terça-feira, 30 de março de 2021

Gota de água


Da Internet extraio os dois textos que seguem, - o soneto de Florbela Espanca às Árvores do Alentejo, e o texto em prosa sobre a importância do velho sobreiro, descascado, que fornece a este país, desde há muito, as rolhas do seu sustento, servindo a cortiça, além do “vinho do Porto” e do azeite, para manter, desde há muito, o prestígio exportador do nosso pacífico território.

1 - ÁRVORES DO ALENTEJO

Ao Prof Guido Battelli

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol pesponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

 

2 - Alentejo

O sobreiro é um “escudo protector” no combate às alterações climáticas

Regional 02 Out. 2019

Apesar de ameaçado pelo aumento da temperatura, a diminuição da precipitação e o empobrecimento dos solos, o montado tem potencial para resistir e ainda ajudar a travar a desertificação que ameaça o Alentejo.

O montado (sobreiro e azinheira) é um suporte essencial à nossa biodiversidade e aos ciclos da água e do clima, sendo mais resistentes aos fogos e dando um contributo muito importante de CO2.

Anualmente, os gases de efeito estufa emitidos que resultam de incêndios e desmatação de florestas, são superiores aos resultantes dos veículos e indústria.

É necessário não apenas reduzir as emissões, assim como plantar e preservar as florestas, para fazer face às alterações climáticas.

O montado é uma espécie de floresta montada pelo homem, que domina a paisagem alentejana, composto maioritariamente por sobreiros  e azinheiras. É um bosque ordenadamente alinhado e organizado, planeado estrategicamente, visando proteger o sobreiro, responsável pela produção de cortiça e ressalvando o papel de destaque que Portugal tem como maior exportador desta matéria.

A biodiversidade dos montados caracteriza-se pela prevenção que traz aos fogos, pelas ervas aromáticas que o envolvem e pelas espécies animais que abriga, desde o porco alentejano à cabra serpentina.


Felizmente que, para além das rolhas e de algumas solas, a cortiça vem agora a ser explorada para tapetes – para mais de ioga, propícia à meditação dos mais sedentos - e o texto de Inês Duarte Freitas sobre a americana sábia que lança a nossa cortiça no fabrico de tapetes para o bem-estar meditativo, traz-nos uma esperança de vida, a nós que, como Florbela, também andamos há muito a clamar pela gota de água da nossa sede territorial. Ficaremos, pois, gratos à americana Christine Moghadam por ajudar à economia, mas, sobretudo, por amar o país de tantos nossos complexos…

 

BEM-ESTAR

Uma americana apaixonou-se pela cortiça portuguesa: assim nasceu a Corc Yoga

Com recurso apenas a cortiça, os tapetes de ioga são hipoalergénicos e antimicrobianos. Em 2021, Christine Moghadam quer conquistar o mercado europeu a partir de Portugal.

INÊS DUARTE DE FREITAS

PÚBLICO, 29 de Março de 2021

Antes de 2016, Christine Moghadam nunca tinha ouvido falar de Portugal, muito menos de cortiça. Pouco mais de um ano depois, a americana fundou a Corc Yoga — uma marca de colchões de ioga sustentáveis feitos a partir de cortiça, 100% produzidos em Portugal. Em 2021, quer começar a conquistar o mercado europeu a partir da “ocidental praia lusitana”.

Foi num “período muito difícil da vida” que Christine Moghadam conheceu Portugal, conta a empresária americana ao PÚBLICO. “Fechei os olhos e pus o meu dedo num mapa e disse: ‘Onde o meu dedo aterrar, é para onde iremos.’ E acertou em Portugal”, recorda. Num passeio por Lisboa, as peças em cortiça — típicas das lojas para turistas — chamaram-lhe a atenção, explicaram-lhe o tipo de material e que era tipicamente português.

Quando regressou a casa, no Sul da Califórnia, começou a fazer pesquisa intensiva sobre cortiça. “Nasci na costa do Noroeste Pacífico, em Washington, conhecida como a zona mais verde dos EUA, e sempre fui fascinada por árvores. O que mais me fascinou com os sobreiros é que, quando se remove a casca, é terapêutico para a árvore”, explica, acrescentando que se tornou “uma nerd da cortiça”, ou seja, alguém que sabe e pesquisa obsessivamente sobre determinado tema.

 “Quanto mais estudava a cortiça, mais começava a perceber Portugal como um todo e a sentir uma ligação.” A sua paixão pelo ioga — um refúgio para a saúde física e mental — fez com que pesquisasse e descobrisse que “não havia um tapete que fosse feito de forma tão sustentável quanto pode ser com cortiça”. Voltou então a Portugal com o plano traçado e visitas marcadas a fábricas de cortiça. Apenas uma se mostrou disponível para embarcar no projecto e criar um tapete feito apenas de cortiça, sem borracha. Ser o mais sustentável possível é o mote da Corc Yoga, que quer também “fazer uma ponte entre o ioga e a saúde mental”, duas das grandes paixões de Christine Moghadam.

Aliás, a marca tem, desde o primeiro dia, uma parceria com a associação portuguesa Desafio Jovem. Parte dos lucros da venda dos tapetes de ioga destina-se a ajudar jovens com comportamentos aditivos. “Temos de cuidar do nosso corpo inteiro. Sou uma grande crente nisto: é tão importante fazer exercício como é cuidar da nossa mente”, defende a empresária.

O que torna este tapete tão especial?

Christine Moghadam sabe resumir de trás para a frente e da frente para trás o processo da cortiça. Depois de se retirar a casca ao sobreiro, é necessário que seque ao ar durante nove meses. Os pedaços de casca são depois cuidadosamente seleccionados e granulados em tamanhos diferentes. Só depois a cortiça é prensada — “é o processo que lhe dá valor”, sublinha a empresária.

Demoraram seis a oito meses a encontrar o tapete de ioga perfeito. Tipicamente, é a borracha que dá a flexibilidade ao tapete, mas usar plástico estava fora de questão. Com recurso apenas a cortiça, os tapetes da Corc Yoga são hipoalergénicos e antimicrobianos. “O ioga tem tudo que ver com a respiração, e quando se inspira e a pele está em contacto com o tapete, nenhum químico da cortiça é prejudicial para o corpo”, assegura. Os tapetes já foram, inclusive, usados num projecto de recuperação de doentes de cancro da mama, por não acumularem pó ou micróbios, avança.

Desde 2017 que a Corc Yoga estava focada no mercado norte-americano, mas “é muito difícil”, lamenta a empresária, que explica que aquele “não percebe o valor” deste materialPor isso, o objectivo agora é conquistar o mercado europeu, onde, até agora, os tapetes só estavam à venda em hotéis de luxo. A marca está “tão ligada a Portugal que faz mais sentido que nos estabeleçamos no país de origem, de onde é tudo”, defende a empresária, que planeia mudar-se em breve para o país.

A norte-americana reconhece que os tapetes, com preços a partir de 145 euros, são para “um mercado de nicho”, mas garante que “não é sobre o dinheiro, mas sobre as pessoas”. Com esse espírito, está a organizar o retiro The Renewal em Évora, entre os dias 27 de Junho e 3 de Julho. “Não é só um retiro, é uma extensão da marca, onde as pessoas podem experienciar o que é a Corc Yoga”, informa.

Durante uma semana, os participantespara já, são sobretudo americanosvão fazer ioga, meditação, workshops de culinária, provas de vinho e azeite no Ecork Hotel. Christine Moghadam considera que esta é uma forma de retribuir a Portugal, “depois de um ano em que o turismo perdeu tanto”. Não tem quaisquer laços familiares ao país, mas, garante, já se sente totalmente portuguesa.

O que anda a ser feito em cortiça?

Segundo a Associação Portuguesa da Cortiça, 34% da área mundial do montado do sobro localiza-se em Portugal. Aliás, 49% da cortiça de todo o mundo é de origem portuguesa. Ainda que 72% dos produtos tenham como destino a indústria vinícolahá muito mais a ser produzido com recurso a este material 100% natural.

São exemplo os Sugo Cork Rugs — a primeira marca mundial de tapetes a incorporar a cortiça em técnicas tradicionais de tapeçaria. Já existem desde 2017, mas lançaram agora uma novidade: os Wall Rugs, tapetes de parede feitos à medida.

Os tapetes em cortiça portugueses estão no Palácio de São Bento, a residência oficial do primeiro-ministro. A Sugo Cork Rugs também está no edifício Justus-Lipsius, em Bruxelas, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (PPUE).

ASPORTUGUESAS já é conhecida há vários anos pela utilização da cortiça na sola de sapatos. Há pouco tempo, lançaram o modelo Zero Waste, que usa uma sola que, além de aproveitar os excedentes de cortiça, junta uma gáspea de fibra natural biodegradável produzida a partir de folhas de ananás. Estrearam, ainda, a linha FLOW, com uma sola ainda mais leve, para proporcionar um conforto inigualável e potencializar o contacto directo dos pés com a cortiça.

O grupo Amorim Cork Composites — especializado em produtos em cortiçalançou também duas novidades: as linhas Materia e Alma Gémea. Esta última une a cortiça à cerâmica da Matceramica. São vários produtos para casa e cozinha que usam a cerâmica como base e são complementados com cortiça. A Materia dedica-se a objectos de decoração em cortiça, desenhados por vários designers, nomeadamente Miguel Vieira Batista.

TÓPICOS

ÍMPAR  BEM-ESTAR    CORTIÇA  IOGA  DESIGN  PORTUGAL  AS CARAS POR TRÁS DAS MARCAS

COMENTÁRIOS:

Manuela  INICIANTE: A minha escola de yoga, em Matosinhos, já utiliza tapetes de yoga de cortiça há anos,... nada que ninguém venha descobrir agora,... 29.03.2021

 

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