A eutanásia não é tema das nossas
abordagens sentimentais e políticas? Esta coisa de que trata Helena
Matos, com a pertinência de sempre, vai bem com o nosso estado de penúria
compulsiva. Chamemos-lhe, pois, antes, cacotanásia, que quadra melhor com o
nosso estatuto de mendicidade, para nos livrarmos desses tais velhinhos, tipo os
do lar de Reguengos e mais, e responder, assim, à ansiedade dos que a querem
erigir em lei, a mudança de nome sendo apenas um pormenor. Os fins justificam
os meios, mesmo que estes sejam um puro caso de onomástica mais adequada - igualmente
eficiente e de menor aparato.
Portugal não é racista: brancos ou pretos, os velhos
podem todos morrer de abandono por igual. /premium
No lar de Reguengos morreu-se por
falta de medicamentos e de água. Mas a ministra declara: "O meu objectivo
não é apurar a responsabilidade de surtos nos lares". Qual será então o
seu objectivo?
HELENA MATOS, Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 16 ago 2020
No
lar de Reguengos o pessoal da
cozinha e do refeitório mudava pensos, algálias e sondas de alimentação.
Alguns utentes morreram por falta de medicamentos. Outros por falta de água ou
de cuidados. Perante este quadro a ministra Ana Mendes Godinho que tem a tutela dos lares e cujo ministério publica
centenas de páginas com decretos, normas e recomendações sobre o
funcionamento dos lares declara: “O meu objectivo não é apurar a
responsabilidade de surtos nos lares”. Ana Mendes Godinho também
informa que não leu o relatório da Ordem dos Médicos sobre o que aconteceu em
Reguengos. E, acrescente-se, que estas declarações a ministra assume
e não considera terem sido descontextualizadas. Portanto passemos à questão do objectivo que a
ministra diz não ter: apurar responsabilidades de surtos nos lares. Mas existem
responsabilidades? Afinal os governos estão aí para nos mudar as mentalidades
não para governar. O primeiro passo foi exactamente libertarem-se dessa coisa
atávica que são as responsabilidades. Houve por acaso responsabilidade em
Pedrogão? Na estrada que ruiu em Borba? Aliás, como a dra Graça Freitas afirmou
a propósito do acontecido no lar de Reguengos “Quem sabe gerir este surto é
quem cá está, são as forças locais que se organizaram para dar uma resposta.
Com os dados que havia foram bem utilizados os recursos.”
Portanto, “quem sabe gerir”
organizou-se “para dar um resposta” e “foram bem utilizados os recursos”. Mais
a mais localmente. Percebeu-se que algumas mortes podiam ter sido evitadas?
Não. Que não se faziam registos clínicos dos idosos, nem das doenças de que
padeciam, nem dos medicamentos que tomavam? Nada de nada. Em resumo para a DGS
corre tudo bem. E a ministra do do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
não tem como objectivo apurar as responsabilidades do que correu e corre mal
nos lares. O meu bem haja a ambas!
Mas
pode a senhora ministra estar descansada porque a culpa verdadeiramente falando
é dos velhos. Esses
velhos que teimam em sobreviver numa sociedade cujos adultos dormem com cães e
gatos e mexem mais facilmente em excrementos de cão do que mudam uma fralda a
um ser humano. Esses velhos que insistem em ter vida para lá dos dias festivos
em que são objecto de fotografias fofinhas. Esses velhos que têm o azar de se
manter vivos num tempo em que não se concebe a necessidade de afectar tempo a
tratar deles.
Os
velhos exigem tempo e responsabilização a sociedades cujos adultos
adolescentizaram e que por isso ao mesmo tempo que se mobilizam
emotivamente em torno do sofrimento causado a desconhecidos — George Floyd, por
exemplo — são incapazes de assumir um encargo real e continuado com um pai ou
com uma avó.
Temos de ser capazes de enfrentar o
óbvio: é preciso que as famílias se tenham demitido muitíssimo para os lares
conseguirem funcionar tão mal por tanto tempo, em países tão diferentes e sem
que isso cause um estado de indignação geral. Ou sequer uma reflexão. Por
exemplo, na mesma Bélgica que anda agora entretida a derrubar estátuas do
colonialista rei Leopoldo, registam-se os valores mais altos do mundo de mortos
por Covid por cada milhão de habitantes, sem que na Bélgica ou fora dela se
ouça uma pergunta sobre a estranheza desse facto. Na Bélgica morreram até agora
9924 pessoas por Covid. Cinco mil destas pessoas viviam em lares. Por outras palavras metade dos
mortos por Covid na Bélgica eram velhos institucionalizados. Em França esta
percentagem será de um terço. Que discussão temos tido sobre estes
números? Por exemplo, sobre a dimensão dos lares ou a falta de uma hierarquia
capaz de tomar decisões? Recordo que a Bélgica à conta das regiões e das
estruturas federais tem o equivalente a seis ministros da Saúde! Mas haverá
sempre um rei Leopoldo para desviar as atenções!
Em
Espanha terão sido 16 mil os residentes em lares que não resistiram ao Covid ou
mais exactamente ao mau funcionamento dos lares que o Covid veio acentuar.
Alguém sabe o nome sequer do lar de Madrid onde se estima
terem morrido 100 pacientes em circunstâncias agónicas? Como é que
isto foi possível em países em que se regula tudo? Porque o lugar dos velhos é um não lugar. O Covid veio mostrar o que nos temos esforçado para
não ver: o abandono
dos velhos. Tudo
o que para os demais é crime no caso dos velhos é destino. E por isso a
ministra Ana Mendes Godinho pode dizer “O meu objectivo não é apurar a
responsabilidade de surtos nos lares”.
PS1. A
campanha presidencial está num ritmo frenético. Marcelo está omnipresente nos
noticiários, salva banhistas que já tinham o nadador salvador por perto e
partiu à conquista do eleitorado de direita.
PS2. “Mais um episódio dramático nos
EUA: Jovem de 25 anos preso por ter morto uma criança com um tiro na cabeça”
— escreve a revista Visão. Nesta notícia existem vários episódios dramáticos. O
primeiro deles é obviamente a morte da criança. O segundo é a loucura que varre
as redacções: até há algum tempo este titulo seria “Criança de cinco anos morta
com um tiro na cabeça por jovem de 25 anos.” Mas estamos em 2020. O atirador é
negro, a criança branca e quem escreve quer ficar bem na fotografia do
jornalismo-activista. Portanto o episódio dramático em destaque é a prisão do
homicida. Escusamos de pensar que no dia em que esta loucura passar vamos
reflectir sobre o assunto. Não teremos tempo porque outra causa, igualmente
maniqueísta, igualmente urgente andará alucinada pelos títulos.
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COMENTÁRIOS:
Aura Bravia: Lucidez. Aquilo que anda a
faltar em barda.
José Carlos Lourenço: Muito bem, Helena. A canalhice político-institucional que caracteriza e
identifica o governo foi muito bem traduzido e expresso por esta ministra. E
também não se pode esperar comportamentos dignos e responsáveis a quem é
genuína e idiossincraticamente irresponsável e incompetente. Mas o manto da
impunidade selectiva geringonceira vai tentar abafar e branquear estes e outros
factos. Como já aconteceu amiúde no passado recente
MaradonaMessi 2020: Se calhar, para o governo, os únicos idosos que interessam são os camaradas
de Jerónimo no Avante. Este país é para velhos especiais. Os que têm na Coreia
do Norte a sua referência democrática.
Pedro Pinto: Parabéns à Helena Matos pois
consegue dizer mais só no título do que muitos em livros.
Domingas
Coutinho: Helena Matos tocou em dois pontos fundamentais:
as famílias demitem-se e o Governo não zela como é seu dever.
Basilio Magno: E são exactamente os idosos a grande falange que vota sempre nos mesmos e
mantém ps e psd no poder. Irónico.
Francisco Carvalho: Excelente crónica de HELENA MATOS !!! Como sempre ! PARABÉNS !!! E o melhor
comentário vai para Maria Alba !!! PARABÉNS !!!
Marie de Montparnasse: Sem surpresa os acontecimentos de desumanização das sociedades está de
vento em popa. A Criação centralizou-se no homem e nas suas cada vez mais
exigentes necessidades e no seu exponencial aumento de natalidade e escassez de
recursos. Nem as igrejas de qualquer credo, nem as filosofias, nem os partidos
de qualquer ideologia, nem os movimentos cívicos, nem as academias, nem os homens
do pensamento, das artes, da música, da poesia, da dança, das letras ou do que
quer que seja, valorizam o humanismo. Vivemos regulados por
filosofias do Séc. XIX e estamos no XXI. Se nenhum pensamento novo surgir,
suspeito que a desumanização se acentue e se torne extrema e que voltemos a
estados tribais que levavam os velhos para o cimo de um monte para morrer.
Naturalmente que agora os métodos seriam mais sofisticados com empresas de
ponta subsidiadas pelos estados.
Verdade Mentira: Qualquer
morte, seja qual for o local, deve ser investigada e apuradas as suas causas.
Se tiver sido por negligência de alguém deve-se apurar a responsabilidade. Neste
caso, infelizmente, as famílias são as primeiras a falhar pois interessa é ficar
descansado com os "velhos" longe da vista. A família tem a obrigação
de visitar o seu familiar e fiscalizar as condições do lar e exigir quando as
regras não são cumpridas, infelizmente quantos filhos e filhas fazem isto?
... Ler mais
Amandio Teixeira > PintoVerdade Mentira: Esse filme eu já vi....temos
que apurar, há que apurar, vamos apurar....um discurso continuado, sujo à
partida, a passar o assunto para trás....É assim que falam todos, desde o
papagaio de Belém até à mais júnior das ministras. Vamos todos apurar....mas
nada se apura, fica tudo no esquecimento do tempo, sempre ultrapassado por
outros assuntos que há que apurar. Um discurso redondo, perfeito, nem começa
nem acaba, para dizer o mesmo que sabemos e que se traduz na imensa hipocrisia
de andarem de máscara, mesmo na praia (a proteger os caranguejos e os grãos de
areia) e desvalorizando à letra, os que deveriam ser efectivamente protegidos,
os mais idosos, os primeiros de todos os grupos de risco. Um hipocrisia
hedionda em que todos são cúmplices incluindo uma quantidade considerável de
cidadãos, que, perdida a capacidade de crítica, andam feitos palhaços todos
armadilhados de máscaras cerradas, até dentro do carro, desinfectando-se de
tudo e de todos. O medo, o pavor é terrível, e os políticos sabem disso como a
forma de controlar tudo e todos. Mas a sua suprema hipocrisia vem com as festas
do Avante, os espectáculos à porta do Bruno não sei das quantas, as manifs da
CGTP,....que a política e o que lhes convêm seguem outras linhas de contágio,
ali, (e será verdade?) perante tanta rataria, tanto bicho pouco recomendável,
até o vírus não entra.
Luis Martins: O grande problema não está nos lares, está sim nas famílias e no Estado
Português.
Nas famílias que despejam os velhos nos lares como se fossem lixo e depois
lavam as mãos como o fez no novo testamento Pilatos com Cristo. No Estado
português que não dá apoio médico e social às famílias para poderem ter em casa
os seus familiares velhos.
Maria Pinto: O que aconteceu em Reguengos foi a exterminação de uma comunidade de indivíduos
em pouco tempo, a isso chama-se GENOCÍDIO! Como sempre uma excelente crónica
com uma dimensão dramática que toca a poucos, a começar pelos responsáveis
Maria Cordes > Maria Pinto: O genocídio não tem a ver com o Covid. Se conhecer
alguém da área, incluindo localidades num vasto raio, toda a gente lhe conta
que o cheiro era nauseabundo, que foram arregimentados jovens sem experiência,
para ir ajudar, pelo presidente, que morreram de fome e sede. Como este, devem
existir mais, legais ou ilegais. As famílias não davam por isto?
Isabel Amorim: Como sempre um
artigo bem claro, assertivo e sem falinhas mansas, por isso eu mantenho a minha
assinatura (e por mais 2 colunistas)
Não
foi só no lar de Reguengos que isto se passou. Passou-se em todos e não podemos
somente responsabilizar estas duas tontas, é todo o governo ou falta dele. São
os hipócritas, mimados psicopatas com a fobia das perseguições que derrubam
estátuas e que enchem os pasquins que servem os mesmos para nos distraírem e
destabilizarem, encherem os ouvidos com reivindicações de quem não tem nada na
cabeça e zero de alma porque são seres com egos extremados do mais egoísta que
há. Com esses sejam eles de que cor forem a esses sim desprezo. Aonde andou o
Bloco mais afins enquanto se sabia disto? ( isto já se sabia e por todo o lado
os jornais só o fizeram saber agora). É na verdade um genocídio o que está a
acontecer com os velhinhos a sofrerem horrores e acrescido do horror de não
poderem sequer ser recebidos pela família, a lei não o permitiu. Morreram e
morrem sozinhos num profundo sofrimento completamente á mercê sabe-se lá de quem.
Quem fez a lei ou o decreto que resultou nestas medidas todas? Deveriam ser
todos penalizados, demitidos, postos eles nos próprios lares para sentirem na
pele se for possível porque psicopatas não sentem, são desprovidos de empatia e
é assustador constatar que somos governados por gente que está disposta somente
para fazer as suas carreiras de ascensão social. Para eles é só o que importa.
O Marcelo esse tonto velho porque não foi tirar selfies aos seus colegas de
idade mas que não podem sair de onde estão? Que vergonha! Que constrangedor! Só
gosta dos novos? É da idade que esse tonto só procura gente nova, saudável e
que se presta a aparecer na selfie para ser reconhecida no café da esquina? Que
gente oca que mete dó, e votam ainda por cima, sem capacidade de raciocínio o
voto desta gente é igual ao meu??? Porque é que esta gente nao vai toda
praticar o bem que publicitam para Africa, campos de refugiados, bairros dos
ciganos para em full time se sentirem realizados? Só vejo incoerências....
Rui Lima: Os pobres e
poucos letrados são tratados em Portugal como lixo. Em Portugal não há racismo
nem agora nem no passado devido a cor, mas há racismo social, um negro rico tem
a protecção e respeito na nossa sociedade que os pobres brancos não têm, ou
seja não é a cor que determina os nossos direitos em Portugal, andam todos
enganados no combate .
Antes pelo contrário > Rui Lima: É
isso mesmo: antigamente, os negros não eram discriminados pela sua cor, mas
simplesmente porque eram quase todos pobres e incultos, tal como a maioria da
população branca que era também discriminada pelas mesmas razões. Não era por
racismo. O que aconteceu com o 25 de Abril, é que as pessoas cultas e educadas
que eram e são uma minoria, passaram a ser discriminadas pela maioria de incultos
e de gente sem educação. Esses últimos cultivam aliás a ignorância e a falta de
educação enquanto características identitárias. É por isso que é cada vez mais
frequente encontrar grupos, em geral de jovens, que mesmo inconscientemente se
sentem levados a ocupar o espaço público com música, gritos, ou ruído, como
acontece no futebol, nas manifestações, nas reuniões de estudantes, ou nas
simples saídas à noite, em que se tornou hábito fazer o máximo de ruído
possível, graças ao "direito revolucionário" de incomodar a
vizinhança...que passou a ser o comportamento "socialmente aceite" em
quase todas as circunstâncias!!!
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