Embora, é claro, já não no meu tempo. Mas não deixa de ser assustadora toda esta ciência que vai girando e cada vez mais descobrindo maravilhas, que descobríamos no universo infantil das fadas, ou no universo maduro dos mitos. Que Deus nos valha?
OPINIÃO
Nasce uma Estrela
Quando estiver a funcionar em pleno,
daqui a mais de uma década, o ITER será a demonstração prática que a humanidade
foi capaz de criar uma nova estrela e de a controlar para dela extrair energia
útil.
ARLINDO OLIVEIRA, PROFESSOR DO IST E DIRECTOR DO INESC
PÚBLICO, 3 de
Agosto de 2020
Os
nossos conhecimentos sobre as leis da Física, para os quais contribuíram
de forma decisiva Newton, Maxwell, Planck, Einstein, Bohr, Fermi e tantos, tantos outros, evoluíram de forma
especialmente marcante durante o século XX. Foi neste século que se
chegou ao actual entendimento de que todos os fenómenos do universo conhecido
são explicáveis pela existência de apenas quatro interacções fundamentais: a
gravidade, o electromagnetismo, a interacção forte e a interacção fraca.
O Modelo Padrão é a designação, pouco
inspiradora, da teoria que explica três destas interacções (electromagnetismo,
força forte e força fraca). Esta teoria foi desenvolvida durante
a segunda metade do século XX e unifica diversas teorias específicas com nomes
apenas conhecidos dos especialistas, tais como electrodinâmica quântica,
cromodinâmica quântica e teoria eletrofraca, entre outras.
As
leis da Física permitem-nos prever, com grande precisão, o comportamento da
matéria em condições tão diferentes como o interior de uma célula, o centro de
uma estrela ou a superfície da Lua.
Embora existam ainda muitas questões em aberto, que são objecto de investigação
activa pela comunidade científica, a nossa compreensão das quatro
interacções fundamentais representa, talvez, a maior conquista da ciência e da
humanidade.
Esta
compreensão profunda do mundo físico permitiu-nos desenvolver todas as
tecnologias que usamos e que caracterizam a sociedade moderna: laser,
telemóvel, ressonância, radiografia, automóvel e avião, sem esquecer
pára-raios, locomotiva, alto-forno, geradora, cisão do átomo, radar, ultra-som,
televisão e mesmo o desembarque em foguetão, na superfície lunar, como tão
poeticamente escreveu António Gedeão.
As
quatro interacções fundamentais são responsáveis por todos os fenómenos
conhecidos e observados até hoje, desde as reacções químicas e a evolução das
espécies até à criação de planetas, estrelas e galáxias. A gravidade é a força agregadora que cria os corpos celestes e
nos mantém em órbita do Sol e presos à superfície do planeta; o electromagnetismo explica
não só a luz e electricidade, como também toda a química e biologia; a força forte
mantém estáveis os núcleos dos átomos (constituídos por protões e neutrões), e
a interacção fraca é responsável por diversos fenómenos menos conhecidos
mas importantes, entre os quais a fusão nuclear, que está na origem da energia
que recebemos do Sol.
O Sol
é, na realidade, um gigantesco reactor nuclear. A sua enorme massa
(cerca de 330.000 vezes a do nosso planeta) comprime, no seu centro,
os núcleos dos átomos de hidrogénio a temperaturas da ordem dos 15 milhões de
graus. Os núcleos destes átomos (protões) fundem-se para dar origem a um
núcleo de hélio (constituído por dois protões e dois neutrões), e no processo
libertam uma quantidade significativa de energia sob a forma de partículas de
luz (fotões) que, após completarem uma travessia acidentada que demora
tipicamente centenas de milhares de anos, atingem a superfície do Sol. A
partir daí, estes fotões espalham-se pelo Universo, sendo que alguns deles
iniciam uma viagem de oito minutos até à Terra, aquecendo o planeta e tornando
possível a existência de vida.
Este
mesmo processo de conversão do hidrogénio em hélio foi usado nas bombas
termonucleares, testadas a
partir de 1952 mas, felizmente, nunca usadas em situações de guerra. As
bombas termonucleares, que usam fusão nuclear, são ainda mais poderosas que as
bombas atómicas (usadas em Hiroshima e Nagasaki), que se baseiam num outro
fenómeno, a cisão de núcleos de átomos pesados, para libertar energia.
Este
mecanismo de cisão de núcleos de elementos pesados (urânio ou plutónio) é
actualmente usado nas cerca de quatro centenas de reactores nucleares em
existência que geram aproximadamente 10% da energia eléctrica usada pela
humanidade. Embora
ambos os processos se baseiem em transformações de elementos noutros elementos
(efectuando de facto a transmutação dos elementos, que os alquimistas tentaram
alcançar com a pedra filosofal), a fusão nuclear e a cisão (ou fissão)
nuclear têm características muito diferentes.
Ao
contrário da cisão, a fusão nuclear não gera directamente isótopos radioactivos
que tenham de ser armazenados durante longos períodos, e usa como combustível
um elemento que é muito abundante, dado que um pouco mais de 10% de toda a água
é hidrogénio. Isso faz com que a energia de fusão seja praticamente
inesgotável, para todos os efeitos práticos, dada a abundância do combustível e
a eficiência do processo.
Conseguir efectuar fusão nuclear controlada,
que reproduzirá na Terra o mesmo fenómeno que ocorre no centro do Sol, é uma
ambição já com mais de meio século. Porém, apesar de o mecanismo de fusão ser
bem conhecido e ter sido reproduzido muitas vezes, os problemas práticos de
engenharia têm-se revelado muito desafiantes.
A
dificuldade reside em controlar um fluido (designado por plasma) a uma
temperatura de dezenas de milhões de graus, sem que se perca o controlo do
mesmo e sem que se destruam rapidamente as paredes do contentor. Sucessivos
projectos têm criado protótipos cada vez maiores e mais complexos, culminado
com o mais ambicioso de todos, o ITER, um reactor nuclear de fusão que está a ser construído em Cadarache, França,
por um consórcio internacional que reúne 35 países, entre os quais Portugal.
No
passado dia 28 de Julho, uma cerimónia assinalou o início da
montagem do reactor propriamente dito, após anos de construção das
infra-estruturas de aço e betão necessárias para suportar a estrutura toroidal
com 20 metros de diâmetro, que pesará cerca de 23.000 toneladas (o triplo da
Torre Eiffel). O objectivo deste reactor é demonstrar que é possível
desenvolver um processo de fusão controlado que gere de forma sustentada
muito mais energia do que a que é gasta para controlar todo o sistema. As
temperaturas no coração deste reactor serão ainda mais altas que as
temperaturas no centro do Sol (serão da ordem dos 150 milhões de graus) porque
a pressão será muito mais baixa.
A
engenharia Portuguesa tem
desempenhado um papel importante neste projecto, contribuindo para
diversas componentes do reactor, desenvolvidos por instituições de investigação
e por empresas de engenharia. O Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do
Instituto Superior Técnico, que integra mais de 100 investigadores da área, tem
sido particularmente activo nesta frente e tem liderado a contribuição de
Portugal neste projecto único.
Quando
estiver a funcionar em pleno, daqui a mais de uma década, o ITER demonstrará
a exequibilidade da fusão nuclear como um processo de geração de energia
eléctrica limpo, inesgotável e não poluente. Será a demonstração prática
que a humanidade foi capaz de criar uma nova estrela e de a controlar para
dela extrair energia útil.
A
fusão nuclear será uma contribuição fundamental para a sustentabilidade da
nossa civilização, mas terá de ser complementada com tecnologias que
permitam armazenar e distribuir eficazmente a energia gerada, desafios que já
agora são críticos na gestão das energias renováveis. Também aqui o
profundo conhecimento do Universo, desenvolvido nos últimos séculos por tantos
e tão brilhantes físicos, desempenhará um papel fundamental.
Professor do IST e
director do INESC
TÓPICOS
OPINIÃO FÍSICA FUSÃO NUCLEAR SOL FRANÇA PORTUGAL
COMENTÁRIOS
Jonas Almeida INFLUENTE: Talvez de todas as
tecnologias em que presentemente se investe intensivamente, aquela que mais
problemas resolveria a este século. Parabéns ao IST pela contribuição!
jofabianito.937913mINICIANTE:
"Quando
estiver a funcionar em pleno, daqui a mais de uma década". Pois, continuam
cristalizados na futurologia, confirma-se mais uma vez que o ser humano é
completamente carecido, carece de uma psique imaginária para sobreviver.
"evoluíram de forma especialmente marcante durante o século XX".
"Evoluíram" tanto que cada vez mais há menos consenso, há mais
discórdia e mais incongruência na comunidade científica. A ciência quis ocupar
o lugar de uma divindade sem qualquer aptidão natural para o Ser.
Nenhum comentário:
Postar um comentário