A beleza é, frequentemente, sinónimo de
tragédia, que por vezes descamba em epopeia, caso da da Helena de Tróia
(beleza, digo) a qual, por sinal, viveu primeiro em Esparta, por matrimónio com
o rei Menelau e só depois é que se mudou para Tróia, em jeito reprovável, mas
comandado pelo destino, por via dum Páris predestinado, e, por isso, a viver
num monte, o que não obstou a que a raptasse, por efeito dum concurso de beleza
olímpica que bem o tramou, com a história da mulher mais bela, segundo promessa da vitoriosa
Afrodite. Helena acabaria por regressar à base espartana, provavelmente até já
sem a designação de “a mais bela do mundo”, dez anos depois, que o tempo traz marcas
da fugacidade da tal - beleza, repito - mas o topónimo Tróia para Helena, pegou,
o que, de resto, Menelau bem desculpou, marido ponderado. Não é o caso
das nossas rotundas, que podem embelezar ou não. Nunca me esqueço de uma espécie
de estátua em Oliveira de Frades, num cruzamento de vias, representativa de uma
simbólica oliveira mas que descambou em mamarracho, não sei se por analogia com
os feijões da mesma estirpe no apelido, (que, aliás até são bem maneirinhos e
saborosos, merecendo toda a nossa simpatia ambiental e gustativa), se por
ironia anticlerical, de alguém menos afecto aos frades do sobrenome de cada uma
dos respectivas designações – topónimo ou cereal. O certo é que o texto que segue, ditado por cabeça sensata e previdente – e também bela - a de Rita Penela – jamais poderia virar em epopeia, toda
voltada para um conceito trágico de dispêndio financeiro de quem não tem mais
para imaginar em gastos para o bem-estar social, do que as rotundas dos seus
desvios. Por isso Rita Penela malha e
massacra nos heróis dos nossos gastos pré-eleitorais, repetitiva e desgastante,
sem outras histórias amorosas que as do amor pelo dinheiro ou dos conluios
interpares, a descambar não em epopeia mas em tragédia – ou comédia, ao gosto
do freguês.
Para
amenizar em cena de lírica ternura, pode-se sempre sugerir que talvez alguma
criança se espante com a rotunda, tal como o filho de Heitor se assustou com o elmo
do pai, quando este se despedia, na partida para a “Guerra de Tróia”, ante o sorriso
dos pais, Heitor e Andrómaca, com a ama estendendo os braços ao bebé chorão. Mas
de facto, quanto a nós, isso de rotundas embelezadoras dos sítios, é só mais
uma tragédia esbanjadora entre tantas nossas… Puras niquices, aliás.
Em ano de eleições, autarquias já
gastaram 6,6 milhões em rotundas / premium
Eleição não rima com rotunda, mas rima com inauguração.
Autarquias de norte a sul parecem preferir obras nas ruas nos meses antes da
ida às urnas. Em 5 meses mais de 6,6 milhões gastos em rotundas.
OBSERVADOR, 12 mar 2021
Ano
de eleições é, por tradição, ano de obras. E na circulação rodoviária as
rotundas parecem ser o fillet mignon das opções autárquicas. Neste último ano de mandato (que começou em Outubro)
já se contam 42 ajustes directos relacionados com a construção ou reabilitação
de rotundas mesmo a tempo de cortar a fita antes da ida às urnas. São 33
câmaras municipais e uma junta de freguesia que querem garantir que até à
realização das autárquicas as ruas das localidades têm outra configuração e não
há contenção de custos nesta área. São já mais de 6,6 milhões de euros
investidos, mais dois milhões que em igual período do ano anterior (entre
Outubro de 2019 e Março de 2020) e três vezes mais que no segundo ano de
mandato. Entre Outubro de 2018 e Março de 2019 só 21 autarquias e uma freguesia
apostaram no betão e o investimento pouco ultrapassava os dois milhões de
euros.
É
uma verdadeira escalada no investimento em obras desde que o mandato autárquico
começa — em Outubro de 2017 — e a data das eleições deste ano que se
aproxima. Os gastos neste tipo de infra-estruturas são significativamente mais
comedidos no início do trabalho dos autarcas e neste último ano dispararam. Nos
primeiros cinco meses depois da tomada de posse, em 2017, só 17
autarquias decidiram avançar para obras em rotundas, lembre-se que este
ano já são mais de 40. Em 18 ajustes (já que o município de
Coruche fez duas intervenções logo nesses primeiros cinco meses) gastaram
1.072.684,59 euros em obras relacionadas com as rotundas. Em Portimão, por exemplo, Isilda Gomes avançou logo para a “recuperação da fonte da rotunda dos Três Castelos”
(gastando 37 mil euros) e Carlos Carreiras —
em Cascais — teve a
obra com um custo mais elevado. Foram precisos 149.965,50 euros para
construir uma rotunda na Avenida Gago Coutinho, na Parede.
A
pesquisa no portal Base pode ser feita de duas formas. Através da palavra chave
‘rotunda’ ou pelo CPV respectivo. O CPV relativo à construção de rotundas, em
toda a União Europeia, é o ‘45233128-2’, ainda assim não cabem nesta categoria
os trabalhos de arranjos urbanísticos ou jardinagem, tão comuns nas estradas e
rotundas do país. Nem a requalificação da fonte ornamental da rotunda do
Olival Basto, no concelho de Odivelas, que custou mais de 37 mil
euros, ou as duas esculturas para as rotundas nas entradas da cidade do
futebol, em Oeiras, que custaram 350 mil euros ao executivo liderado por
Isaltino Morais. Feitas as contas há milhares de euros investidos não só na
construção das rotundas, mas também no respectivo embelezamento e manutenção.
Centenas de milhares de euros para
fontes, estátuas e intervenções paisagísticas nas rotundas
Só
neste último ano do mandato, desde Outubro, já são quase 180 mil euros
investidos em embelezamento de jardins — se é que assim se podem chamar, já que
existem apenas dentro de uma estrutura que é constantemente circundada por
veículos —, nas paredes por perto e nos elementos que estão instalados nas
rotundas. No Algarve, por exemplo, o município de Albufeira investiu
recentemente 15.500 euros para reparar a escultura que existe na rotunda dos relógios,
numa das artérias principais da cidade, depois de já ter reparado a fixação de
dois dos golfinhos de uma
rotunda ali bem perto por cerca de oito mil euros. A cidade até pode ser
conhecida pela originalidade nas instalações das rotundas — e respectivos nomes
—, mas a manutenção das mesmas não é simples. Em Portimão a autarquia
decidiu pagar mais de 36 mil euros para
a “recuperação electromecânica de fonte seca na Rotunda da Marina”.
Ainda
assim, são valores bem distantes daqueles que a autarquia de Oeiras investiu
em apenas duas esculturas para rotundas, com temas alusivos ao futebol. A inauguração das instalações artísticas foi feita
com pompa e circunstância, mereceu até a presença do presidente da Federação
Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, mas as esculturas exigiram um investimento
avultado à autarquia: 350 mil euros. A escultura para a rotunda sul da
Cidade do Futebol de Caxias custou 200 mil euros e, para a entrada norte, foi
comprada outra escultura por 150 mil euros. Ambas as esculturas foram adjudicadas
ao artista plástico Júlio Quaresma já
repetente na escolha do executivo de Isaltino Morais.
Mas
a autarquia de Oeiras não se contentou com o investimento nas duas rotundas
junto à cidade do futebol e decidiu, sob o mesmo tema ‘futebol’ comprar outra
escultura — ou monumento, como a ela se referem — ao Centro Internacional de
Escultura (um estreante nos ajustes directos), que custou mais 75 mil euros.
Feitas as contas, em três rotundas, a câmara de Oeiras gastou 425 mil
euros só nas esculturas.
Voltando aos custos realizados em plena pandemia e nos últimos meses
do actual mandato dos executivos municipais. A
autarquia comunista de Loures investiu 7.151 euros em plantas para
a rotunda junto à bomba de gasolina da BP e à entrada da autoestrada 8 (A8).
Já o Seixal, também uma autarquia liderada pelo PCP, decidiu investir num
“elemento escultórico” que custou 12.500 euros e,
para reabilitar a fonte luminosa, o município de Anadia pagou
quase 15 mil euros. De volta à área metropolitana de Lisboa, o executivo
socialista de Odivelas avançou no final de Janeiro com a “requalificação da
fonte ornamental da rotunda do Olival Basto”, obra que lhe custou mais de
37 mil euros.
A
intervenção na Estrada Nacional 10
não se ficou apenas pelo asfalto ou passeios e a autarquia de Vila Franca de
Xira decidiu avançar com ajustes para embelezar as rotundas e área circundante. Os dois ajustes mais recentes foram publicados no
mês de janeiro, ainda que um deles tenha sido assinado em novembro e o outro em
janeiro. A autarquia definiu exactamente qual a apresentação que a rotunda da
Bolonha e dos Caniços deviam ter e pagou mais de 39 mil euros à empresa Perfil esboço para
que concretizassem essa visão num prazo de 150 dias. Já a rotunda da
Abrunheira, no Forte da Casa, vai passar a ter uma obra de Rodrigo Nunes, o
artista conhecido por Vile, naquela que é a terceira colaboração com a Câmara
Municipal de Vila Franca de Xira, cidade onde nasceu e ainda vive. Depois do
mural do cevadeiro, na entrada sul da cidade, e das escolas de Póvoa de Santa
Iria, agora o espaço reservado pela autarquia para o artista fica junto à
rotunda da Abrunheira no Forte da Casa.
Obras nas rotundas aumentam à medida
que as eleições se aproximam
Seis milhões, seiscentos e vinte e quatro mil e quarenta e quatro
euros. É este o valor já adjudicado por 33
câmaras municipais e uma freguesia desde Outubro. É o
último ano do actual mandato a diferença no investimento neste tipo de infra-estruturas
torna-se clara se comparada com os anos anteriores. Se este ano se contam 42 ajustes, no mesmo período
de tempo do ano anterior eram 23, pouco mais de metade. No ano anterior
(que teve início em Outubro de 2018 e até ao início de Março de 2019) as
autarquias tinham gastado cerca de 2,3 milhões de euros, um valor bastante
inferior aos atuais 6,6, mas ainda assim dobrava o investimento do primeiro ano
de mandato.
Logo
depois da tomada de posse, em 2017, e até Março de 2018 17 autarquias avançaram
para ajustes directos relacionados com rotundas. Penafiel (autarquia
que tem o democrata-cristão Antonino Sousa a liderar) decidiu avançar
logo no início de Dezembro com “arranjos urbanísticos” de forma a integrar
na paisagem “as rotundas da variante”. Uma obra com um custo de mais de 99 mil e 500 euros, um
valor muito próximo ao que a autarquia socialista no Barreiro pagou para
a “requalificação Paisagística da
Rotunda do Salineiro e Passeio Adjacente”.
Em
Coruche a escultura para a rotunda do monte da barca e uma
intervenção numa rotunda — não especificada no contrato ou nos
detalhes do ajuste directo — custaram mais de 96 mil euros (dos quais 74.500
foram pagos à empresa Sofalca para uma “peça escultórica”).
E,
apesar dos elevados custos envolvidos na construção de rotundas, nem tudo
parece correr bem à primeira. Que
o diga a Câmara Municipal de Santo Tirso que, depois de adjudicar à empresa
Edilages um contrato de mais de 1,6 milhões de euros, menos de dois anos depois
contratou novamente a mesma empresa para, por mais 252 mil euros “suprir
erros e omissões” na mesma obra. Em causa do nó da variante à Estrada
Nacional 105, uma obra que custou à autarquia cerca de 1,9 milhões de euros —
com a comparticipação de 600 mil euros da Infra-estuturas de Portugal —,
inserida no Plano de Mobilidade Sustentável do Município, uma das bandeiras do
executivo socialista.
O
ajuste mais dispendioso feito até ao momento é o do pelo executivo comunista de
Loures. Bernardino Soares conseguiu que a construção da rotunda de A-das-Lebres
(e o “reperfilamento da via que liga o Infantado ao actual cruzamento para
A-das-Lebres”) fosse aprovada pela câmara municipal no final de Setembro de
2020 e o ajuste à empresa Protecnil foi fechado por cerca de 1,4 milhões de euros
menos de um mês depois, em Outubro. O que significa que, caso o prazo de
execução de 242 dias seja cumprido, a obra deverá estar concluída em Junho, mesmo
a tempo da inauguração antes da nova corrida eleitoral às autarquias.
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