A crónica de Santana Castilho mais uma vez vem desmascarar – a
propósito da redução dos debates parlamentares e suas consequências
democráticas – o despotismo - não o esclarecido de cariz iluminista do Século
das Luzes – mas o iluminado pela ambição matreira deste século de muita treva,
apesar das radiações que as conquistas científicas passaram, não para o
bicho-homem mas para o robot substituto. E as políticas do ensino têm
demonstrado bem a ineficácia no desenvolvimento pedagógico, tem-se visto bem,
em termos de disciplina e de correcção linguística e cognitiva, que o abandono
da leitura há muito definiu. Santana
Castilho serve-se de um provérbio que bem mostra o quanto estamos a andar para
trás, mas ninguém se preocupa com isso, sendo dado assente a nossa “burrice” de
povo europeu da cauda, que nem disso se dá conta, quanto mais das matreirices
saloias do seu “rei” e servidores.
OPINIÃO
“Para trás
mija a burra!”
Que Parlamento vai ficando? O que
representa o Povo ou, cada vez mais, o que os representa só a eles? Admiram-se,
assim, que André Ventura cresça?
PÚBLICO, 5 de Agosto de 2020
1. O PSD
propôs e o PS aproveitou: precisamente
numa conjuntura em que tantas decisões e tão graves devem ser tomadas, o escrutínio
do Parlamento sobre os actos do Governo foi deploravelmente amputado. E, aparentemente insatisfeitos com o modo como
contribuíram para o crescimento do populismo, PSD e PS aproveitaram esta
machadada na democracia para enterrar ainda mais o cutelo: o
número de assinaturas para validar uma petição cidadã passou de quatro mil para
dez mil. Ou seja, é mais fácil agora criar um
novo partido (7500 assinaturas) que levar o Parlamento a discutir uma causa
proposta por eleitores.
Que
Parlamento vai ficando? O que representa o Povo ou, cada vez mais, o que os
representa só a eles, convenientemente imprestável para os fiscalizar e para
ser eco das preocupações dos cidadãos? Admiram-se, assim, que André Ventura
cresça?
As
máquinas partidárias do PSD e do PS fundiram-se na cultura rasca que nos toma
por idiotas. Os leitores, que me perdoem o plebeísmo, mas, alentejano de gema
que sou, sei, desde tenra idade, que para trás só mija a burra.
2. Elogiar
a dedicação dos professores para salvar o possível do ano escolar que passou é
consolo débil para enfrentar a falta de condições que se adivinham no que ao próximo respeita. Aos baixos
salários dos docentes e às suas penosas perspectivas de carreira, acrescem
agora as dificuldades dos alunos que, impiedosamente, mais atingirão aqueles
que, antes da covid-19, já viviam a pandemia da exclusão e do abandono. A
este propósito, o ministro da propaganda educativa tem repetido o feito até à náusea:
as escolas do continente irão ter mais 2500 professores com horário completo,
para ajudar a recuperar o que se perdeu no ano anterior e para superar as
ciclópicas dificuldades do que vai vir. Não fora ele um bom filiado na cultura
política que nos toma por parvos e poderia dar a nova de outro modo: para o
reforço anunciado, em média, a cada escola caberá meio professor; ou, se
preferirem, a cada um destes docentes caberão 617 alunos.
3. O
que se viveu desde Março não abriu os olhos aos que governam a Educação. Os
ministeriais éditos anunciaram aos indígenas que estão a ser preparados “documentos
de apoio para orientar e apoiar as escolas neste trabalho [de recuperação em cinco
semanas do que se terá perdido nos seis meses de encerramento das escolas], no
qual se explicitam os princípios para a identificação de aprendizagens que,
quando não adquiridas, são impeditivas de progressão”. O criador das “bolhas” de alunos
avançou agora com “balões” de escolas e “borbulhas” de professores. Como se umas e outros precisassem da
orientação de quem ignora. Como se a diversidade de problemas (diferentes
consoante os anos de escolaridade, muito diferentes no que respeita a contextos
e a recursos de cada escola, abissais se tivermos em conta o aumento
exponencial das desigualdades entre os alunos e as suas necessidades
específicas) fosse agora solucionável, trocando um qualquer “Catecismo da
Flexibilidade Curricular” por um
qualquer “Guia Único da Retoma em Cinco Semanas”. Uma política de ensino assente em falácias, que
menorizam o conhecimento e a independência profissional e intelectual dos
professores, só pode dar nova vaga de mediocridade.
4. Um
relatório do Tribunal de Contas (TdC) veio dizer que os números usados
oficialmente para caracterizar o abandono escolar em Portugal, os mesmos que
por extensão figuram depois nas estatísticas da OCDE e da UE, não são
fiáveis. O relatório é bem claro quando afirma que “não
existem, no sistema educativo nacional, indicadores para medir o abandono. De
facto, nem o indicador internacional, o do INE, que incide nos jovens dos 18
aos 24 anos e que resulta do Inquérito ao Emprego, nem a Taxa de Retenção e
Desistência, calculada pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e
Ciência e centrada no desempenho estático de um ano lectivo, são adequados para
medir o abandono.”
Para quem acompanha de perto a gestão
política da educação nacional, não é novo o que o TdC disse. Mas ganha
relevância por ser dito pelo TdC e no momento em que a pandemia agigantou os
problemas de fundo do ensino, problemas para cuja solução se mostraram
incapazes os dois últimos governos do PS. Quando não se quer ou se é incapaz de
sentir e perceber a realidade, martelar as estatísticas ajuda.
Professor do ensino superior
EDUCAÇÃO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PARTIDOS POLÍTICOS PARLAMENTO TRIBUNAL DE CONTAS ESCOLAS OPINIÃO
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