quinta-feira, 27 de agosto de 2020

É pena que não façam escola

 

Por cá. São Crónicas que nos dão vida, como a seguinte, de Henrique Salles da Fonseca, vozes de gente valorosa que arrisca opor o seu pensamento de rectidão apoiada em experiência e saber, aos vagidos – poderosos embora, por estarem tão nos gostos gerais que até fazem chorar as pedras da calçada - sem outra dimensão, aliás, que essa, de lavar de lágrimas as próprias pedras, tanta a bondade que emanam para com essas, as pedras, no clima de “humanização” em que vivemos. Dantes era mais o fado, o responsável por esse lavar e durar. Mas a infantilização também faz carreira hoje, ouçam-se os vagidos.

PROSÉLITOS IRREMEDIÁVEIS

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 26.08.20

Tanto pela doutrina como pela «praxis», sou antinazi. O mesmo afirmo em relação ao comunismo. Devido à ausência de doutrina, basta a «praxis» para me afirmar antifascista.

O nazismo, afirmando a superioridade da «raça alemã»por clara deturpação do conceito nietzschiano do «Übermensch»[i]- e pugnando pelo domínio alemão das «raças inferiores», merece o meu repúdio. Pese embora eu não ser judeu, quer genética quer religiosamente, nada tenho de antissemita apesar de também achar que eles não são «o povo eleito de Deus». A praxis nazi dos campos de extermínio dos «Minderwertige Menschen» (pessoas inferiores) e a conquista do Lebensraus» (espaço vital) para além do território historicamente consolidado da «Vaterland» (Mãe Pátria) com total desrespeito pelos povos vizinhos, são, em resumo, o fundamento do meu asco ao nazismo.

O marxismo é teoricamente mais elaborado que o nazismo mas, querendo acabar com o capitalismo, acabou por contribuir para que este se autocriticasse, se corrigisse e crescesse até à actualidade, nomeadamente pela via da fiscalidade e da segurança social. O marxismo é um absurdo económico e foi (é) submetido a uma «praxis» que dele fez um dos maiores flagelos por que a Humanidade tem passado. A diabolização do lucro está escrita em letras garrafais no epitáfio da economia marxista e os crimes cometidos pelo Poder Soviético contra os Direitos Humanos justificariam a repetição do julgamento de Nuremberga em que, mais do que algum quadro de Direito positivo, prevaleceram critérios inspirados no Direito Natural.

Eis, resumidamente, por que não me limito a ser «não comunista» e me afirmo anticomunista.

Quanto ao fascismo, que defino como «o capricho do ditador», quer de direita quer de esquerda, considero-o «casos de Polícia Psiquiátrica».

E o meu espanto é: - Como é possível, depois de sabermos o que a História nos tem contado, que em pleno século XXI ainda haja quem siga essas ideias e se dedique ao respectivo proselitismo não apenas com assiduidade mas mesmo com fervor. Excluo ab initio a idiotia e, portanto, resta a nostalgia de épocas em que prevalecia a propaganda que anunciava «horizontes de esperança» e em que se badalava a fraternidade. A realidade veio a mostrar horizontes de sucata e tratamentos privilegiados para as «nomenklaturas» partidárias e total desprezo pelas massas populares. A hegemonia intelectual gramsciana revela-se como puro folclore totalmente desenquadrado das realidades macroeconómicas anunciando irrealismos que só conduzem à desagregação social. Mais uma vez, reveja-se a História (neste caso, italiana do pós guerra) em que esse mesmo irrealismo se revelou afugentador das massas populares.

Resta a tradição familiar para justificar atitudes presentes por cópia do que há 50 e 60 anos se tinha por verdadeiro. Só que, entretanto, sabemos que tudo era utopia, propaganda e miséria.

Utopia, porque não se cria um «homem novo» com base na chacina dos opositores; propaganda, porque não é possível assegurar o futuro mentindo durante muito tempo a muita gente; miséria, porque o modelo económico marxista é totalmente absurdo na teoria e na «praxis» castra todo o voluntarismo inovador. Daqui, a desmotivação humana em vez dos falsíssimos «horizontes de esperança».

CONCLUSÃO: sou tão antifascista como sou antinazi e anticomunista.

Agosto de 2020

Henrique Salles da Fonseca

[i] Super homem – conceito não rácico em que o homem se eleva acima da média humana pelo nível cultural, pela rectidão, pela coragem

Tags: política

COMENTÁRIOS

Anónimo 26.08.2020: Vejo, Henrique, que na sequência do meu comentário de 22 do corrente, ao teu post “As Vacas do “Avante”, de 21/8, em que eu me classificava como “não comunista” e não, como tu, de “anticomunista, desenvolves muito racionalmente o tema, e numa assentada te declaras igualmente antifascista e antinazi, subscrevendo eu também ambas as posições. Mas não deve ser por acaso que nas Democracias, em geral, são declarados ilegais os movimentos de ideologia nazi ou fascista, e aceites os de natureza marxista, ao ponto de poderem estar representados nos Parlamentos partidos com essa orientação. Por tudo o que tenho lido no teu blog, tens tido sempre o cuidado de fundamentar a tua opinião, seja qual for o assunto, como, aliás, acabas de o fazer, mais uma vez. Mas sabes, Henrique, comumente o prefixo “anti” associado a ideologia tem subjacente posições primárias, não racionais, do estilo “é assim, porque é assim ponto final”. E isso, não!

Já que voltas ao assunto, e focas as diversas ideologias, digo-te que Georges Orwell, segundo li num livro de um jornalista norte-americano, Thomas Ricks, que compara a biografia daquele escritor e a de Churchill, escreveu no final da sua vida que ”um comunista e um fascista estão mais próximos um do outro, do que qualquer um deles de um democrata”. (O diplomata soviético Valentim Berezhkov, quando em 1940 chegou a Berlim, vindo de Moscovo, sentiu-se desconfortado porque descobriu “tanta coisa em comum”). Em relação ao nazismo, referes-te ao extermínio das pessoas inferiores e à conquista dos territórios, a título de espaço vital. Quando li, no final da década 90, “A Minha Luta” fiquei admirado com a “surpresa” que o mundo teve na década de 30, com as acções de Hitler, pois ele anunciava no livro ao que vinha. Logo na primeira página, primeira, repito, escreveu:Se o Reich que abarca todos os alemães não tiver possibilidade de os alimentar, nascerá da necessidade desse povo o direito moral de adquirir terras estrangeiras. O arado tomará então o lugar da espada e as lágrimas da guerra farão crescer as colheitas do mundo futuro”. Mais claro do que isto? E em todo o livro perpassa ódio aos judeus, como por exemplo, quando afirma que aquele que não for caluniado pela manhã por um jornal judeu é porque perdeu o dia anterior, chamando ao povo judaico “inimigo mortal” do povo alemão. Confessas-te não antissemita, tal como eu também não sou (mais uma coincidência). Há não antissemitas que são sionistas, enquanto outros, e até judeus, além de não serem antissemitas também não são sionistas. Sobre os crimes do comunismo soviético de Estaline (também os houve, e não foram poucos nem pequenos, na China comunista, de Mao) foram denunciados, pelo menos alguns deles, como referi no meu anterior comentário, no discurso de 1956 de Nikita Khrushchev, isto é, 3 anos depois da morte do ditador, pelo que não há forma de os mitigar ou de os ignorar. Como escreve o historiador britânico Richard Overy na sua obra sobre os Ditadores Estaline e Hitler, o que importa não é demonstrar qual dos dois homens era o mais perverso ou mais louco, mas sim tentar compreender os processos históricos que levaram essas ditaduras a perpetrar o assassínio numa escala tão colossal. Evidencia a certa altura do livro, a seguinte diferença: o sistema soviético estava empenhado na construção de utopia (que tu citas) comunista e encontrou no exterior da URSS milhares de comunistas dispostos a apoiá-lo por força da sua hostilidade ao capitalismo contemporâneo. Por outro lado, Hitler odiava o marxismo e o mesmo acontecia com a maioria dos europeus fora da Alemanha. Este ditador estava comprometido em construir uma nova ordem europeia baseada na hierarquia racial (como tu lembras) e na superioridade cultural germânica. Embora ambas as ideologias rejeitassem o humanismo e o liberalismo europeus, o choque entre elas seria inevitável, por mais Pactos Molotov-Ribbentrop que existissem. O importante, Henrique, é que sob o manto da Democracia possam coexistir pessoas que perfilhem ideologias distintas ou tenham posturas não totalmente coincidentes perante as ideologias, mas que tenham um denominador comum – de respeito pela Democracia e pelo direito à diferença democrática entre elas. Forte abraço. Carlos Traguelho

Francisco G. de Amorim, 26.08.2020:  Magnífica análise. Assino em baixo com 100% de ideias e comportamento iguais. Um abraço.

Adriano Lima 27.08.2020: Penso que já não está muito longe o tempo em que as ideologias políticas, mormente as de feição perversa, passarão à história, face ao primado das tecnologias que invadirão todo o campo da actividade social reduzindo a intervenção humana nos processos decisórios a uma escala ínfima. Contudo, se me considero antifascista e antinazi (estas ideologias são, de facto, aberrações que requerem tratamento psiquiátrico), tenho certa dificuldade em considerar-me anticomunista ou antimarxista. É que o Marxismo, sendo uma filosofia, pode ser discutida em diálogo e confronto intelectual, o que, a meu ver, deve excluir o radicalismo de posições. Já o mesmo não direi do Estalinismo, que é uma aberração em tudo idêntica ao Fascismo e Nazismo.

 

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