segunda-feira, 8 de março de 2021

Ignorância


Já o diz a sentença sobre o nosso saber, reduzido ao nada, não sendo este absoluto, todavia, pois que está ufanamente contradito no advérbio de exclusão, seguido do verbo saber, o que ressalva esse pouco – ou muito – saber, dada a vastidão do Nada. Por isso se eu afirmar que “só sei que nada sei”, estou a exibir uma convicção de vaidoso saber, ou apenas de efémero fogo de vistas, sobretudo se lhe acrescentar o palavrão da relatividade onde tudo encaixa. Mas tudo isto não passa de intróito a justificar uma real ignorância, pois nunca pensei que um país de castas - onde os párias nem sequer a nenhuma delas pertencem, provenientes do pó pisado por Buda, e intocáveis que são - pudesse vir a ser chamado “a maior democracia do mundo”, apesar do Gandhi e de tantos outros filósofos naturalmente opositores a essas distinções sociais tão esmagadoramente presunçosas. Só me lembro da história – suponho que anedótica – que o meu pai contava, na nossa adolescência, sobre o bebé indiano que caiu ao rio e morreria afogado se um pária, humano ou serviçal, se não tivesse lançado à água para o salvar. Ao entregá-lo à mãe, esta, contudo, lançou o filho novamente ao rio, rejeitado, o pobrezinho, definitivamente, por ter sido tocado por um “intocável”. Devia ser anedota, ouvida lá por Macau, onde meu pai fez a tropa e estudou e jogou damas, em que era exímio, e aprendeu a tocar viola, como instrumento do seu canto e provavelmente também recolheu anedotas. O certo é que esta me impressionou, sem jamais a esquecer. Por outro lado, o caso é bem anterior à Constituição da Índia de 1950 – uns vinte e tal anos, por junto, altura em que o meu pai andou por Macau - pelo que podemos estabelecer para ela uma presunção de veracidade.

Tudo isto, pois, vem a propósito do Editorial de David Pontes que, entre diversos assuntos de cariz político e religioso - de que sobressai a viagem, bem corajosa, do Papa ao Iraque – expõe sobre futuras reuniões de vários países, com “a maior democracia do mundo”, e foi aí que emperrei, por conta da anedota – ou provavelmente história verídica - que o meu pai contava. E logo fui pedir explicações à Internet, que me elucidou – em brasileiro, que adaptei e que transcrevo com zelo dinamizador. Realmente, a minha ignorância traz-me complexos, e sempre que é preciso recorrer, recorro. Digo, à Internet, sobretudo nos textos brasileiros, decididamente mais expressivamente elucidativos do que os nossos, pontuados, muitas vezes, de deficiências linguísticas, ou outras, o que não admira, sendo nós os artífices do AO90 da nossa penúria atrevida.

Entretanto… acho que é uma altura faustosa, agora que o nosso PM assume a presidência do P.E, para a cimeira com a Índia, para travar a ascensão da China, no Porto, sendo a identidade fraterna do nosso PM com o país da maior democracia do mundo, um excelente trunfo para o seu êxito – e por acréscimo, o nosso, nacional, que nos revemos nessas afinidades, como expoente para as nossas carências. E também, é claro, trunfo internacional, excluída a China, para não se armar em boazona, nessa mania de estender os seus tentáculos plutocráticos pelo mundo...  Não democráticos, esses.

 

EDITORIAL: Do Iraque à Índia, contra a intolerância religiosa

Os governantes da Índia têm cultivado de forma permanente o conflito inter-religioso

DAVID PONTES

PÚBLICO, 8 de Março de 2021

O estranho normal que vivemos faz com que as visitas de Estado tenham quase desaparecido do mapa das relações internacionais. Isto só reforça a ousadia da inédita visita de um Papa ao Iraque, não só a primeira nos últimos anos de um chefe de Estado àquele país, mas também a primeira que o chefe da Igreja Católica faz após o começo da pandemia. O vírus atormenta os iraquianos e as questões de segurança, num país destroçado pelo sectarismo religioso desde a invasão norte-americana de 2003, são uma preocupação nesta visita que incluiu Mossul, controlada pelo Daesh durante vários anos.

Os observantes da Realpolitik dirão que a visita do Papa Francisco pouco servirá para melhorar o quotidiano de um povo que vive há 40 anos em estado de guerra. Mas isso seria desvalorizar o valor de esperança que representa um encontro entre o Papa e o líder espiritual da quase totalidade dos muçulmanos xiitas, Ali Sistani, e a condenação conjunta do extremismo motivado pela religião, especialmente para a comunidade cristã perseguida. Antes de 2003 seriam cerca de 1,5 milhões de fiéexclusãois, hoje serão pouco mais de 250 mil.

Lá para Maio, os defensores do pragmatismo que põe em segundo plano os direitos humanos e a defesa das minorias não terão descanso para nos explicar a importância de manter boas relações com os governantes de um país que tem cultivado de forma permanente o conflito inter-religioso e degradado o que era considerado um baluarte da democracia.

No relatório da Freedom House sobre a qualidade das democracias, divulgado a semana passada, “a maior democracia do mundo”, a Índia, caiu de “livre” para “parcialmente livre”, devido às políticas seguidas pelo primeiro-ministro, Narendra Modi, e pelo seu partido que se traduzem no “aumento da violência e políticas discriminatórias que afectam a população muçulmana e na perseguição das manifestações de dissidência por parte da imprensa, académicos e sociedade civil grupos”.

É com esta Índia que Estados Unidos – que na próxima semana juntam em cimeira Japão, Austrália e Índia –, os britânicosque a 16 de Março apresentam a sua revisão da política externa e de defesa – e a União Europeiaque promove uma cimeira no Porto em Maio com os indianoscontam para travar o crescente poder da China.

Não se pede a António Costa, a Marcelo Rebelo de Sousa – que não têm poupado elogios ao autocrático primeiro-ministro indiano – ou aos seus congéneres europeus que sejam como o Papa Francisco, mas seria bom que não esquecessem, até olhando para o Iraque, as vítimas e o sofrimento que causam aqueles que exploram as divisões religiosas.

tp.ocilbup@setnop.divad

TÓPICOS

OPINIÃO  EDITORIAL  ÍNDIA  NARENDRA MODI  RELIGIÃO  PAPA FRANCISCO  MUÇULMANOS

 

NOTAS DA INTERNET:

HISTÓRIA: índia Moderna – A maior democracia do mundo

«Desde a independência de 1947, a Índia tem sido uma república constitucional e uma democracia representativa, mas as violências religiosas e de castas, o terrorismo e a corrupção continuam a desafiar o sistema democrático indiano.

Sendo a sétima maior (por área) e o segundo país mais populoso do mundo, a República da Índia é a maior democracia por eleitorado. A Índia é uma federação com um sistema parlamentar governado pela Constituição da Índia, que é o documento legal supremo do país. É uma república constitucional e uma democracia representativa, na qual “o governo da maioria é temperado pelos direitos das minorias protegidos pela lei”.

A Constituição da Índia, que surgiu em 1950, afirma em seu preâmbulo que a Índia é uma república soberana, socialista, secular e democrática. A forma de governo da Índia é tradicionalmente descrita como “quase federal”, com um centro forte e estados fracos. A Índia é uma federação composta por 29 estados e sete territórios da união.

O governo federal compreende os ramos executivo, legislativo e judiciário. O Presidente da Índia é o chefe do Estado, enquanto o Primeiro Ministro da Índia é o chefe de governo e exerce a maior parte do poder executivo, liderando o Conselho de Ministros. A legislatura da Índia é um parlamento bicameral. Um judiciário unitário de três níveis independente compreende o Supremo Tribunal, 24 Tribunais Superiores e um grande número de tribunais de primeira instância.

A Índia tem um sistema multipartidário, onde há vários partidos nacionais e regionais. Tal como acontece com qualquer outra democracia, os partidos políticos representam diferentes secções entre a sociedade e as regiões indianas e os seus valores centrais desempenham um papel importante na política da Índia. Nas últimas décadas, a política indiana tornou-se um assunto dinástico. Este fenómeno é visto tanto no nível nacional quanto no estadual.

A sociedade indiana é muito diversificada em religião, região, idioma, casta e raça. Isso levou ao surgimento de partidos políticos com agendas que atendem a um ou a um desses grupos. Questões económicas como pobreza, desemprego e desenvolvimento influenciam substancialmente a política, embora diferentes partidos proponham abordagens dramaticamente diferentes.

A democracia indiana enfrenta muitos desafios. Terrorismo, naxalismo, violência religiosa e violência relacionada a castas são questões importantes que afectam o ambiente político da nação indiana. Além disso, a corrupção tem sérias implicações tanto para proteger o estado de direito como para garantir o acesso à justiça.

Termos chave:

Naxalismo: Ideologia associada e um nome informal dado a grupos comunistas que nasceram da divisão sino-soviética no movimento comunista indiano. Ideologicamente, pertencem a várias tendências do maoísmo. Inicialmente, o movimento teve o seu centro em Bengala Ocidental. Nos últimos anos, eles espalharam-se em áreas menos desenvolvidas do centro rural e leste da Índia. Algumas facções são consideradas terroristas pelo governo da Índia e vários governos estaduais na Índia.

vote bank politics: A prática de criar e manter blocos leais de eleitores por meio de políticas divisivas. Como incentiva os eleitores a votarem com base em considerações comunitárias limitadas, muitas vezes contra seu melhor julgamento, isso é considerado prejudicial aos princípios da democracia representativa.

Congresso Nacional Indiano: Um dos dois principais partidos políticos da Índia, fundado em 1885 durante o Raj britânico. Seus fundadores incluem Allan Octavian Hume, Dadabhai Naoroji e Dinshaw Wacha. No final do século XIX e início e meados do século XX, tornou-se um participante fundamental do movimento de independência da Índia, com mais de 15 milhões de membros e mais de 70 milhões de participantes em sua oposição ao domínio colonial britânico na Índia.

vote bank : Um bloco leal de eleitores de uma única comunidade que apoia consistentemente um determinado candidato ou formação política em eleições democráticas. Tal comportamento é muitas vezes o resultado de uma expectativa de benefícios reais ou imaginários das formações políticas, muitas vezes à custa de outras comunidades.

Sugestões de leituras para entender melhor esse texto:

Guerra indo-paquistanesa de 1947 e 1965; Conflitos na região da Caxemira e disputas territoriais; Economia da Índia no tempos modernos; Índia Moderna – A maior democracia do mundo; Revolução Verde na Índia: Partição da Índia Britânica; Tensões e conflitos religiosos na Índia; Retorno de Gandhi para a Índia; Marcha do Sal na Índia; O governo indiano.

Como o sétimo maior (por área) e o segundo país mais populoso do mundo, a República da Índia é a maior democracia por eleitorado. A Índia é uma federação com um sistema parlamentar governado pela Constituição da Índia, que é o documento legal supremo do país. É uma república constitucional e uma democracia representativa em que “o governo da maioria é temperado pelos direitos das minorias protegidos pela lei. O federalismo na Índia define a distribuição de poder entre o governo federal e os estados. O governo age de acordo com cheques constitucionais e contrapesos.

A Constituição da Índia, que surgiu em 1950, afirma em seu preâmbulo que a Índia é uma república soberana, socialista, secular e democrática. A forma de governo da Índia, tradicionalmente descrita como “quase-federal”, com um centro forte e estados fracos.

O governo federal compreende os ramos executivo, legislativo e judiciário. O Presidente da Índia é o chefe de Estado e é eleito indirectamente por um colégio eleitoral nacional para um mandato de cinco anos. O primeiro-ministro da Índia é o chefe de governo e exerce a maior parte do poder executivo. Nomeado pelo presidente, o primeiro-ministro é por convenção apoiada pelo partido ou aliança política que detém a maioria dos assentos na câmara baixa do parlamento e lidera o Conselho de Ministros. A legislatura da Índia é o parlamento bicameral.

Compreende a câmara superior chamada Rajya Sabha (“Conselho dos Estados” com 245 membros eleitos indirectamente pelas legislaturas estaduais e territoriais, que cumprem mandatos de seis anos) e a mais baixa chamada Lok Sabha (“Casa do Povo” com 545 membros, todos, excepto dois eleitos directamente por voto popular para mandatos de cinco anos). A Índia tem um judiciário unitário independente de três níveis que compreende o Supremo Tribunal, 24 Tribunais Superiores e um grande número de tribunais de primeira instância.

A Índia é uma federação composta por 29 estados e sete territórios da união. Todos os estados e dois territórios da união têm seus próprios governos. O executivo de cada estado é o governador (equivalente ao presidente da Índia), cujo papel é cerimonial. O poder real reside no Ministro Chefe (equivalente ao Primeiro Ministro) e no Conselho de Ministros do Estado. Os estados podem ter uma legislatura unicameral ou bicameral, variando de estado para estado.

A Índia tem um sistema multipartidário, com vários partidos nacionais e regionais. Tal como acontece com qualquer outra democracia, os partidos políticos representam diferentes secções entre a sociedade e as regiões indianas e os seus valores centrais desempenham um papel importante na política da Índia.

Através das eleições, qualquer partido pode ganhar maioria simples na câmara baixa. Coligações são formadas no caso de nenhum partido obter uma maioria simples na câmara baixa. A menos que um partido ou uma coligaç tenha uma maioria na câmara baixa, um governo não pode ser formado por esse partido ou pela coligação.

Nas últimas décadas, a política indiana tornou-se um assunto dinástico. Este fenómeno é visto tanto no nível nacional quanto no estadual. Um exemplo de política dinástica tem sido a família Nehru-Gandhi, que produziu três primeiros-ministros indianos e lidera o partido do Congresso Nacional Indiano. Também em nível estadual, vários partidos políticos são liderados por membros da família dos líderes anteriores.

 

FOTO: Indira Gandhi, filha do primeiro primeiro-ministro da Índia, Jawaharlal Nehru, serviu como primeiro-ministro por três mandatos consecutivos (1966-77) e um quarto mandato (1980-84).

Desafios da democracia indiana:

A sociedade indiana é muito diversificada, com diferenças substanciais em religião, região, idioma, casta e raça. Isso levou ao surgimento de partidos políticos com agendas que atendem a um ou a um desses grupos. Algumas partes professam abertamente seu foco em um determinado grupo, enquanto outras afirmam ser de natureza universal, mas tendem a atrair apoio de sectores da população.

Por exemplo, o Rashtriya Janata Dal (o Partido Nacional do Povo) tem um banco de votos entre a população Yadav e muçulmana de Bihar, e o Congresso da Índia Trinamool não tem nenhum apoio significativo fora da Bengala Ocidental.

O foco estreito e a política do banco de votos da maioria dos partidos, mesmo no governo central e na legislatura central, marginalizam questões nacionais como o bem-estar económico e a segurança nacional. Além disso, Questões económicas como pobreza, desemprego e desenvolvimento influenciam substancialmente a política, embora diferentes partidos proponham abordagens dramaticamente diferentes. Garibi hatao (erradicar a pobreza) é um slogan do Congresso Nacional Indiano há muito tempo. O conhecido Partido Bharatiya Janata (BJP) encoraja uma economia de mercado livre.

Por outro lado, o Partido Comunista da Índia (Marxista) apoia veementemente a política de esquerda como a terra por todos e o direito ao trabalho, e se opõe fortemente às políticas neoliberais como a globalização, o capitalismo e a privatização.

Terrorismo, naxalismo (ideologia associada a grupos comunistas que nasceram da divisão sino-soviética no movimento comunista indiano), violência religiosa e violência relacionada com castas são questões importantes que afectam o ambiente político da nação indiana. Além disso, a corrupção é um problema que tem sérias implicações tanto para proteger o estado de direito como para garantir o acesso à justiça.

Em 2008, o Washington Post relatou que quase um quarto dos 540 membros do Parlamento indiano enfrentaram acusações criminais, “incluindo tráfico de pessoas, prostituição infantil, fraude de imigração, peculato, estupro e até assassinato”.

Muitos dos maiores escândalos desde 2010 envolveram altos funcionários governamentais de alto nível, incluindo ministros de gabinete e ministros-chefes. Um estudo de 2005 feito pela Transparência Internacional na Índia descobriu que mais de 62% das pessoas tinham experiência directa em pagar suborno ou tráfico de influência para conseguir um emprego em um escritório público.»

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