sábado, 27 de março de 2021

Joguemos na alternativa

Para afastar os temores que o pessimismo consciencioso de António Barreto nos traz, a respeito de uma União Europeia de fragilidade - ao contrário da intenção construtiva e solidária dos seus primórdios, de que certamente se abusou, na avidez deslumbrada, que não correspondeu totalmente à tentativa de uma União responsável, sobretudo por parte de países de fado triste, como o nosso… - cantemos, com Jorge Veiga, a velha canção brasileira que destrói ironicamente e alegremente hipóteses de seriedade, valentia ou outro qualquer parâmetro lisonjeiro. E vivamos felizes, sem pensarmos em desgraças.

Refrão:

Nem tudo que reluz é ouro
Oi, nem tudo que balança cai!
                     *
A moça que a gente conhece
Todo dia rezando na igreja,
Pode ser que ela seja uma santa
Mas também pode ser que não seja!

O moço que a gente conhece
Todo dia bebendo cerveja,
Pode ser que ele seja um pau-d'água
Mas também pode ser que não seja!


O homem que diz que não foge,
Que enfrenta sorrindo a peleja,
Pode ser que ele seja um valente
Mas também pode ser que não seja!

A flor que nasce no mangue
E no meio do lodo viceja,
Pode ser uma flor muito pura
Mas também pode ser que não seja!

Compositor: Antônio Almeida E Braguinha

OPINIÃO

Estado frágil de país vulnerável

Muito se tem feito para acudir, vacinar, tratar, prevenir e proteger. Mas temos de admitir que o muito foi pouco e o enorme insuficiente.

ANTÓNIO BARRETO

PÚBLICO, 27 de Março de 2021

A história das vacinas na Europa e no nosso país é um sinal dos tempos e dos caminhos que percorremos. Há um hiato entre Estado e União. Talvez um dia a transferência de poderes e de competências dos Estados nacionais para as instituições da União (comunitárias ou federais) esteja mais consumada, seja mais eficaz e não revele estes espaços vazios… Mas ainda não é verdade. Nem se sabe se um dia será. Como também não podemos prever que não haja recuos.

Há meses, acreditou-se que a força da União era finalmente superior à soma das forças dos Estados. Pensou-se que a cooperação europeia, pela primeira vez, em caso tão dramático e difícil, tinha levado a melhor sobre os “egoísmos” nacionais, termo que os virtuosos europeus tanto gostam de utilizar. Poucos meses depois, verificou-se o contrário. A força europeia era fragilidade. À autoridade moral e à força simbólica da União não correspondiam uma capacidade prática e uma agilidade operacional à altura dos acontecimentos. Mais uma vez se verifica que a entidade política europeia, carregada de reputação e prestígio, não tem poderes reais. Com um novo problema: no labirinto europeu, não se sabe onde está a responsabilidade.

Por outro lado, verificou-se também que os interesses nacionais (os que marcam as eleições e os que definem as democracias…) acordaram e sobrepuseram-se à ilusão federal europeia. Cada país tem tentado aproveitar o máximo do que a União pode dar, mas depois segue o seu caminho e tenta encontrar soluções próprias. A falta de vacinas e a deficiente capacidade produtiva industrial alertaram os governos que recearam, justificadamente, a reacção dos seus eleitorados. As dificuldades de negociação com as poderosas organizações privadas (tanto farmacêuticas, como industriais e comerciais) reforçaram a ideia de que a Europa corre permanentemente o risco de se ver reduzida à sua condição de “profeta desarmado” ou de “fidalgo arruinado”. É forçoso reconhecer que perderam as nações e os Estados, mas a Europa também. Muito se tem feito para acudir, vacinar, tratar, prevenir e proteger. Com grande dispêndio e enorme esforço humano. Mas temos de admitir que o muito foi pouco e o enorme insuficiente.

Este caso da pandemia e das vacinas é revelador do que pode ser uma situação equivoca, de transição entre um passado que já não é e um futuro que ninguém sabe o que pode ser. Há um vazio institucional e constitucional. Há um equívoco. Há uma terra de ninguém, local onde todos os desastres são possíveis. O lento definhamento dos Estados nacionais não é compensado ou substituído por uma União forte, democrática e prestigiada. Ficar a meio do caminho é geralmente perigoso. Manter a rota errada não é menos. Recuar é impossível. Só restam as hipóteses de corrigir, alterar e reformar.

Já não é a primeira vez que todos perdem, nações, Estados e Europa. A invasão do Iraque foi talvez uma dessas ocasiões. Mas eram tempos de guerra, pouco dados a clareza de visão, ainda por cima com a NATO e os Estados Unidos às costas. Desta vez, com as vacinas, não havia esses imponderáveis. E tudo parecia ter começado bem para a cooperação europeia. Um papel para a Comissão, outro para o Parlamento e outro ainda para o Conselho. E a colaboração dos Estados nacionais parecia assegurada. Tudo parecia ou levava a crer que havia paz e entendimento entre Estados, União, indústria, serviços financeiros e de transportes, autoridades sanitárias… Parecia… Em poucos meses, chegámos ao estado actual em que percebemos que não era verdade e que perderam todos.

Será que estamos apenas diante da conjuntura excepcional, irrepetível, da pandemia? Será que, passada esta, a Europa e as suas nações retomarão os seus grandes projectos de relançamento económico, de competição científica e tecnológica com o resto do mundo, de atracção irresistível dos povos emigrantes e refugiados? Seria bom pensar assim. Mas seria também errado. A pandemia e as suas consequências sociais e económicas, mais do que trazer consigo novas crises, revelaram as existentes, incluindo as adormecidas. Mostraram a fragilidade crescente dos Estados e dos países, considerados individualmente, acentuaram a vulnerabilidade da construção europeia no seu conjunto.

Não se acredite que os Estados europeus sejam fortes, têm poder, usufruem de grande autoridade e como tal são reconhecidos pelos seus cidadãos. Os Estados europeus não são fortes, são pesados. Nas suas obediências, dividem-se entre os privilegiados dos sectores públicos e os mandantes da economia e das finanças. Em graus diversos, é verdade, mas há muito que perderam a autoridade da sua força independente dos predadores. Não se acredite, pois, que, deixada a pandemia para trás, os Estados e a sua federação retomarão, sem profundas reformas, os seus papéis serenos de liderança e orientação. Até porque o mundo voltou a mudar em poucos anos. Depois da desgraça de Trump, nunca mais a América será o que foi ou poderia ter sido para os europeus. Por outro lado, o novo papel da China no mundo, conjugado com a velha função da Rússia, deixou a Europa em piores condições e sobre terreno frágil.

Parece ser indispensável, por causa das questões económicas e científicas, reforçar o papel da União. E, por causa da política e da democracia, voltar a dar aos Estados nacionais uma função política de relevo. Mais difícil ainda, fortalecer a ameaçada segurança europeia, tanto global como nacionalmente. Parece simples, mas não é. Regressar ao nacionalismo é um verdadeiro suicídio. E não se crê que possa ser democrático. Enveredar às cegas, como até agora, pelo federalismo e pela destruição do Estado nacional, dá mau resultado. Como se vê. E também não parece vigorosamente democrático.

O Estado não é forte de mais. É fraco e pesado. E frágil. Só é forte nos obstáculos que cria. E para favorecer os seus. O Estado com autoridade será o que cria condições, abre caminhos, deixa viver, incentiva e estimula. É o Estado capaz de voltar a ter competência técnica e capacidade científica. É o Estado que não se deixa prender por interesses económicos ou financeiros, sindicais ou partidários, muito menos por empresas de publicidade, sondagens, consultoria, engenharia financeira ou comunicação. É o Estado que protege quem necessita, sem favorecer os seus.

Sociólogo

TÓPICOS

EUROPA  UNIÃO EUROPEIA  DEMOCRACIA  ESTADO  PANDEMIA  COVID-19  CORONAVÍRUS

COMENTÁRIOS:

Jose MODERADOR: Não existe um Povo, Cultura, Identidade, Língua, nação europeia. A Europa do Atlântico aos Urais são muitos Povos, Culturas, Identidades, Línguas, nações e Estados. Não há união possível de identidades diferentes. A UE é uma soma de resultado negativo. Nunca existirá o "sonho europeu" para lá do sonho platónico. A UE porém não é inócua. É impotente, não tem autoridade de Estado, não é capaz de desferir um ataque militar como fazem os EUA, mas tem o poder de anexar e destruir economias através do BCE e seu poder agiota. A UE acabará com o reforço do Estado Francês e Alemão e o definhamento dos Estados que foram para a UE atrás de dinheiro grátis. Os que não caíram na arma do Euro sairão como o RU. Cada crise é um funeral do "sonho europeu. Não há Estados sem povo, nação, cultura, identidade!         Fowler Fowler  EXPERIENTE: A ligeireza e a superficialidade com que este comentador analisa (analisa?) a responsabilidade da UE e do Estado português na gestão da pandemia e vacinas podem, como diz Elisa Ferreira na pág.25, “confortar preconceitos ou garantir popularidade, mas não contribuem em nada para fazermos melhor, como comunidade, como país, como Europa”. Afinal, o que esperar de alguém que cultiva o individualismo (não confundir com liberdades individuais), o (neo)liberalismo, defendeu o ataque ao Iraque e não escreveu uma linha sobre a “desgraça” Trump durante o seu mandato do “America first”?   vpverissimo  INICIANTE: Achei o artigo interessante e merece reflexão. Será que a União Europeia Tem mesmo futuro?        Roberto34  MODERADOR: Terá o futuro que os cidadãos Europeus lhe derem. Cabe a nós decidir que futuro queremos para a UE.          Roberto34  MODERADOR: Lá está. A prova que a UE deveria seguir o caminho de mais integração e federalização, tornando-se mais ágil, competente e acima de tudo mais democrática. Se as primeiras eleições após os erros da vacinação na Holanda mostraram algum sinal é que os cidadãos não querem acabar com a UE como se viu pelo crescimento dos partidos mais Europeistas. Na Alemanha o crescimento dos Verdes Europeístas é também prova disso. Os cidadãos Europeus querem uma UE que funcione e políticos competentes.        Mario Coimbra  INFLUENTE: Caro AB, As críticas são justas mas é preciso reconhecer que estamos em águas revoltas. Nada disto é fácil. E os Estados não estão a ajudar. Hungria, Polónia, etc e indo e vindo a Itália e Espanha. A Comissão começou bem mas os Estados não queriam gastar tanto e agora estamos curtos. O problema é que na união os estados e cidadãos ainda não estamos na mesma base. E vai ser muito difícil lá chegarmos. O nosso denominador comum não é ainda suficiente para nós manobrar como um todo.          Jonas Almeida  EXPERIENTE: A UE carece de legitimidade, "Europe's Crisis of Legitimacy - Governing by Rules and Ruling by Numbers in the Eurozone" pela renomeada prof de ciências políticas Vivien Shmidt. Tem o ethos histórico de mais uma ditadura continental "Democracy a challenge to the European project - The EU is a doomed empire" pelo director emérito do Max Plank Inst para o estudo da sociedade Wolfgang Streeck. E é um cancro económico agarrado à economia de renda do neoliberalismo em colapso - ver "EuroTragedy: A Drama in Nine Acts" pelo renomeado prof de economia de Princeton, Mody, Ashoka. Como mostra mais esta crise, estamos perante todos os sintomas de uma suzerania a máfias de apparatchiks. A UE é uma porcaria de que nos devemos ver livres aproveitando a onda do Brexit. O país está a saque.           Mario Coimbra  INFLUENTE: Jonas, não se esqueça que sempre existiram Blocos que preferiam a não existência de uma EU. Os US á cabeça. A China seguramente e por aí além. Os países europeus sozinhos não conseguem impor-se. Talvez a Alemanha seja a excepção. Agora o trabalho ainda vai no adro e para chegarmos a bom porto vamos ter que abdicar de muito para não abdicarmos de tudo (nação). Roberto34  MODERADOR: Há muito por criticar na vacinação na Europa, mas o que escreveu não faz sentido absolutamente nenhum nem está relacionado com a questão da vacinação. Você mistura alhos com bugalhos como sempre. A UE precisa é de mais integração, tornar-se numa Federação. E rápido. Só iria beneficiar os cidadãos Europeus. E não existe nenhuma ditadura continental. Deixe lá de continuar a escrever esse disparate constante.          Jonas Almeida EXPERIENTE: Caro Mário, a imolação do próprio em nome do medo soa ao argumento do abuso doméstico.        Roberto34 MODERADOR: Jonas não é medo, é facto. Você é que não os aceita.     Mario Coimbra  INFLUENTE: Caro Jonas, não me parece ser medo. Agora o problema é que uma federação não está na cabeça de ninguém. E enquanto assim for temos que continuar a trabalhar do denominador comum e encontrarmos um sistema que funcione. Eu sou europeísta convicto, moro em Bruxelas, mas mesmo assim a ideia de federação assusta-me. Ainda temos muitos anos pela frente até haver algum quadro comum em que isto seja possível. Ou então temos uma guerra e todos dependemos do armamento francês e aí... cidadania 123  EXPERIENTE: Não concordo com as críticas à gestão da questão das vacinas pela UE: sem essa opção, teria imperado a lei da oferta e procura que as empresas privadas da saúde tanto gostam, e teríamos vacinas a preços proibitivos , numa 1a fase, o que levaria os ricos a serem os primeiros na vacinação, e os pobres para último. Percebo que exista pressa, mas este processo não pode ser avaliado pela comparação com países como o Reino Unido, EUA ou Emirados Árabes Unidos. Concordo absolutamente com a parte final: o estado capturado por interesses partidários...

  

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