade e a integridade dos cidadãos são fronteiras
de alarme.
A
fragilidade e os perigos para a democracia não resultam directamente destas
ameaças, estão antes, isso sim, nas respostas das instituições políticas e
judiciais e do sistema democrático. Está errado protestar com excessiva
veemência e com a proibição do que seja mera opinião. A justiça deve
intervir perante acções e comportamentos, não diante de opiniões. É muito
fácil perceber-se que a defesa da democracia pode rapidamente degenerar em
redução da democracia. Os deputados devem defender a democracia através do seu
desenvolvimento e do seu enriquecimento, não por intermédio do seu fechamento.
A
democracia é o regime de todos, incluindo não democratas, revolucionários e
antidemocratas. Defende-se com o reforço e o alargamento, não com a fortaleza.
O antifascismo não acaba com o fascismo. Pelo menos não substitui o fascismo
pela democracia. Tal como o anticomunismo não destrói o comunismo. Nem um nem
outro fazem a liberdade. O que constrói a liberdade é a democracia. O que
destrói o fascismo e o comunismo, substituindo-os pela liberdade, é a
democracia.
Sociólogo
TÓPICOS:
OPINIÃO
RACISMO PORTUGAL GOVERNO EXTREMA-DIREITA QUESTÕES SOCIAIS ESTADO
COMENTÁRIOS:
António GS INICIANTE: Há aqui um
José cúmplice dos crimes de Estaline, Maduro e Jong, e ele tem o descaramento
de criticar o voto popular que não dá confiança à sua agremiação de múmias. É
tempo de acabar com anti democratas de esquerda e direita que se servem da
democracia para sugerir ditaduras. É preciso ilegalizar tudo o que é extremista
à esquerda e à direita.
albergaselizete
EXPERIENTE: Com
o devido respeito, discordo do articulista quando escreveu que a democracia è o
regime de todos em Portugal. O problema é ser de alguns, os beneficiários da
alta corrupção, que destruiu economicamente o país, esquivando-se
sistematicamente a consultar o povo, tomando sempre decisões que são autênticos
crimes de alta traição, sempre em prejuízo de Portugal e da maior parte do seu
povo. Portanto, aquilo a que se tem assistido, há mais de 40 anos, é um pequeníssimo
número de pessoas imporem a quase todo o povo, as suas ideias, decisões,
irresponsabilidade, com inimputabilidade. Na Suíça, todas as grandes decisões são
referendadas, aqui sim, a democracia é o regime de todos. Ou nos países nórdicos
onde é possível ver políticos que até são capazes de andar nos transportes públicos.
16.08.2020
Jose
EXPERIENTE: Cara(o)
Albergaselizete António Barreto não tem razão em quase tudo na sua vida, mas
está carregado de razão quando afirma que "a democracia é de todos".
Há 46 anos o PS,PSD,CDS ocupam os cargos de topo de todas as hierarquias do
Estado e da Sociedade. Isso é assim por causa de mais de 80% dos eleitores
portugueses que votam votarem no PS, PSD, CDS. Esses deputados têm o poder
legislativo e elegem o poder executivo bem como os Juízes do TC, o PGR, o
Provedor da Justiça, o presidente da concertação social e todos os cargos. O
topo das hierarquias do absoluto poder interno das empresas é PS, PSD, CDS.
Todo o poder formal é desses partidos há mais de 45 anos por decisão do
soberano sufrágio universal. Fazem políticas contra os trabalhadores e o povo,
mas com os votos. É preciso mudar o voto! 16.08.2020
DuarteSousa
INICIANTE: «O
PSD merece ser politicamente castigado só porque o seu presidente se predispôs
a tal cambalhota!» Será que o PS mereceu ser castigado por ter feito uma
«cambalhota» com o PCP? 16.08.2020
José
Cruz Magalhaes MODERADOR: A democracia só pode ter medo perante as análises e
conclusões redutoras como aquelas que António Barreto, lega aos seus
compatriotas e leitores do Público. Em sua opinião, a diminuição e a constrição
da democracia é devida, em partes iguais aos movimentos fascistas e
anticomunistas, versus antifascistas e comunistas. Na sua análise de cátedra, não
consegue visualizar mais do que isto, nem percepcionar que a redução simplista
e equívoca, com que sempre nos brindou, deixa em claro que nacionalistas, supremacistas
brancos, xenófobos, racistas, nativistas, anti-globalizadas nominais e toda uma
outra panóplia de uma fauna em que se sedimenta uma direita e uma extrema
direita, arrivista e retrógrada, constituem a principal ameaça para a liberdade
e para a democracia. 16.08.2020
Anjo Caído MODERADOR: Discordo. A grande ameaça é a corrupção,
o caciquismo, o alheamento dos cidadãos face à política, as teias de poder
entre política e poder económico. É isso que mina a democracia, por dentro, e a
apodrece. Não são os alegados fascistazitos que agora saem do armário, nem os
comunistas empedernidos que se julgam sempre senhores da razão. Não. É o
centro. O decadente, molengão, corrupto, incompetente e inoperante centrão. 16.08.2020
Antonio SilvanINICIANTE: Este "senador" vem a terreiro sempre para
anunciar a catástrofe e debitar o fel que o domina. 16.08.2020
António
GS INICIANTE: É próprio de democratas tolerar anti-democratas
assumidos, reverenciadores do defunto Estaline e apoiantes do Tinto Maduro e do
Zé das Bombas da Coreia? É próprio de democratas aturar os Chegas da Direita e
da Esquerda? Tenho dúvidas, António Barreto. E parece-me que você também as
tem, o seu texto não é dos melhores. 16.08.2020
Fowler
Fowler INICIANTE: A depreciação recorrente do Parlamento e da nossa
democracia, quer pelo uso de extensa gramática de lugares comuns, quer pelo
culto ou gosto simples de ver sempre o copo meio vazio ou mesmo vazio, sempre
em comparação bacoca com as virtudes liberais do RU, em nada contribui para o
destemor e o enrijamento da nossa democracia face aos perigos enunciados, pelo
contrário. Há muito que tinha reparado que o “revolucionário” AB se inspira
muito nos escritores portugueses do século XIX. Da mesma forma que estes também
se inspiraram noutros escritores (estrangeiros). Pena que ainda não tenha
construído uma ficção realista à Zola. 16.08.2020
Jose EXPERIENTE: Não há nenhuma ameaça à democracia portuguesa. Há
expressões de autoritarismo no "Bloco Central político e de
interesses". Os deputados eleitos pela CDU renunciaram com rigor,
educação, correcção democrática e votaram contra as decisões autoritárias de fechamento
da AR a debates, petições... o PR advertiu o seu próprio partido e o partido do
governo, a Direita que governa há mais de 45 anos. O PCP não interrompeu o
exercício da liberdade, da democracia, adaptou as suas iniciativas às
particulares condições da pandemia. Deu e está a dar exemplos de
desconfinamento contra o medo com toda a segurança, protecção pessoal,
distanciamento e higiene. Fosse assim na habitação, transportes, trabalho,
espaço público, Lares e a pandemia estaria mais controlada e a democracia mais
forte. A Justiça agirá! 16.08.2020
fernando
ferreira franco INICIANTE: António Barreto denota alguma ingenuidade quando
pretende que a democracia seja a casa de todos, mesmo dos anti-democratas. Se
levarmos este postulado ao âmago da ideia em si, então até uma ditadura se
insere nos ideais de democracia, é que se o povo a tolera e não se revolta,
então ela é legítima. Paradoxalmente, se A.B. apela à democracia, afirmando que
ela não admite atitudes exacerbadas ou "veementes", então o 25 de
Abril foi uma afronta à ideia fundadora da democracia. Outra nota de registo
das incongruências de A.B. É o facto de atribuir a Marcelo a inteligência do
veto sobre os debates quinzenais, quando atrás no texto tinha denunciado o
declínio desses debates, tendo o veto de Marcelo como resultado, a continuidade
desse declínio...Camões teria preferido um mundo feito de mudanças. 16.08.2020
Fowler Fowler INICIANTE: Muito bem observado. As incongruências reflectem a
origem do artista.
Jose Vic INICIANTE: Saudades do António verdadeiro, revolucionário e
anti-fascista. Mas para toda esta teoria não é necessário equilibrar melhorar o
ponto de partida de todos os cidadãos para usufruirem a tal Democracia? É
preciso não perdemos a perspectiva. As desigualdades crescentes, a economia a
colapsar, o abandono escolar, a falta de alternativas para os mais novos são o
caldo perfeito para o que aí vem. António Barreto sabe-lo bem porque já esteve
do outro lado da barricada. Mas é reconfortante ler a sua prosa!
16.08.2020
Antonio Silva INICIANTE > José Vic : Anti-fascista aonde? No sossego da estranja para se
baldar à guerra? Que falta de memória... 16.08.2020
antonio rocha INICIANTE: Mais um a normalizar. Deste não se esperava outra
coisa. 16.08.2020
TML
INICIANTE: "Estes
têm medo do partido comunista que quer fazer uma festa em condições de
privilégio quando as actividades colectivas culturais, religiosas, recreativas,
associativas e outras estão praticamente interditas!" - isto é pura
mentira. há neste momento festivais por todo o país, houve ajuntamentos em Fátima,
etc etc etc 16.08.2020
Gualter Cabral EXPERIENTE: É um paradoxo, mas a realidade confirma-o. É na casa
da democracia - AR- que mais se atenta contra a democracia. No entanto, eles
falam...falam...mas não fazem nada, ou melhor, conspiram contra a democracia.
Os deputados são demais e não prestam. As inúmeras petições para se alterar a
forma e conteúdo das votações, no sentido de mais clareza e autonomia dos
deputados e escolha nominal são sistematicamente esquecidas. A partidocracia é
a regra e a autoridade. E o cidadão...? Bom...O cidadão que se amanhe, que se
conforme, que emigre; em resumo:" o cidadão vá chatear a quem lhes fez as
orelhas" 16.08.2020
AGC INICIANTE Análise
muito lúcida e oportuna, como é hábito. 16.08.2020
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