Os “ses” servem, essencialmente, para pôr as celulazinhas cinzentas
em funcionamento, revendo a História tal qual se passou, quando é bem contada, como
é o caso, e as mistificações alternativas poderiam, quando muito, ajudar em
opções presentes ou futuras. Todavia, o homem continua a ser a medida de todas
as coisas, e nada aprende com essa história passada, mais interessado na sua
história presente, sobretudo a pessoal. Fiquemo-nos pelas brilhantes revisões
da História, sem alternativas já.
E se…?/premium
Estes exercícios de “História
Alternativa”, normalmente partindo da supressão ou sobrevivência de um grande
líder, são úteis e necessários por reporem na nossa lógica a importância do
factor humano.
JAIME NOGUEIRA
PINTO
OBSERVADOR, 01 ago
2020
What If – Book of Alternative History é
uma leitura interessante e divertida, embora por vezes, nas questões que mais
nos importam – e são quase todas –, traga uma certa melancolia perante a
História acontecida e as possíveis alternativas. A colectânea de ensaios
problematiza precisamente o que podia ter sido o futuro se, em certos momentos
decisivos, não tivesse acontecido o que aconteceu.
É
um exercício reconfortante, sobretudo num tempo ainda dominado pelas ideias do
modelo evolutivo e do primado da Economia e das grandes massas tectónicas sobre
a Política e a vontade dos homens.
O
exemplar que estou a ler, a sexta-edição, de 2020, traz na capa o
presidente John Kennedy e no sumário
temas como “What If… Charles I had won the English Civil War?” ou se Lincoln ou Kennedy não tivessem sido
assassinados, ou se o Watergate tivesse sido evitado…
Muitas
vezes me perguntei o que teria acontecido a França e à Europa se Napoleão
tivesse sido morto na ponte de Arcole. Ou se Lenine tivesse sido detido nas
vésperas do assalto ao Palácio de Inverno. Ou se Hitler, que ia na primeira
linha dos putchistas do BierHall Putsch de 1923, tivesse sido então morto; ou
se não tivesse escapado ao atentado de von Stauffenberg, em 20 de Julho de
1944.
E,
na História de Portugal, o que teria acontecido se Nun’Álvares tivesse morrido
nos Atoleiros, ou o Infante D. Henrique em Ceuta? Ou se Olivares não tivesse
avançado com a política de “castelhanização” do Reino no tempo de Filipe IV? Ou
se Sidónio não tivesse sido assassinado no Rossio, em 1918 (foi mais que
avisado para não embarcar no comboio ali)? Ou se Salazar tivesse morrido com a
bomba de Emídio Santana, em 1937?
A grande vantagem destes exercícios de história alternativa é mostrarem
a debilidade do determinismo histórico marxista, dessa espécie de guião
obrigatório das grandes forças tectónicas, da luta de classes, determinadas e
moldadas pelas categorias economicistas do materialismo dialéctico. Ou do
ultraliberalismo, que vai pelo mesmo caminho de determinismo sociológico, só
que acredita mais nos Mercados.
Estes
exercícios de “História Alternativa”, normalmente partindo da supressão ou
sobrevivência de um grande líder (bom ou mau mas decisivo), ou do desfecho
diferente de uma grande batalha ou cerco, são úteis e necessários por
reporem na nossa lógica a importância do factor humano, do homem, do ser
humano, como motor do bem e do mal da História, como piloto das comunidades e
dos regimes, como actor determinante da grandeza e decadência das nações e das
civilizações e seus ciclos.
Não é preciso ir para as hipérboles
dos “Heróis” de Carlyle, ou de uma História feita por “heróis”, sejam eles
político-militares, como Napoleão, ou artísticos, como Shakespeare; ou para uma
filosofia de Super-Homem, à Nietzsche; ou para um protagonismo dos grandes
homens decisores, ao modo de William James.
Com
certeza que os homens – e as mulheres – que mudam (ou conservam) as sociedades
em momentos decisivos, têm de encontrar um certo “condicionalismo objectivo”,
uma situação especial: Napoleão não passaria de um distinto general,
louvado, condecorado e mandado para a reforma em tempo devido, não fora a
confrontação de equilíbrio contraditório da Revolução e da Reacção, com a
radicalização republicana a arrastar uma reacção monárquica, que levaria a uma
permanente e insolúvel guerra civil; isto passado o Thermidor, que rejeitou o
terror jacobino, mas que, na transição do Directório para o Consulado, depois
do 18 de Brumário, criou uma solução cesarista semelhante à que, após o
assassinato de Júlio César e das guerras civis, Augusto conseguira.
Foi a teoria deste momento cesarista
ou bonapartista que o grande revisor e
refundador do pensamento marxista, António Gramsci, veio
apontar para justificar a intervenção
“anómala” do Estado, do poder político autoritário, aparentemente fora da pura
luta de classes. Mas Lenine não teria imposto o bolchevismo, não fora a crise da
Rússia, batida nas frentes de batalha e a braços com o profundo
descontentamento de dezenas de milhares de soldados em Petersburgo, que não
queriam o Czar, mas que, sobretudo, não queriam voltar para a frente de
combate. E Mussolini não teria reagido, na Itália dos primeiros Anos
Vinte, à ameaça comunista, criando uma terceira via fascista. Nem talvez Hitler tivesse conseguido usar a humilhação do povo alemão
depois de Versalhes e da ocupação francesa do Ruhr para criar uma base popular
de apoio.
Por
cá, se Sidónio Pais não
tivesse sido assassinado no 14 de Dezembro de 1918 e tivesse levado por diante
o seu projecto de nacionalismo popular e autoritário com veleidades
corporativas, o que depois viria a ser o modelo fascista – com variantes
segundo as diferentes culturas nacionais – poderia, aí sim, ter começado em
Portugal.
Em boa verdade, Marx tomara
nota das dificuldades encontradas pela sua teoria da História, em que o
determinismo económico e o conflito de duas classes – Burguesia e Proletariado
– monopolizavam o movimento e a decisão, subalternizando o Estado, que não
passaria de um mero instrumento organizativo e repressivo da classe dominante. Primeiro da Burguesia, depois do Proletariado. O profeta do Capital vira o “buraco” da sua tese nos momentos
cesaristas – em que um líder conquistava o Estado, conseguia juntar os
contrários e unir as classes num projecto nacional e transclassista.
Comentou isso nas reflexões sobre o golpe de Estado de Luís Napoleão em 1851.
Aí formulou a tese da “autonomização relativa do Estado”. No fundo, as soluções
do tipo fascista ou de nacionalismo autoritário militar seguiriam este modelo;
um caminho que Trotsky identificou em Bonaparte e no conservadorismo
autoritário e social de Bismarck.
Também, em Portugal, a solução
da Ditadura Militar de 1926 e a ascensão de Salazar nos anos seguintes até à
consolidação do poder na chefia do Governo em 1932, resultara de uma equação
bonapartista – à Gramsci – que se iria resolver através do Estado Novo, que
seria também uma síntese da ultrapassagem de conflitos e forças que já não
tinham força para vencer o inimigo, mas que tinham capacidade de o bloquear. Entre o fracasso da Primeira República e a
restauração da Monarquia caída em 1910 (mesmo pela linha dinástica vencida em
1834) havia um bloqueio. E o mesmo acontecia na relação Estado/Igreja. Foi
esse bloqueio que abriu espaço ao momento cesarista de Salazar, claramente
explicitado pelo próprio num dos seus primeiros discursos como Presidente do
Conselho de Ministros e homem forte do Estado Novo: “As Forças Políticas e a
Revolução Nacional”.
O
“passado estava passado” e apesar do fracasso da República Democrática, no
quadro político-social de então não fazia sentido voltar à Monarquia ou abolir
a laicização do Estado, estabelecida em 1910.
E
se alguns dos múltiplos golpes ou tentativas revolucionárias entre 26 e 36
tivessem resultado, ou se Salazar tivesse morrido no atentado de 1937? What
if…?
A SEXTA COLUNA HISTÓRIA CULTURA
COMENTÁRIOS
Carlos Pereira Silva: Os escritos de Jaime Nogueira Pinto levam-me a invocar uma frase de
Aristóteles: " Quem sabe fala quem tem a sabedoria ensina" Gabriel Moreira: E se tivesse havido mais uma guerra civil com
intervenção de forças estrangeiras, como aconteceu no século XIX ? Jorge Carvalho. Que lufada de discernimento
neste ambiente miasmático do dia a dia nacional. Obrigado Jaime N. Pinto
Portugal, 877 anos de existência: as personalidades são catalisadores das acções colectivas
porque têm essas capacidades individuais excepcionais. Se não fossem eles
seriam outros como eles a marcar determinadas épocas. josé maria: Salazar não foi um grande líder, foi um grande crápula e essa não é,
infelizmente, uma história alternativa.
José Paulo C Castro > josé maria:
Você não pode acusar Salazar de
ditador e de não ser líder ao mesmo tempo. É uma inconsistência lógica. José Paulo C Castro: Nem um ditador tem de ser um
líder, nem um líder tem de ser um ditador... Francisco Pinto: O autor usou o pretexto " What
if..." para dar mais uma brilhante aula de História, especialmente
a que analisa o séc. XX português. Pena que
as forças bloquistas mantenham um véu inquisitorial sobre a verdade histórica.
É que sem ciência, não consciência.
José Miranda: Um ensaio ao nível que Jaime
Nogueira Pinto nos habituou. A falta dos comentadeiros revela a sua baixa qualidade. José Paulo C Castro: Arriscando uma resposta à pergunta
final, nesse caso, a guerra civil espanhola teria sido em Portugal primeiro. Ou
em simultâneo. O resultado final até podia ter sido uma união Ibérica. Como a
Espanha de Franco. Cuba soviética, isso
não, pois nesse caso Hitler não teria parado nos Pirenéus e ficaríamos sempre
do lado de cá da Cortina de Ferro. E seríamos então uma continuação da Itália
actual, com a sua instabilidade governativa. Aliás, tendemos para isso, até na
versão Sicília...
José Norton: Interessante ensaio, e brilhante,
como sempre!
Nenhum comentário:
Postar um comentário