Rui Tavares está muito pessimista, com receio de que Donald Trump ganhe as próximas eleições. Cá por mim, que só sei que nada sei, vou com a nossa Amália, no fado dos compositores Frederico Valério / Silva Tavares, que eles todos é que sabiam bem:
«Lá porque ando em baixo agora Não me neguem vossa estima Que os alcatruzes da nora Quando chora Não andam sempre por cima Rir da gente ninguém pode Se o azar nos amofina E se Deus não nos acode Não há roda que mais rode Do que a roda da má sina.
«Sabe-se lá
Quando a sorte é boa ou má
Sabe-se lá
Amanhã o que virá
Breve desfaz-se
Uma vida honrada e boa
Ninguém sabe, quando nasce
Pró que nasce uma pessoa.
«O preciso é ser-se forte Ser-se forte e não ter medo Eis porque às vezes a sorte Como a morte
Chega sempre tarde ou cedo Ninguém
foge ao seu destino Nem para o que está
guardado Pois por um condão divino Há quem nasça pequenino Pra cumprir um grande fado.
OPINIÃO
O estilo apocalíptico na política americana
Para os republicanos os EUA estão ao mesmo tempo no
melhor momento da história — e à beira do colapso
RUI TAVARES
PÚBLICO, 28 de
Agosto de 2020
Num
dos mais importantes ensaios políticos do século XX, o historiador Richard
Hofstadter escreveu sobre “o estilo paranóico
na política americana”. A sua primeira frase é: “a política americana
tem muitas vezes sido uma arena para mentes zangadas”. O estilo
paranóico, explica Hofstadter,
“não é uma coisa nova e não é necessariamente de direita”, mas a designação
inovadora que ele emprega é necessária para descrever a amplitude e a
intensidade que essa atitude política foi assumindo até à época em que o ensaio
foi escrito, nos anos 1960:
“chamo-lhe o estilo paranóico simplesmente porque nenhuma outra
palavra evoca adequadamente a sensação de exagero fervoroso, suspeição e
fantasia conspiratória que tenho em mente”.
Passado
meio século, o ensaio de Hofstadter continua a ser brilhante, mas foi superado pelos
acontecimentos. Já não é
possível chamar à maneira de fazer política de um Donald Trump “estilo
paranóico”. A paranóia continua a fazer parte, mas atingiu um tal ponto de
incandescência que se torna necessário encontrar um novo termo para esta fase. Proponho
“apocalíptico”.
Na convenção
republicana desta semana os oradores sucederam-se repetindo sempre o
mesmo motivo discursivo paradoxal: que os EUA estão ao mesmo tempo no
melhor momento da história — e à beira do colapso. Para Trump e os seus apoiantes é considerado
possível e até lógico acreditar nas duas coisas ao mesmo tempo: para poder
ganhar, Trump tem de repetir contra todas as evidências que tornou a “América
grande de novo”; para que o seu adversário perca, Trump tem de provar que essa
América “grande de novo” é afinal tão frágil que, se Biden
ganhar, o país acaba. Como disse o vice-presidente Pence na
convenção republicana: “a escolha nestas eleições é se a América continua a ser
a América”.
Seria
fácil descontar esta retórica como banal à aproximação de actos eleitorais. Aconteça
o que acontecer, a América não vai desaparecer depois das eleições. Mas
implícita naquela frase está uma insinuação à base eleitoral demograficamente
mais homogénea dos republicanos: sem Trump, a América que desaparece é aquela
em que automaticamente vocês fazem parte da maioria e estão no topo da
hierarquia, a América mais branca, mais masculina e mais velha, na qual vocês se sentem mais escudados da competição de uma América
mais jovem, mais feminista e mais multicolor.
Trump
precisa que essa “nova América”, — ao invés de ser o resultado da
evolução da sociedade, das lutas históricas das minorias e da implementação
real de direitos — seja
assustadora. Ele precisa que a sua descrição das cidades americanas como
vivendo num estado de “carnificina” seja real, precisa que o país pareça como
estando à beira da guerra civil. Só assim o estilo apocalíptico parecerá credível, demovendo
alguns de votar e levando outros a votar como se as suas vidas dependessem
disso. Só assim Trump poderá ganhar, ou ficar tão próximo disso que a definição
do vencedor real das eleições se torne incerta. E, digam as sondagens o que
disserem agora, isto não é uma impossibilidade.
De
certa forma, a Convenção de Trump não foi a do Partido Republicano — foi a que
se viveu nas rua de Kenosha, Wisconsin, após o cidadão negro Jacob Blake ter
sido baleado sete vezes pelas costas à queima-roupa por um polícia. Trump
pretende ganhar à maneira de Nixon no tempo do “estilo paranóico”,
apresentando-se como candidato da “lei e da ordem”. Talvez por isso um dos seus apresentadores predilectos
— e possível candidato republicano em 2024 — tenha chegado ao ponto de justificar
os actos criminosos de um adolescente de 17 anos, aderente de uma das milícias
de “vigilantes”, que saiu de casa armado de uma metralhadora e fez 25
quilómetros para matar dois manifestantes nas ruas de Kenosha, Wisconsin.
Tucker Carlson, o apresentador e apoiante de Trump, precisa que os seus
espectadores acreditem que a situação nas cidades dos EUA é tão caótica que,
numa inversão orwelliana, o crime é segurança, o tiroteio com armas
semi-automáticas é paz e o homicídio indiscriminado de manifestantes é lei e
ordem.
O
que acontece aos movimentos apocalípticos? Uma de duas hipóteses opostas.
No
mundo real, chega sempre um momento em que as profecias falham, em que a
realidade lá fora não condiz com as “mentes zangadas” dos crentes, e em que a
seita tem de digerir a derrota e seguir em frente, como aconteceu às várias
igrejas que previram o fim do mundo para uma data precisa no calendário, e esse
fim do mundo não veio.
Mas
a política, em particular quando apocalíptica, corre o risco de ver as suas profecias
auto-realizadas. A história
conta-nos que se se repetir muitas vezes que nós, os mais poderosos e perfeitos
do mundo, somos na verdade vítimas à mercê de serem destruídas, se pode
eternizar um cenário de guerra civil cultural que alimenta temores de uma
guerra civil real.
A tese de Joe Biden é que basta
derrotar Donald Trump para que o febrão passe e a sociedade norte-americana se
una. Para isso, Biden precisaria de uma vitória ampla e indubitável e de um
Trump que aceitasse a derrota graciosamente. É uma história bonita — mas é
difícil acreditar em milagres contra o apocalipse.
Historiador;
fundador do Livre
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COMENTÁRIOS
JDF EXPERIENTE: Peço desculpa que
percebi "estilo apocalipso" e pensei que eram gelados
norte-americanos. Continue rui tavares! 28.08.20
Rita_Laranjeira INICIANTE: Mais uma pequena
amostra da loucura que varre a esquerda radical norte-americana foi a mensagem
de anteontem de Bernie Sanders: "Não mais gás lacrimogénio, não
mais gás pimenta, não mais balas de borracha nos manifestantes". Só
faltou acrescentar o corolário inevitável: "Deixem-nos incendiar, destruir
e pilhar tudo à vontade!" 28.08.2020
Rita_Laranjeira INICIANTE: Nisso a esquerda
radical também é especialista: muito críticos do capitalismo, mas em mais de
100 anos, ainda não vimos porem em prática uma alternativa melhor! Já o
excepcionalismo americano está aí à vista de todos os que tiverem olhos para
ver. Até os esquerdistas anti-americanos seguem as tendências da esquerda
radical americana! 28.08.2020
ramalheira63 INICIANTE: Rui Tavares, por que
razão não te preocupas com o que se passa em Portugal? Há 15 anos um PR, sem
dizer nada a ninguém, dissolve o parlamento. Agora um PR, sem ninguém lhe ter
perguntado nada, diz que não dissolve o Parlamento. 28.08.2020
bento
guerra.919566 INICIANTE: Como diria o Mark Twain, o anúncio da morte politica
de Trump é manifestamente exagerada. E isso deixa desesperados os
anti-trumpistas de pacotilha 28.08.2020
paula.o.rego.442120 INICIANTE: "As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas
querem ilusões e não vivem sem elas" S. Freud.
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