quinta-feira, 11 de março de 2021

Problemas etimológicos


Quem havia de dizer que teste e testículo provêm da mesma fonte etimológica, como afirma o Dr. Salles, que logo me pôs a consultar o dicionário etimológico, ficando-me pelos da Internet, de mais fácil transcrição. Nunca tinha pensado no caso, e achei que o Dr. Salles estava a exceder-se nos campos semânticos, para contar a sua graciosa história, com que pretende mostrar uma excelente disposição, na véspera de uma operação que, para todos os efeitos, não deixa de infundir receios, mas que será mais uma prova do avanço da medicina e da cirurgia, pois vai correr como todos nós desejamos, para continuarmos a ler as suas análises críticas e as suas histórias de vida bem- humoradas, a disfarçar, por vezes, outros “états d’âme” mais agrestes. Mas sim, ela lá estava, a etimologia, bem escarrapachada, a demonstrar o “testemunho” de virilidade assente na palavra “testículo”, pois, pelo sim, pelo não, fui consultar a Internet, onde encontrei a explicação a confirmar o “sei que nada sei” do meu complexo, e cujos dados porei no fim.

Mas do textoO prego” de Salles da Fonseca resultou ainda o meu receio sobre hipotéticos idênticos escrúpulos que poderiam ter assaltado o nosso PR sobre o mesmo teste da Covid 19, com toda a visibilidade corporal de que ele é habitualmente protagonista, caso o teste não se ficasse pela «cotonete até à base frontal da consciência», - como no caso de Salles da Fonseca, - o que não impediu, contudo, que lhe admirássemos as partes do arcaboiço, a que, de resto, já estamos habituados, com os seus mergulhos marítimos. Mas felizmente que não foi preciso o prego, nesse caso. Quanto ao Dr. Salles, sem a mesma projecção de visibilidade mediática, não haveria esse receio, ficaria tudo inter pares, lá pelo gabinete sem prego… Bastaria a anedota, a sugerir.

O PREGO

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 09.03.21

Foi lá pela segunda metade do séc. XX que em Portugal se iniciou a inseminação artificial das vacas leiteiras, época a partir da qual os Veterinários de província tiveram que passar a visitar tudo quanto era estábulo leiteiro por esse país além…

Remonta a essas épocas primevas da dita técnica a história que se conta do Veterinário que foi inseminar artificialmente as vacas de um casal já velhote de agricultores minhotos. Chegado ao local, recebido pelo casal anfitrião, logo foi conduzido ao estábulo. Eram duas as vacas a beneficiar. Poisada algures a instrumentália apropriada ao acto, tomou o Veterinário a iniciativa de tirar a camisa para poder usar as mãos e os braços depois de apropriadamente ensaboados para melhor fluírem no interior das vacas sem o estorvo das mangas e sem bulir com as partes a manipular.

E o par de velhotes, nada percebendo do que se passaria de seguida e só conhecendo o método reprodutivo que consta da Natureza, esperava que o Veterinário se aprontasse para a função… Então, solícito, o agricultor logo foi dizendo que, «para pendurar as calças, o Senhor Doutor tem ali aquele prego».

* *

Foi desta história que hoje me lembrei quando me dirigi a um famoso laboratório de análises clínicas para fazer o «teste do Covid», exame prévio este que é legalmente imprescindível para a intervenção cirúrgica a realizar dentro de dois dias.

Ao entrar no gabinete em que o «teste» se realizaria, fiz a parte de procurar o cabide ou, no mínimo, o prego na parede. Vendo-me indeciso, uma das Técnicas presentes perguntou-me o que eu procurava. Respondi-lhe que procurava o prego para pendurar as calças.

- Pendurar as calças para quê?

- Para não se amarrotarem quando as tirar.

- Mas não precisa de tirar as calças.

- Como assim? Não pretendem fazer-me um «teste»?

- Sim, claro, mas não precisa de tirar as calças.

- Então?

- Qual é a dúvida que o Senhor Fonseca tem?

- A questão está em que «teste» tem a ver com testículo e, para me fazerem essa observação, vou ter que tirar as calças. Ou serão as Senhoras já tão experientes que vos basta um golpe de vista mesmo por cima das calças?

A gargalhada da Técnica da conversa foi mesmo hilariante, a outra que estava ao lado esboçou um sorriso de quem não alcançou a etimologia e a terceira manteve-se sisuda como se o seu mentor religioso, seguramente paulino, não lhe permitisse humores carnais.

Posto o que me enfiaram uma cotonete até à base frontal da consciência e me mandaram em paz.

Ao sair, a hilária ainda me agradeceu a aula de português e confirmou que naquele gabinete só se fazem exames e não testes.

E o prego não estava lá.

Lisboa, 9 de Março de 2021         Henrique Salles da Fonseca

Tags: humor

COMENTÁRIOS:

Anónimo 09.03.2021 Gostei da cotonete até a base frontal da consciência. Ficou uma dúvida: como se pode fazer o teste, por exemplo ao PR ou ao PM dois inconscientes?        Anónimo 10.03.2021: Sr. Dr. Salles, não há dúvida que tem um refinado sentido do humor, o que, aliás, transparece em quase todos os seus escritos. E isso vale muito nesta altura em que os especialistas dizem que podemos precisar de ajuda de psicólogos para não nos darmos em maluquinhos com o confinamento. Eu acho isso um exagero, só explicável nestes tempos em que reclamos tudo e mais alguma coisa, esquecendo aquela máxima de Kennedy: pergunta o que podes fazer pelo teu país antes de saber o que ele pode fazer por ti. Foi mais ou menos isto, não é? Olhe, ri-me bastante com o que contou e isso é, sem dúvida, uma boa ajuda para a saúde mental dos seus leitores. Como deu a conhecer a razão por que foi fazer o teste da Covid, faço os meus melhores votos pelo bom sucesso da cirurgia a que vai ser submetido o seu órgão visual.        Anónimo 10.03.2021: Hilariante. Boa sorte na intervenção cirúrgica a que se vai submeter. Sugestão - gostaria ver o blog de hoje no SPG. António Fonseca         Miguel Magalhaes, 10.03.2021: Muito boa. Henrique.     Anónimo  11.03.2021:   Henrique Salles da Fonseca,: Julgo que deve saber. Este teste de PCR não serve para diagnosticar doença infecciosa alguma: segundo o seu inventor e, mais tarde, prémio Nobel. Está tudo escrito, preto no branco. Não passa de mais uma negociata para enganar ignorantes. Todos os governos do agónico Ocidente o usam. Quem sabe Biologia [como eu, gaba-te cesto] sabe que é uma avultada ($$$) tanga. Acompanhei dezenas de doentes que acreditavam em mim em cirurgias oculares. Nem uma análise de sífilis lhes faziam... Claro que vai ficar bem. Abraço respeitoso.   

Henrique Salles da Fonseca  12.03.2021: Como diria Karl Popper, «só nos resta ir para o Inferno» quando se lhe apresentava uma situação aparentemente irresolúvel. Mas eu tenho duas certezas:

1. A de que NADA sei de Biologia para além de que a maçã tem lagarta;

2. A de que há gente muito mais inteligente e sabedora do que eu que há-de vestir o «rei que vai nu».
No mundo livre, o mal não há-de ter a última palavra. Entretanto, eu vivo entre a gratidão (pela bondade alheia) e a compaixão (para com o que e quem me rodeia).

Continuemos...

NOTAS DA INTERNET

A origem das palavras testemunha e testículo

«Testigos, também é testículos.»: …..”É verdade que há uma relação entre as palavras testemunha e testículos. No latim havia duas palavras homónimas testis, ambas masculinas. Uma designava a testemunha; outra, o testículo; esta segunda surgia quase sempre no plural sob a forma testes.

A palavra testiculu-, nos dicionários de latim Gaffiot, Hachette e da Porto Editora, por exemplo, é apresentada como diminutivo do segundo verbete de testis, indicado como testis 2, ou seja, diminutivo de testículo… Mas também devia ser usada para designar testemunha, pois só assim se explica que a palavra principal para referir testemunha no castelhano seja testigo, palavra que, aliás, José Pedro Machado, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, também indica para o português (embora pareça contestável que a sua origem seja castelhana, pois ela tem exactamente a mesma evolução que artigo, a partir de articulu. Pode muito bem ter evoluído a partir do latim e depois ter caído em desuso…).

No português moderno verificou-se um fenómeno de divergência entre as palavras: para designar testemunha criou-se uma palavra feminina a partir do neutro testimoniu, e o diminutivo testículo deu origem a testículo por via erudita (quem diria?). Os espanhóis, por seu lado, aproveitaram a palavra que evoluiu por via popular – testigo – para indicar a testemunha e, tal como nós, usam a que nos chegou por via erudita para referir testículo. As línguas têm destas coisas. Por isso são tão apaixonantes!

As palavras testículo e testemunha têm, afinal, uma origem próxima: «testis 1 – testemunha; testis 2– testículo.»

Por via das dúvidas, acrescento a versão italiana, mais explícita a respeito do “testemunho” da tal virilidade:

Testìcolo (Vocabolario on line)

Testìcolo s. m. [dal lat. testicŭlus, dim. Di testis (che ha lo stesso sign.), propr. «testimone» (della virilità, o dell’atto sessuale)].1. In anatomia e in fisiologia umana e comparata, la gonade maschile nella quale ha luogo la spermatogenesi e la produzione degli ormoni sessuali maschili.

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