Para afastar os temores que o pessimismo
consciencioso de António Barreto nos traz, a
respeito de uma União Europeia de
fragilidade - ao contrário da intenção construtiva e solidária dos seus
primórdios, de que certamente se abusou, na avidez deslumbrada, que não
correspondeu totalmente à tentativa de uma União responsável, sobretudo por
parte de países de fado triste, como o nosso… - cantemos, com Jorge Veiga, a velha canção brasileira que destrói ironicamente e
alegremente hipóteses de seriedade, valentia ou outro qualquer parâmetro lisonjeiro.
E vivamos felizes, sem pensarmos em desgraças.
Refrão:
Nem tudo que reluz é ouro
Oi, nem tudo que balança cai!
*
A moça que a gente conhece
Todo dia rezando na igreja,
Pode ser que ela seja uma santa
Mas também pode ser que não seja!
O moço que a gente conhece
Todo dia bebendo cerveja,
Pode ser que ele seja um pau-d'água
Mas também pode ser que não seja!
O homem que diz que não foge,
Que enfrenta sorrindo a peleja,
Pode ser que ele seja um valente
Mas também pode ser que não seja!
A flor que nasce no mangue
E no meio do lodo viceja,
Pode ser uma flor muito pura
Mas também pode ser que não seja!
Compositor: Antônio Almeida E Braguinha
OPINIÃO
Estado frágil de país vulnerável
Muito se tem feito para acudir,
vacinar, tratar, prevenir e proteger. Mas temos de admitir que o muito foi
pouco e o enorme insuficiente.
PÚBLICO, 27 de
Março de 2021
A história
das vacinas na Europa e
no nosso país é um sinal dos tempos e dos caminhos que percorremos. Há um
hiato entre Estado e União. Talvez um dia a transferência de poderes e de
competências dos Estados nacionais para as instituições da União (comunitárias
ou federais) esteja mais consumada, seja mais eficaz e não revele estes espaços
vazios… Mas ainda não é verdade. Nem se sabe se um dia será. Como também não
podemos prever que não haja recuos.
Há
meses, acreditou-se que a força da União era finalmente superior à soma das
forças dos Estados. Pensou-se
que a cooperação europeia, pela primeira
vez, em caso tão dramático e difícil, tinha levado a melhor sobre os
“egoísmos” nacionais, termo que os virtuosos europeus tanto gostam de utilizar.
Poucos meses depois, verificou-se
o contrário. A força europeia era fragilidade. À autoridade moral e à força simbólica da União
não correspondiam uma capacidade prática e uma agilidade operacional à altura
dos acontecimentos. Mais uma vez se verifica que a entidade política europeia,
carregada de reputação e prestígio, não tem poderes reais. Com um novo
problema: no labirinto europeu, não se sabe onde está a responsabilidade.
Por
outro lado, verificou-se também que os interesses nacionais (os que marcam as eleições e os que definem as
democracias…) acordaram e sobrepuseram-se à ilusão federal europeia. Cada
país tem tentado aproveitar o máximo do que a União pode dar, mas depois segue
o seu caminho e tenta encontrar soluções próprias. A falta
de vacinas e a deficiente capacidade produtiva industrial alertaram os governos
que recearam, justificadamente, a reacção dos seus eleitorados. As dificuldades
de negociação com as poderosas organizações privadas (tanto farmacêuticas, como
industriais e comerciais) reforçaram a ideia de que a Europa corre
permanentemente o risco de se ver reduzida à sua condição de “profeta
desarmado” ou de “fidalgo arruinado”. É
forçoso reconhecer que perderam as nações e os Estados, mas a Europa também.
Muito se tem feito para acudir, vacinar, tratar, prevenir e proteger. Com
grande dispêndio e enorme esforço humano. Mas temos de admitir que o muito foi
pouco e o enorme insuficiente.
Este caso da pandemia e das vacinas é
revelador do que pode ser uma situação equivoca, de transição entre um passado
que já não é e um futuro que ninguém sabe o que pode ser. Há um vazio
institucional e constitucional. Há um equívoco. Há uma terra de ninguém, local
onde todos os desastres são possíveis. O lento definhamento dos Estados
nacionais não é compensado ou substituído por uma União forte, democrática e
prestigiada. Ficar a
meio do caminho é geralmente perigoso. Manter a rota errada não é menos. Recuar
é impossível. Só restam as hipóteses de corrigir, alterar e
reformar.
Já não é a primeira vez que todos
perdem, nações, Estados e Europa. A invasão do Iraque foi
talvez uma dessas ocasiões. Mas eram tempos de guerra, pouco dados a clareza de
visão, ainda por cima com a NATO e os Estados Unidos às costas. Desta vez, com as vacinas, não havia esses
imponderáveis. E tudo parecia ter começado bem para a cooperação europeia. Um
papel para a Comissão, outro para o Parlamento e outro ainda para o Conselho. E
a colaboração dos Estados nacionais parecia assegurada. Tudo parecia ou levava
a crer que havia paz e entendimento entre Estados, União, indústria, serviços
financeiros e de transportes, autoridades sanitárias… Parecia… Em poucos meses,
chegámos ao estado actual em que percebemos que não era verdade e que perderam
todos.
Será que estamos apenas diante da
conjuntura excepcional, irrepetível, da pandemia? Será que, passada esta, a
Europa e as suas nações retomarão os seus grandes projectos de relançamento
económico, de competição científica e tecnológica com o resto do mundo, de
atracção irresistível dos povos emigrantes e refugiados? Seria bom pensar
assim. Mas seria também errado. A pandemia e as suas consequências sociais e
económicas, mais do que trazer consigo novas crises, revelaram as existentes,
incluindo as adormecidas. Mostraram a fragilidade crescente dos Estados e dos
países, considerados individualmente, acentuaram a vulnerabilidade da
construção europeia no seu conjunto.
Não se acredite que os Estados
europeus sejam fortes, têm poder, usufruem de grande autoridade e como tal são
reconhecidos pelos seus cidadãos. Os Estados europeus não são fortes, são
pesados. Nas suas obediências, dividem-se entre os privilegiados dos sectores
públicos e os mandantes da economia e das finanças. Em graus diversos, é verdade, mas há muito que
perderam a autoridade da sua força independente dos predadores. Não se
acredite, pois, que, deixada a pandemia para trás, os Estados e a sua federação
retomarão, sem profundas reformas, os seus papéis serenos de liderança e
orientação. Até porque o mundo voltou a mudar em poucos anos. Depois da desgraça de Trump, nunca mais a
América será o que foi ou poderia ter sido para os europeus. Por outro
lado, o novo papel da China no mundo, conjugado
com a velha função da Rússia, deixou a Europa em piores condições e sobre
terreno frágil.
Parece ser indispensável, por causa das questões económicas e
científicas, reforçar o papel da União. E, por causa da política e da
democracia, voltar a dar aos Estados nacionais uma função política de relevo. Mais difícil ainda, fortalecer a ameaçada
segurança europeia, tanto global como nacionalmente. Parece simples, mas não é.
Regressar ao nacionalismo é um verdadeiro suicídio. E não se crê que possa
ser democrático. Enveredar às cegas, como até agora, pelo federalismo e pela
destruição do Estado nacional, dá mau resultado. Como se vê. E também não
parece vigorosamente democrático.
O Estado não é forte de mais.
É fraco e pesado. E frágil. Só é forte nos obstáculos que cria. E para
favorecer os seus. O Estado
com autoridade será o que cria condições, abre caminhos, deixa viver, incentiva
e estimula. É o Estado capaz de voltar a ter competência técnica e capacidade
científica. É o Estado que não se deixa prender por interesses económicos ou
financeiros, sindicais ou partidários, muito menos por empresas de publicidade,
sondagens, consultoria, engenharia financeira ou comunicação. É o Estado que
protege quem necessita, sem favorecer os seus.
Sociólogo
TÓPICOS
EUROPA UNIÃO EUROPEIA DEMOCRACIA ESTADO PANDEMIA COVID-19 CORONAVÍRUS
COMENTÁRIOS:
Jose MODERADOR: Não existe um Povo, Cultura, Identidade, Língua, nação
europeia. A Europa do Atlântico aos Urais são muitos Povos,
Culturas, Identidades, Línguas, nações e Estados. Não há união possível de
identidades diferentes. A UE é uma soma de resultado negativo. Nunca existirá
o "sonho europeu" para lá do sonho platónico. A UE porém não é
inócua. É impotente, não tem autoridade de Estado, não é capaz de desferir um
ataque militar como fazem os EUA, mas tem o poder de anexar e destruir
economias através do BCE e seu poder agiota. A UE acabará com o reforço do Estado Francês e Alemão
e o definhamento dos Estados que foram para a UE atrás de dinheiro grátis. Os que não caíram na arma do Euro sairão como o
RU. Cada crise é um funeral do "sonho europeu. Não há Estados sem povo,
nação, cultura, identidade! Fowler Fowler EXPERIENTE: A ligeireza e a superficialidade com que este
comentador analisa (analisa?) a responsabilidade da UE e do Estado português na
gestão da pandemia e vacinas podem, como diz Elisa Ferreira na pág.25,
“confortar preconceitos ou garantir popularidade, mas não contribuem em nada
para fazermos melhor, como comunidade, como país, como Europa”. Afinal, o que esperar de alguém que cultiva o
individualismo (não confundir com liberdades individuais), o (neo)liberalismo,
defendeu o ataque ao Iraque e não escreveu uma linha sobre a “desgraça” Trump
durante o seu mandato do “America first”? vpverissimo INICIANTE: Achei o artigo interessante e merece reflexão. Será que
a União Europeia Tem mesmo futuro? Roberto34 MODERADOR: Terá o futuro que os cidadãos Europeus lhe derem. Cabe
a nós decidir que futuro queremos para a UE. Roberto34 MODERADOR: Lá está. A prova que a UE deveria seguir o caminho de
mais integração e federalização, tornando-se mais ágil, competente e acima de
tudo mais democrática. Se as primeiras eleições após os erros da vacinação
na Holanda mostraram algum sinal é que os cidadãos não querem acabar com a UE
como se viu pelo crescimento dos partidos mais Europeistas. Na Alemanha o
crescimento dos Verdes Europeístas é também prova disso. Os cidadãos Europeus
querem uma UE que funcione e políticos competentes. Mario Coimbra INFLUENTE: Caro AB, As críticas são justas mas é preciso
reconhecer que estamos em águas revoltas. Nada disto é fácil. E os Estados
não estão a ajudar. Hungria, Polónia, etc e indo e vindo a Itália e Espanha. A
Comissão começou bem mas os Estados não queriam gastar tanto e agora estamos
curtos. O problema é que na união os estados e cidadãos ainda não estamos na
mesma base. E vai ser muito difícil lá chegarmos. O nosso denominador comum não
é ainda suficiente para nós manobrar como um todo. Jonas Almeida EXPERIENTE: A UE carece de legitimidade, "Europe's Crisis of Legitimacy - Governing by
Rules and Ruling by Numbers in the Eurozone" pela renomeada prof de
ciências políticas Vivien Shmidt. Tem o ethos histórico de mais uma ditadura
continental "Democracy a challenge to the European project - The EU is a
doomed empire" pelo director emérito do Max Plank Inst para o estudo da
sociedade Wolfgang Streeck. E é um cancro económico agarrado à economia de
renda do neoliberalismo em colapso - ver "EuroTragedy: A Drama in Nine
Acts" pelo renomeado prof de economia de Princeton, Mody, Ashoka. Como
mostra mais esta crise, estamos perante todos os sintomas de uma suzerania a
máfias de apparatchiks. A UE é uma porcaria de que nos devemos ver livres
aproveitando a onda do Brexit. O país está a saque. Mario Coimbra INFLUENTE: Jonas, não se
esqueça que sempre existiram Blocos que preferiam a não existência de uma EU.
Os US á cabeça. A China seguramente e por aí além. Os países europeus
sozinhos não conseguem impor-se. Talvez a Alemanha seja a excepção. Agora o
trabalho ainda vai no adro e para chegarmos a bom porto vamos ter que abdicar
de muito para não abdicarmos de tudo (nação). Roberto34 MODERADOR: Há muito por criticar na vacinação na Europa, mas o que
escreveu não faz sentido absolutamente nenhum nem está relacionado com a
questão da vacinação. Você mistura alhos com bugalhos como sempre. A UE
precisa é de mais integração, tornar-se numa Federação. E rápido. Só iria
beneficiar os cidadãos Europeus. E não existe nenhuma ditadura continental.
Deixe lá de continuar a escrever esse disparate constante. Jonas Almeida EXPERIENTE: Caro Mário, a imolação do próprio em nome do medo soa
ao argumento do abuso doméstico. Roberto34 MODERADOR: Jonas não é medo, é facto. Você é que não os aceita. Mario Coimbra INFLUENTE: Caro Jonas, não me parece ser medo. Agora o problema
é que uma federação não está na cabeça de ninguém. E enquanto assim for
temos que continuar a trabalhar do denominador comum e encontrarmos um sistema
que funcione. Eu sou europeísta convicto, moro em Bruxelas, mas mesmo assim
a ideia de federação assusta-me. Ainda temos muitos anos pela frente até haver
algum quadro comum em que isto seja possível. Ou então temos uma guerra e todos
dependemos do armamento francês e aí... cidadania 123 EXPERIENTE: Não concordo com as críticas à gestão da questão das
vacinas pela UE: sem essa opção, teria imperado a lei da oferta e procura que
as empresas privadas da saúde tanto gostam, e teríamos vacinas a preços
proibitivos , numa 1a fase, o que levaria os ricos a serem os primeiros na
vacinação, e os pobres para último. Percebo que exista pressa, mas este
processo não pode ser avaliado pela comparação com países como o Reino Unido,
EUA ou Emirados Árabes Unidos. Concordo absolutamente com a parte final: o
estado capturado por interesses partidários...
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