Como se previa. Concordo com Alberto Gonçalves sobre a tirania de uma ordem cuja eficácia não está totalmente comprovada. Para mais a imposição do confinamento, destruindo empregos e a economia, numa aparência de preocupação pela saúde pública, constitui um luxo de país rico que conta depressa refazer-se da bestialidade de uma dívida, o que, naturalmente é falso. No círculo vicioso da nossa dependência de dinheiros exteriores, nunca mais ergueremos a cabeça, nessa porta escancarada às perversões costumeiras, na gerência de dinheiros que não ganhámos, o que é vilipendioso.
Baile de máscaras /premium
A sombra de qualquer perigo para um
corpo que se supõe imaculado deixa as cabecinhas à nora e a reclamar protecção
divina. Na ausência de Deus, irrompe o poder político.
ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 22 ago
2020
Na
sua página do Facebook, um médico português, devidamente identificado, afirma
que se tiver um único ventilador para dois doentes com covid, o atribuirá ao
cidadão que usou sempre máscara, incluindo ao ar livre. Não seria muito diferente
se, entre dois pacientes com HIV, o senhor doutor fornecesse os
antirretrovirais ao monge. Porém, esse nem é o ponto. O ponto é que os
comentários na tal página do Facebook são quase todos favoráveis à decisão de
uma criatura que, em vez de ganhar elogios, devia perder a licença para
exercer. E uma comentadora exige: “Porrada nessa gente sem máscara. Levavam
tantas que na próxima nem pensavam não usar.”
Nas
últimas semanas tenho andado a cirandar pelo país, literalmente de Norte a Sul,
com passagens breves por Espanha. O cenário é melancólico. Há gente com
máscara nos sítios onde a regulamentação desconexa e grotesca obriga a usar
máscara. Há gente com máscara nas ruas. Há gente com máscara a passear
isoladíssima no cimo da uma colina só discernível com binóculos. Há, eu fique
ceguinho, gente com máscara a conduzir sem passageiros no carro (já vi um
condutor com máscara e viseira, provavelmente numa candidatura espontânea ao
Campeonato Mundial da Foleirice). E depois há gente com máscara que, não
satisfeita com a prova de bom comportamento, ainda faz questão de se desviar
seis metros ao cruzar-se com os inconscientes de rosto à mostra. Comigo ninguém
foi tão longe, mas contaram-me episódios em que malucos gritam ao transeunte
desmascarado: “Chegue-se para lá!” Em suma, estamos perante uma humilhação
colectiva sem grandes precedentes.
O
problema nem é a humilhação: é a facilidade com que as pessoas a aceitam, o
orgulho com que a ostentam, os exageros com que a alimentam e o empenho com que
odeiam os renitentes. Não
ocorre por um instante a estes devotos da submissão que as regras que postulam
a utilização da máscara foram evoluindo, para a frente e para trás, de acordo
com alucinações diversas – e com a capacidade de socialistas criarem empresas
para importar o pechisbeque. E os devotos da submissão não se lembram de
questionar decretos produzidos pelos exactos génios que, em sete meses de
“pandemia”, deixaram os velhos nos “lares” entregues ao abandono e, desculpem a
redundância, ao PS. E os devotos da submissão não duvidam da propaganda
espalhada por “media” ligados à vida por subsídios governamentais. E os
devotos da submissão não ligam às opiniões de especialistas que desaconselham a
máscara e, em caso de hereges terminais, desvalorizam a covid. Os
devotos da submissão não questionam coisa nenhuma, nem sequer as excepções
abertas para que comunistas festejem o estalinismo, pasmados aplaudam
comediantes, o dr. Costa assista à bola e o prof. Marcelo finja resgatar
banhistas em apuros. Os devotos da submissão limitam-se a obedecer às
mais absurdas directivas a propósito dos mais absurdos pretextos. O curioso é
que os devotos da submissão julgam que os indivíduos sem açaime os ameaçam com
um vírus gripal, e não reparam que eles é que nos condenam a todos ao vírus da
tirania, que parecendo que não é ligeiramente pior.
Resistir?
É escusado. Por mim, não cedo à máscara salvo por alguns minutos mensais, a fim
de pagar o combustível ou operação similar. Nos restaurantes, ainda não me
obrigaram a semelhante embaraço para percorrer o caminho da porta à mesa (se
obrigassem, comeria noutro lado). Contas feitas, não uso máscara ou aquela
gosma para desinfectar as mãos, não vejo canais de “notícias” e, logo, sinto-me
teoricamente distante da histeria em curso. A não ser, claro, quando transito
na via pública, repleta de mascarados que me recordam a inutilidade de ter
vergonha na cara, ao invés de um farrapo pendurado nas orelhas. Em matéria de
servidão, o voluntarismo da maioria arrasta a população em peso.
Para
cúmulo, nem a tradicional propensão nacional para curvar a espinha explica a
resignação demonstrada. Em Espanha, sob uma mescla de socialistas corruptos e
socialistas doidos, descobri que é proibido não usar máscara em espaços
públicos, fechados ou abertos. Também é verdade que, ao contrário
de Portugal, célebre pela mansidão a que aqui se chama civismo, em Espanha já
aconteceram protestos contra o enxovalho. E na Alemanha. E na Bélgica. E na
Inglaterra. E na América. Infelizmente, trata-se de raridades, ou anomalias. Em
geral, nos países onde os governos fomentam o enxovalho (os nórdicos,
curiosamente ou não, dispensaram-no), os cidadãos têm acatado as ordens sem
estrebuchar.
É
engraçado, sobretudo para apreciadores de tragédias, que em 2020 se consinta de
cara alegre a prepotência que em 1920, ou 1930, ou 1940 exigiria pancadaria
firme para ser implantada. Suponho que a diferença passa pela saúde. O aumento dos níveis de conforto,
assistência e infantilização levou a que, nas últimas décadas, o ocidental
médio decidisse achar-se imortal. A sombra de
qualquer perigo para um corpo que se supõe imaculado deixa as cabecinhas à nora
e a reclamar protecção divina. Na ausência de Deus, irrompe o
poder político, que vê no pavor dos simples uma oportunidade para redobrar o
domínio sobre eles.
Para o poder político, passadas as
fases do desnorte e da incompetência, a covid foi uma oportunidade e uma
bênção, apenas variáveis de acordo com os escrúpulos de cada um. Governos
minimamente escrupulosos procuraram evitar o pânico e privilegiar a economia e,
afinal, a sobrevivência. Governos pouco escrupulosos aproveitaram para testar o
grau de tolerância ao despotismo e à arbitrariedade. Governos nada escrupulosos
fizeram o que o governo português tem feito. Sobre os escombros de uma nação falida
e as vítimas de doenças graves, o dr. Costa já promete vacinas inexistentes – e
gratuitas (não riam) – às massas aturdidas pelo medo de uma doença que mata, se
mata, duas ou três alminhas por dia.
É muito difícil recuperar a liberdade que se perdeu pela força. É
quase impossível recuperar a liberdade de que se abdicou livremente. A máscara,
tradicional símbolo de assaltantes, é agora emblema de assaltados, uns e outros
cúmplices deste gigantesco roubo.
COMENTÁRIOS (292)
VICTORIA ARRENEGA: Desta vez não
concordo a 100% com o Alberto Gonçalves que diz respeito aos argumentos que têm
a ver com a propagação do vírus. Concordo totalmente quando fala das
oportunidades de controlo popular através do medo.
Pedro Miguel Guerreiro > Carminho Sottomayor: O respeito é também perceber que a opinião dos outros
é tão válida como a sua. Tenho a certeza de que muitos dos que se opõem ao uso
da máscara o fazem, devido à desproporcionalidade da medida. Caso realmente se
justificasse seria dos primeiros a fazê-lo. Eu chego até ao ponto de achar
criminoso a utilização em alguns casos, nomeadamente obrigar uma criança a inspirar
durante 5, 6, 7 horas os gases que por serem nocivos à homeostasia do
organismo, são exalados para a atmosfera.
Carminho Sottomayor > Pedro Miguel Guerreiro: O Sr pode ter a opinião que quiser, desde que cumpra
com as regras básicas de convivência social e respeito pela saúde dos outros. O
Sr se quiser pode achar desproporcionado o uso de cinto de segurança e de
capacete. E!? Cumpre, não cumpre?
Pedro Miguel Guerreiro > Carminho Sottomayor: Eu e outros estaremos no outro lado a combater as suas
ideias totalitárias, quer a senhora goste ou não. Outra certeza, iremos vencer.
Comparar a utilização do cinto e capacete? São utensílios para protecção
individual e ainda bem que são obrigatórios.
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