sábado, 13 de março de 2021

Bagatelas

 

A beleza é, frequentemente, sinónimo de tragédia, que por vezes descamba em epopeia, caso da da Helena de Tróia (beleza, digo) a qual, por sinal, viveu primeiro em Esparta, por matrimónio com o rei Menelau e só depois é que se mudou para Tróia, em jeito reprovável, mas comandado pelo destino, por via dum Páris predestinado, e, por isso, a viver num monte, o que não obstou a que a raptasse, por efeito dum concurso de beleza olímpica que bem o tramou, com a história da mulher mais bela, segundo promessa da vitoriosa Afrodite. Helena acabaria por regressar à base espartana, provavelmente até já sem a designação de “a mais bela do mundo”, dez anos depois, que o tempo traz marcas da fugacidade da tal - beleza, repito - mas o topónimo Tróia para Helena, pegou, o que, de resto, Menelau bem desculpou, marido ponderado. Não é o caso das nossas rotundas, que podem embelezar ou não. Nunca me esqueço de uma espécie de estátua em Oliveira de Frades, num cruzamento de vias, representativa de uma simbólica oliveira mas que descambou em mamarracho, não sei se por analogia com os feijões da mesma estirpe no apelido, (que, aliás até são bem maneirinhos e saborosos, merecendo toda a nossa simpatia ambiental e gustativa), se por ironia anticlerical, de alguém menos afecto aos frades do sobrenome de cada uma dos respectivas designações – topónimo ou cereal. O certo é que o texto que segue, ditado por cabeça sensata e previdente – e também bela - a de Rita Penela – jamais poderia virar em epopeia, toda voltada para um conceito trágico de dispêndio financeiro de quem não tem mais para imaginar em gastos para o bem-estar social, do que as rotundas dos seus desvios. Por isso Rita Penela malha e massacra nos heróis dos nossos gastos pré-eleitorais, repetitiva e desgastante, sem outras histórias amorosas que as do amor pelo dinheiro ou dos conluios interpares, a descambar não em epopeia mas em tragédia – ou comédia, ao gosto do freguês.

 Para amenizar em cena de lírica ternura, pode-se sempre sugerir que talvez alguma criança se espante com a rotunda, tal como o filho de Heitor se assustou com o elmo do pai, quando este se despedia, na partida para a “Guerra de Tróia”, ante o sorriso dos pais, Heitor e Andrómaca, com a ama estendendo os braços ao bebé chorão. Mas de facto, quanto a nós, isso de rotundas embelezadoras dos sítios, é só mais uma tragédia esbanjadora entre tantas nossas… Puras niquices, aliás.

 

Em ano de eleições, autarquias já gastaram 6,6 milhões em rotundas / premium

Eleição não rima com rotunda, mas rima com inauguração. Autarquias de norte a sul parecem preferir obras nas ruas nos meses antes da ida às urnas. Em 5 meses mais de 6,6 milhões gastos em rotundas.

RITA PENELA : Texto

OBSERVADOR,  12 mar 2021

Ano de eleições é, por tradição, ano de obras. E na circulação rodoviária as rotundas parecem ser o fillet mignon das opções autárquicas. Neste último ano de mandato (que começou em Outubro) já se contam 42 ajustes directos relacionados com a construção ou reabilitação de rotundas mesmo a tempo de cortar a fita antes da ida às urnas. São 33 câmaras municipais e uma junta de freguesia que querem garantir que até à realização das autárquicas as ruas das localidades têm outra configuração e não há contenção de custos nesta área. São já mais de 6,6 milhões de euros investidos, mais dois milhões que em igual período do ano anterior (entre Outubro de 2019 e Março de 2020) e três vezes mais que no segundo ano de mandato. Entre Outubro de 2018 e Março de 2019 só 21 autarquias e uma freguesia apostaram no betão e o investimento pouco ultrapassava os dois milhões de euros.

É uma verdadeira escalada no investimento em obras desde que o mandato autárquico começa — em Outubro de 2017 — e a data das eleições deste ano que se aproxima. Os gastos neste tipo de infra-estruturas são significativamente mais comedidos no início do trabalho dos autarcas e neste último ano dispararam. Nos primeiros cinco meses depois da tomada de posse, em 2017, só 17 autarquias decidiram avançar para obras em rotundas, lembre-se que este ano já são mais de 40. Em 18 ajustes  (já que o município de Coruche fez duas intervenções logo nesses primeiros cinco meses) gastaram 1.072.684,59 euros em obras relacionadas com as rotundas. Em Portimão, por exemplo, Isilda Gomes avançou logo para a “recuperação da fonte da rotunda dos Três Castelos” (gastando 37 mil euros) e Carlos Carreiras — em Cascais — teve a obra com um custo mais elevado. Foram precisos 149.965,50 euros para construir uma rotunda na Avenida Gago Coutinho, na Parede.

A pesquisa no portal Base pode ser feita de duas formas. Através da palavra chave ‘rotunda’ ou pelo CPV respectivo. O CPV relativo à construção de rotundas, em toda a União Europeia, é o ‘45233128-2’, ainda assim não cabem nesta categoria os trabalhos de arranjos urbanísticos ou jardinagem, tão comuns nas estradas e rotundas do país. Nem a requalificação da fonte ornamental da rotunda do Olival Basto, no concelho de Odivelas, que custou mais de 37 mil euros, ou as duas esculturas para as rotundas nas entradas da cidade do futebol, em Oeiras, que custaram 350 mil euros ao executivo liderado por Isaltino Morais. Feitas as contas há milhares de euros investidos não só na construção das rotundas, mas também no respectivo embelezamento e manutenção.

Centenas de milhares de euros para fontes, estátuas e intervenções paisagísticas nas rotundas

Só neste último ano do mandato, desde Outubro, já são quase 180 mil euros investidos em embelezamento de jardins — se é que assim se podem chamar, já que existem apenas dentro de uma estrutura que é constantemente circundada por veículos —, nas paredes por perto e nos elementos que estão instalados nas rotundas. No Algarve, por exemplo, o município de Albufeira investiu recentemente 15.500 euros para reparar a escultura que existe na rotunda dos relógios, numa das artérias principais da cidade, depois de já ter reparado a fixação de dois dos golfinhos de uma rotunda ali bem perto por cerca de oito mil euros. A cidade até pode ser conhecida pela originalidade nas instalações das rotundas — e respectivos nomes —, mas a manutenção das mesmas não é simples. Em Portimão a autarquia decidiu pagar mais de 36 mil euros para a “recuperação electromecânica de fonte seca na Rotunda da Marina”.

Ainda assim, são valores bem distantes daqueles que a autarquia de Oeiras investiu em apenas duas esculturas para rotundas, com temas alusivos ao futebol. A inauguração das instalações artísticas foi feita com pompa e circunstância, mereceu até a presença do presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, mas as esculturas exigiram um investimento avultado à autarquia: 350 mil euros. A escultura para a rotunda sul da Cidade do Futebol de Caxias custou 200 mil euros e, para a entrada norte, foi comprada outra escultura por 150 mil euros. Ambas as esculturas foram adjudicadas ao artista plástico Júlio Quaresma já repetente na escolha do executivo de Isaltino Morais.

Mas a autarquia de Oeiras não se contentou com o investimento nas duas rotundas junto à cidade do futebol e decidiu, sob o mesmo tema ‘futebol’ comprar outra escultura — ou monumento, como a ela se referem — ao Centro Internacional de Escultura (um estreante nos ajustes directos), que custou mais 75 mil euros. Feitas as contas, em três rotundas, a câmara de Oeiras gastou 425 mil euros só nas esculturas.

Voltando aos custos realizados em plena pandemia e nos últimos meses do actual mandato dos executivos municipais. A autarquia comunista de Loures investiu 7.151 euros em plantas para a rotunda junto à bomba de gasolina da BP e à entrada da autoestrada 8 (A8). Já o Seixal, também uma autarquia liderada pelo PCP, decidiu investir num “elemento escultórico” que custou 12.500 euros e, para reabilitar a fonte luminosa, o município de Anadia pagou quase 15 mil euros. De volta à área metropolitana de Lisboa, o executivo socialista de Odivelas avançou no final de Janeiro com a “requalificação da fonte ornamental da rotunda do Olival Basto”, obra que lhe custou mais de 37 mil euros.

A intervenção na Estrada Nacional 10 não se ficou apenas pelo asfalto ou passeios e a autarquia de Vila Franca de Xira decidiu avançar com ajustes para embelezar as rotundas e área circundante. Os dois ajustes mais recentes foram publicados no mês de janeiro, ainda que um deles tenha sido assinado em novembro e o outro em janeiro. A autarquia definiu exactamente qual a apresentação que a rotunda da Bolonha e dos Caniços deviam ter e pagou mais de 39 mil euros à empresa Perfil esboço para que concretizassem essa visão num prazo de 150 dias. Já a rotunda da Abrunheira, no Forte da Casa, vai passar a ter uma obra de Rodrigo Nunes, o artista conhecido por Vile, naquela que é a terceira colaboração com a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, cidade onde nasceu e ainda vive. Depois do mural do cevadeiro, na entrada sul da cidade, e das escolas de Póvoa de Santa Iria, agora o espaço reservado pela autarquia para o artista fica junto à rotunda da Abrunheira no Forte da Casa.

Obras nas rotundas aumentam à medida que as eleições se aproximam

Seis milhões, seiscentos e vinte e quatro mil e quarenta e quatro euros. É este o valor já adjudicado por 33 câmaras municipais e uma freguesia desde Outubro. É o último ano do actual mandato a diferença no investimento neste tipo de infra-estruturas torna-se clara se comparada com os anos anteriores. Se este ano se contam 42 ajustes, no mesmo período de tempo do ano anterior eram 23, pouco mais de metade. No ano anterior (que teve início em Outubro de 2018 e até ao início de Março de 2019) as autarquias tinham gastado cerca de 2,3 milhões de euros, um valor bastante inferior aos atuais 6,6, mas ainda assim dobrava o investimento do primeiro ano de mandato.

Logo depois da tomada de posse, em 2017, e até Março de 2018 17 autarquias avançaram para ajustes directos relacionados com rotundas. Penafiel  (autarquia que tem o democrata-cristão Antonino Sousa a liderar) decidiu avançar logo no início de Dezembro com “arranjos urbanísticos” de forma a integrar na paisagem “as rotundas da variante”. Uma obra com um custo de mais de 99 mil e 500 euros, um valor muito próximo ao que a autarquia socialista no Barreiro pagou para a “requalificação Paisagística da Rotunda do Salineiro e Passeio Adjacente”.

Em Corucheescultura para a rotunda do monte da barca e uma intervenção numa rotunda — não especificada no contrato ou nos detalhes do ajuste directo — custaram mais de 96 mil euros (dos quais 74.500 foram pagos à empresa Sofalca para uma “peça escultórica”).

E, apesar dos elevados custos envolvidos na construção de rotundas, nem tudo parece correr bem à primeira. Que o diga a Câmara Municipal de Santo Tirso que, depois de adjudicar à empresa Edilages um contrato de mais de 1,6 milhões de euros, menos de dois anos depois contratou novamente a mesma empresa para, por mais 252 mil euros “suprir erros e omissões” na mesma obra. Em causa do nó da variante à Estrada Nacional 105, uma obra que custou à autarquia cerca de 1,9 milhões de euros — com a comparticipação de 600 mil euros da Infra-estuturas de Portugal —, inserida no Plano de Mobilidade Sustentável do Município, uma das bandeiras do executivo socialista.

O ajuste mais dispendioso feito até ao momento é o do pelo executivo comunista de Loures. Bernardino Soares conseguiu que a construção da rotunda de A-das-Lebres (e o “reperfilamento da via que liga o Infantado ao actual cruzamento para A-das-Lebres”) fosse aprovada pela câmara municipal no final de Setembro de 2020 e o ajuste à empresa Protecnil foi fechado por cerca de 1,4 milhões de euros menos de um mês depois, em Outubro. O que significa que, caso o prazo de execução de 242 dias seja cumprido, a obra deverá estar concluída em Junho, mesmo a tempo da inauguração antes da nova corrida eleitoral às autarquias.

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COMENTÁRIOS:

Joaquim Albano Duarte: E depois temos escolas sem condições mínimas de trabalho, salas mal iluminadas, sem climatização, sem mobiliário adequado, sem equipamentos de jeito. Enfim, são estas as prioridades.   Mário Brás: A rotunda é uma boa imagem de Portugal. Anda-se ás voltas, ás voltas muda-se de faixa e não se consegue encontrar uma saída.            bento guerra: A "roltundite" de Viseu contamina o resto do país,que é rotundamente abúlico             Manuel Ferreira21 > bento guerra: enso que o lugar pertence a Viseu e o 2º lugar em rotundas pertence a São João da Madeira. As que me custam mais a fazer são as da Mealhada, depois de almoço de 3 horas de leitão, quendo tenho de regressar à A1 para Sul ou para Norte.            bento guerra > Manuel Ferreira21: Aí tem de  ter cuidado, não vá bater no pilar central, que tem um leitãozinho no topo, uma das maiores pirosadas deste país         Antonio Tavares; Os políticos gostam de utilizar os negócios do imobiliário, os negócios da construção civil, os negócios do ambiente e dos espaços verdes para fazer propaganda política com o dinheiro do estado e podendo também  contribuir para os negócios dos "amigos" e/ou "sócios" que têm actividade nessas áreas.           Luciano Barreira. O problema não é o gasto nas rotundas, a qualidade dos projectos é que devia ser questionada. Mas isso, ninguém faz, apenas se critica o superficial com um sentido crítico precário por pouco fundamentado.            Maria Clotilde Osório > Luciano Barreira: Vivo num barraco e construo uma piscina ao lado do dito. E o importante é questionar a localização da dita piscina e a qualidade da mesma? Não. O artigo põe o dedo na ferida. Com tanta habitação social a necessitar de obras, de melhoria das condições de eficiência energética e "embelezamento" do seu exterior, fugas nas condutas de água da rede pública, etc ...  investir em projectos com "qualidade" para rotundas? A sério?            Luciano Barreira > Maria Clotilde Osório: Não é a qualidade das rotundas, porque a acção das câmara não se limita a rotundas, mas a generalidade das intervenções do espaço público das cidades. Em  vez de requalificar verdadeiramente os espaços, as obras introduzem pavimentos caros e mobiliário urbano inútil. O saneamento básico e a habitação social é outra conversa.          José Monteiro: Rotundas, pavilhões desportivos, piscinas*, what else... Mini ginásios ao ar livre, com meia dúzia de aparelhos caros, um por cada bairro, em cada Junta de Freguesia, Belém like. Numa zona, a meia centena de metros de escola primária, onde a direcção terá dificuldades de poder reparar de imediato, um vidro partido. * A semeada no Restelo by demagogo Santana Lopes... como ajuda ao encerramento do complexo olímpico do Belenenses, agora em ruínas. Sem Tutela, a dívida espera pelo futuro.              João Uva: Só 6,6 milhões , isso foi o gasto aqui em Setúbal faltam muitos milhõe .      Manuel Ferreira21: Brilhante trabalho! Se formos ver o PRR, com cuidado, lá encontraremos muitas obras destas  ou similares para serem feitas com o dinheiro da "bazuca". Para os distraídos, em Espanha e no Brasil, as "luvas" andam pelos 3% do valor bruto da obra, em Portugal não sei.          Fernando Fernandes: As autarquias são reforma para uns, lugares de boys e analfabetos. Quando os governos querem aumentar o poder e transferências para as autarquias, eles sabem que o dinheiro vai ser muito mal empregue, mal gerido, no entanto, precisam deste modelo para se manterem no poleiro. Claro que não sei a percentagem, mas andando pelo País, é fácil ver que a incompetência reina e continuará a reinar em quase todos os municípios do País. Vai mudar? Claro que não! As autarquias são um dos maiores empregadores do País, um lugar sempre disponível para os amigos do partido, da família, dos corruptos que, infelizmente, abundam. Se alguém analisasse as contas, veria as rotundas, mas também abortos colocados em praças, largos, jardins que mais não são do que milhões que saem dos cofres para alimentar o sistema e meia dúzia de chicos espertos. Por ora, indicam-se nomes sonantes para as câmaras. Mas centenas serão tipos completamente incapazes de gerir uma oficina, quanto mais uma freguesia, câmara, município. Mas todos irão votar, mantendo a nossa democracia abaixo do esperado, sem melhoria, sempre a alimentar os mesmos de sempre.          José Monteiro > Fernando Fernandes: A luta continua...o crime também. A dívida seja connosco. Do aperto da Tróika, ás farturas social-democratas de pendor socialista. Liberdade de endividamento ou morte.               Chapada de luva branca recheada de mão peluda:  Com papas, bolos e rotundas se enganam os tolos.          Jose Fonseca: Bem, De qualquer modo são preferíveis as rotundas a fardas para motoristas ou vinhos (copos e mulheres como dizia o holandês).         M M: E os partidos não param de falar em regionalização. Claro: é mais fácil fazer rotundas do que gastar dinheiro onde é realmente preciso 

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