Já o diz a sentença sobre o nosso saber,
reduzido ao nada, não sendo este absoluto, todavia, pois que está ufanamente contradito
no advérbio de exclusão, seguido do verbo saber,
o que ressalva esse pouco – ou muito – saber, dada a vastidão do Nada. Por isso
se eu afirmar que “só sei que nada
sei”,
estou a exibir uma convicção de vaidoso saber, ou apenas de efémero fogo de
vistas, sobretudo se lhe acrescentar o palavrão da relatividade onde tudo
encaixa. Mas tudo isto não passa de intróito a justificar uma real ignorância,
pois nunca pensei que um país de castas - onde os párias nem sequer a nenhuma delas pertencem, provenientes do
pó pisado por Buda, e
intocáveis que são - pudesse vir a ser chamado “a maior democracia do mundo”, apesar do Gandhi e de tantos outros filósofos naturalmente opositores a
essas distinções sociais tão esmagadoramente presunçosas. Só me lembro da
história – suponho que anedótica – que o meu pai contava, na nossa
adolescência, sobre o bebé indiano que caiu ao rio e morreria afogado se um
pária, humano ou serviçal, se não tivesse lançado à água para o salvar. Ao entregá-lo
à mãe, esta, contudo, lançou o filho novamente ao rio, rejeitado, o pobrezinho,
definitivamente, por ter sido tocado por um “intocável”. Devia ser anedota,
ouvida lá por Macau, onde meu pai fez a tropa e estudou e jogou damas, em que
era exímio, e aprendeu a tocar viola, como instrumento do seu canto e
provavelmente também recolheu anedotas. O certo é que esta me impressionou, sem
jamais a esquecer. Por outro lado, o caso é bem anterior à Constituição da Índia de 1950 – uns vinte e tal anos, por junto, altura
em que o meu pai andou por Macau - pelo que podemos estabelecer para ela uma presunção
de veracidade.
Tudo isto, pois, vem a propósito do Editorial de David Pontes que, entre diversos assuntos de cariz político e
religioso - de que sobressai a viagem, bem corajosa, do Papa ao Iraque – expõe sobre futuras reuniões de
vários países, com “a maior
democracia do mundo”, e foi aí que emperrei, por conta da anedota – ou provavelmente
história verídica - que o meu pai contava. E logo fui pedir explicações à Internet, que me elucidou – em brasileiro, que
adaptei e que transcrevo com zelo dinamizador. Realmente, a minha ignorância
traz-me complexos, e sempre que é preciso recorrer, recorro. Digo, à Internet, sobretudo nos textos brasileiros,
decididamente mais expressivamente elucidativos do que os nossos, pontuados, muitas
vezes, de deficiências linguísticas, ou outras, o que não admira, sendo nós os
artífices do AO90 da nossa penúria atrevida.
Entretanto… acho que é uma altura
faustosa, agora que o nosso PM assume a
presidência do P.E, para a cimeira com a Índia, para travar
a ascensão da China, no Porto, sendo a identidade fraterna do nosso PM
com o
país da maior democracia do mundo, um excelente trunfo para o seu êxito – e por
acréscimo, o nosso, nacional, que nos revemos nessas afinidades, como expoente para
as nossas carências. E também, é claro, trunfo internacional, excluída a China, para não se armar em boazona, nessa
mania de estender os seus tentáculos plutocráticos pelo mundo... Não
democráticos, esses.
EDITORIAL: Do
Iraque à Índia, contra a intolerância religiosa
Os governantes da Índia têm cultivado de forma
permanente o conflito inter-religioso
PÚBLICO, 8 de Março de 2021
O estranho normal que vivemos faz com
que as visitas de Estado tenham quase desaparecido do mapa das relações internacionais. Isto só reforça a ousadia da inédita
visita de um Papa ao Iraque,
não só a primeira nos últimos anos de um chefe de Estado àquele país, mas
também a primeira que o chefe da Igreja Católica faz após o começo da pandemia. O vírus atormenta os iraquianos e as
questões de segurança, num país destroçado pelo sectarismo religioso desde a
invasão norte-americana de 2003, são uma preocupação nesta visita que incluiu Mossul,
controlada pelo Daesh durante vários anos.
Os observantes da Realpolitik
dirão que a visita do Papa Francisco pouco servirá para melhorar o quotidiano
de um povo que vive há 40 anos em estado de guerra. Mas
isso seria desvalorizar o valor de esperança que representa um encontro entre o
Papa e o líder espiritual da quase totalidade dos muçulmanos xiitas, Ali
Sistani, e a condenação conjunta do
extremismo motivado pela religião, especialmente
para a comunidade cristã perseguida. Antes
de 2003 seriam cerca de 1,5 milhões de fiéexclusãois, hoje serão pouco mais de
250 mil.
Lá para Maio, os defensores do pragmatismo que põe em
segundo plano os direitos humanos e a defesa das minorias não terão
descanso para nos explicar a importância de manter boas relações com os
governantes de um país que tem cultivado de forma permanente o conflito
inter-religioso e degradado o que era considerado um baluarte da democracia.
No
relatório da Freedom House sobre
a qualidade das democracias, divulgado a semana passada, “a maior
democracia do mundo”, a Índia,
caiu de “livre” para “parcialmente livre”, devido às políticas seguidas pelo
primeiro-ministro, Narendra Modi, e
pelo seu partido que se traduzem no “aumento da violência e políticas
discriminatórias que afectam a população muçulmana e na perseguição das
manifestações de dissidência por parte da imprensa, académicos e sociedade
civil grupos”.
É
com esta Índia que Estados
Unidos – que na próxima semana juntam em
cimeira Japão, Austrália e
Índia –, os britânicos –
que a 16 de Março apresentam a sua revisão da política externa e de defesa
– e a União Europeia – que
promove uma cimeira no Porto em Maio com os indianos – contam para
travar o crescente poder da China.
Não
se pede a António Costa, a Marcelo Rebelo de Sousa – que não têm poupado
elogios ao autocrático primeiro-ministro indiano – ou aos seus congéneres
europeus que sejam como o Papa Francisco, mas seria bom que não esquecessem,
até olhando para o Iraque, as vítimas e o sofrimento que causam aqueles que
exploram as divisões religiosas.
TÓPICOS
OPINIÃO EDITORIAL ÍNDIA NARENDRA MODI RELIGIÃO PAPA
FRANCISCO MUÇULMANOS
NOTAS DA INTERNET:
HISTÓRIA: índia
Moderna – A maior democracia do mundo
«Desde
a independência de 1947, a Índia tem sido uma república constitucional e uma
democracia representativa, mas as violências religiosas e de castas, o
terrorismo e a corrupção continuam a desafiar o sistema democrático indiano.
Sendo
a sétima maior (por área) e o segundo país mais populoso do mundo, a República
da Índia é a maior democracia por eleitorado. A Índia é uma federação com um sistema
parlamentar governado pela Constituição
da Índia, que é o documento legal supremo do país. É
uma república constitucional e uma democracia representativa, na qual “o
governo da maioria é temperado pelos direitos das minorias protegidos pela
lei”.
A Constituição da Índia, que surgiu em 1950, afirma em seu preâmbulo
que a Índia é uma república soberana, socialista, secular e democrática. A
forma de governo da Índia é tradicionalmente descrita como “quase federal”, com
um centro forte e estados fracos. A Índia é uma federação composta por 29
estados e sete territórios da união.
O
governo federal compreende os ramos executivo, legislativo e judiciário. O
Presidente da Índia é o chefe do Estado, enquanto o Primeiro Ministro da Índia
é o chefe de governo e exerce a maior parte do poder executivo, liderando o
Conselho de Ministros. A legislatura da Índia é um parlamento bicameral. Um
judiciário unitário de três níveis independente compreende o Supremo Tribunal,
24 Tribunais Superiores e um grande número de tribunais de primeira instância.
A
Índia tem um sistema multipartidário, onde há vários partidos nacionais e
regionais. Tal como
acontece com qualquer outra democracia, os partidos políticos representam
diferentes secções entre a sociedade e as regiões indianas e os seus valores
centrais desempenham um papel importante na política da Índia. Nas últimas
décadas, a política indiana tornou-se um assunto dinástico. Este fenómeno é
visto tanto no nível nacional quanto no estadual.
A
sociedade indiana é muito diversificada em religião, região, idioma, casta e
raça. Isso levou
ao surgimento de partidos políticos com agendas que atendem a um ou a um desses
grupos. Questões económicas como pobreza, desemprego e desenvolvimento
influenciam substancialmente a política, embora diferentes partidos proponham
abordagens dramaticamente diferentes.
A
democracia indiana enfrenta muitos desafios. Terrorismo, naxalismo, violência
religiosa e violência relacionada a castas são questões importantes que afectam
o ambiente político da nação indiana. Além disso, a corrupção tem sérias
implicações tanto para proteger o estado de direito como para garantir o acesso
à justiça.
Termos
chave:
Naxalismo: Ideologia associada e um nome
informal dado a grupos comunistas que nasceram da divisão sino-soviética no
movimento comunista indiano. Ideologicamente, pertencem a várias tendências
do maoísmo. Inicialmente, o movimento teve o seu centro em Bengala Ocidental.
Nos últimos anos, eles espalharam-se em áreas menos desenvolvidas do centro
rural e leste da Índia. Algumas facções são consideradas terroristas pelo
governo da Índia e vários governos estaduais na Índia.
vote bank politics: A prática de criar e manter blocos leais de
eleitores por meio de políticas divisivas. Como incentiva os eleitores a votarem
com base em considerações comunitárias limitadas, muitas vezes contra seu
melhor julgamento, isso é considerado prejudicial aos princípios da democracia
representativa.
Congresso Nacional Indiano: Um dos
dois principais partidos políticos da Índia, fundado em 1885 durante o
Raj britânico. Seus fundadores incluem Allan Octavian Hume, Dadabhai Naoroji
e Dinshaw Wacha. No final do século XIX e início e meados do século XX,
tornou-se um participante fundamental do movimento de independência da Índia,
com mais de 15 milhões de membros e mais de 70 milhões de participantes em sua
oposição ao domínio colonial britânico na Índia.
vote bank : Um bloco leal de eleitores de uma única comunidade
que apoia consistentemente um determinado candidato ou formação política em
eleições democráticas. Tal comportamento é muitas vezes o resultado de uma
expectativa de benefícios reais ou imaginários das formações políticas, muitas
vezes à custa de outras comunidades.
Sugestões de leituras para entender
melhor esse texto:
Guerra indo-paquistanesa de 1947 e 1965; Conflitos na
região da Caxemira e disputas territoriais; Economia da Índia no tempos modernos; Índia Moderna – A maior democracia do
mundo; Revolução Verde na Índia: Partição da Índia Britânica; Tensões e conflitos religiosos na Índia; Retorno de Gandhi para a Índia; Marcha do Sal na Índia; O
governo indiano.
Como o sétimo maior (por área) e o segundo país mais populoso do
mundo, a República da Índia é a maior democracia por eleitorado. A Índia é uma federação com um sistema
parlamentar governado pela Constituição da Índia, que é o documento legal
supremo do país. É uma república constitucional e uma democracia representativa
em que “o governo da maioria é temperado pelos direitos das minorias protegidos
pela lei. O federalismo na Índia define a distribuição de poder entre o governo federal e os
estados. O governo age de acordo com cheques
constitucionais e contrapesos.
A Constituição
da Índia, que surgiu em 1950,
afirma em seu preâmbulo que a Índia é uma república soberana, socialista,
secular e democrática. A forma de
governo da Índia, tradicionalmente descrita como “quase-federal”, com um
centro forte e estados fracos.
O
governo federal compreende os ramos executivo, legislativo e judiciário. O Presidente da Índia é o chefe de Estado e é eleito
indirectamente por um colégio eleitoral nacional para um mandato de cinco anos.
O primeiro-ministro da Índia é o chefe de governo e exerce a maior parte do
poder executivo. Nomeado pelo presidente, o primeiro-ministro é por
convenção apoiada pelo partido ou aliança política que detém a maioria dos
assentos na câmara baixa do parlamento e lidera o Conselho de Ministros. A
legislatura da Índia é o parlamento bicameral.
Compreende
a câmara superior chamada Rajya Sabha (“Conselho dos Estados” com 245 membros
eleitos indirectamente pelas legislaturas estaduais e territoriais, que cumprem
mandatos de seis anos) e a mais baixa chamada Lok Sabha (“Casa do Povo” com 545
membros, todos, excepto dois eleitos directamente por voto popular para
mandatos de cinco anos). A Índia tem um judiciário unitário independente de
três níveis que compreende o Supremo Tribunal, 24 Tribunais
Superiores e um grande número de tribunais de primeira instância.
A Índia é uma federação composta por 29 estados e sete territórios
da união. Todos os estados e dois territórios
da união têm seus próprios governos. O executivo de cada estado é o
governador (equivalente ao presidente da Índia), cujo papel é cerimonial. O
poder real reside no Ministro Chefe (equivalente ao Primeiro Ministro) e no Conselho
de Ministros do Estado. Os estados podem ter uma legislatura unicameral ou
bicameral, variando de estado para estado.
A
Índia tem um sistema multipartidário, com vários partidos nacionais e
regionais. Tal como
acontece com qualquer outra democracia, os partidos políticos representam
diferentes secções entre a sociedade e as regiões indianas e os seus valores
centrais desempenham um papel importante na política da Índia.
Através
das eleições, qualquer partido pode ganhar maioria simples na câmara baixa. Coligações
são formadas no caso de nenhum partido obter uma maioria simples na câmara
baixa. A menos que um partido ou uma coligaç tenha uma maioria na câmara
baixa, um governo não pode ser formado por esse partido ou pela coligação.
Nas
últimas décadas, a política indiana tornou-se um assunto dinástico. Este fenómeno é visto tanto no nível nacional quanto
no estadual. Um exemplo de política dinástica tem sido a família
Nehru-Gandhi, que produziu três primeiros-ministros indianos e lidera o partido
do Congresso Nacional Indiano. Também em
nível estadual, vários partidos políticos são liderados por membros da família
dos líderes anteriores.
FOTO: Indira Gandhi, filha do primeiro primeiro-ministro da Índia,
Jawaharlal Nehru, serviu como primeiro-ministro por três mandatos consecutivos
(1966-77) e um quarto mandato (1980-84).
Desafios da democracia indiana:
A
sociedade indiana é muito diversificada, com diferenças substanciais em
religião, região, idioma, casta e raça. Isso
levou ao surgimento de partidos políticos com agendas que atendem a um
ou a um desses grupos. Algumas partes professam abertamente seu foco em um
determinado grupo, enquanto outras afirmam ser de natureza universal, mas
tendem a atrair apoio de sectores da população.
Por
exemplo, o Rashtriya Janata Dal (o Partido Nacional do Povo) tem um banco de
votos entre a população Yadav e muçulmana de Bihar, e o Congresso da Índia
Trinamool não tem nenhum apoio significativo fora da Bengala Ocidental.
O
foco estreito e a política do banco de votos da maioria dos partidos, mesmo no
governo central e na legislatura central, marginalizam questões nacionais como
o bem-estar económico e a segurança nacional. Além
disso, Questões
económicas como pobreza, desemprego e desenvolvimento influenciam
substancialmente a política, embora diferentes partidos proponham abordagens
dramaticamente diferentes. Garibi hatao (erradicar a pobreza) é um slogan
do Congresso Nacional Indiano há muito tempo. O conhecido Partido Bharatiya
Janata (BJP) encoraja uma economia de mercado livre.
Por
outro lado, o Partido Comunista da Índia (Marxista) apoia veementemente a
política de esquerda como a terra por todos e o direito ao trabalho, e se opõe
fortemente às políticas neoliberais como a globalização, o capitalismo e a
privatização.
Terrorismo, naxalismo (ideologia
associada a grupos comunistas que nasceram da divisão sino-soviética no
movimento comunista indiano), violência religiosa e violência relacionada com
castas são questões importantes que afectam o ambiente político da nação
indiana. Além disso, a corrupção é um problema que tem sérias implicações tanto
para proteger o estado de direito como para garantir o acesso à justiça.
Em
2008, o
Washington Post relatou
que quase um quarto dos 540 membros do Parlamento indiano enfrentaram acusações
criminais, “incluindo
tráfico de pessoas, prostituição infantil, fraude de imigração, peculato,
estupro e até assassinato”.
Muitos dos maiores escândalos
desde 2010 envolveram altos funcionários governamentais de alto nível,
incluindo ministros de gabinete e ministros-chefes. Um estudo de 2005 feito
pela Transparência Internacional na Índia descobriu que mais de 62% das pessoas
tinham experiência directa em pagar suborno ou tráfico de influência para
conseguir um emprego em um escritório público.»
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