sábado, 27 de março de 2021

Formidável libelo


De ALBERTO GONÇALVES.

Terraplanistas são eles /premium

A “ciência” viu-se apropriada por devotos da virologia de veterinários, da fancaria das TVs e da hipocondria do inquilino de Belém. Isto é, por místicos que não fazem a mínima ideia do que é a ciência.

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 27 mar 2021

Antes da Covid, o “argumento” mais revelador da falta de argumentos e de neurónios de quem o utilizava era o da Rennie. Quando alguém confrontava um palerma com alguma coisa que lhe desagradasse, o palerma respondia imediatamente: “Toma Rennie que isso passa”, e a seguir retirava-se triunfante e seguro de que ganhara o debate. Num país cujo serviço de saúde não colapsasse à primeira oportunidade, o palerma ganharia a avaliação de uma junta de psiquiatras, mas esse é outro ponto. Aqui, o ponto é o recurso ao refluxo gástrico, vulgo azia, para encerrar uma discussão. Às vezes, o Kompensan substituía a Rennie, embora não houvesse massa encefálica que substituísse o ar morno na caixa craniana dessa gente. Bons tempos.

Em tempos de Covid, e contra todas as expectativas, o nível da “argumentação” conseguiu baixar. Hoje, a turba indistinta do “fique em casa”, do “confinamento” eterno e das máscaras permanentes é tão desprovida de razão que faz o pessoal da Rennie parecer sofisticado por comparação. O caso é particularmente irónico na medida em que, no lugar dos antiácidos, a nova estirpe de magos da retórica invoca a ciência. Ou melhor, aquilo que julga ser ciência, na verdade umas curvas estatísticas apresentadas em reuniões no Infarmed por matemáticos e veterinários desejosos de agradar ao governo. Não importa que as curvas sejam inúteis a descrever o presente e desastrosas a prever o futuro. Não importa que ninguém perceba a sensatez de trucidar uma economia débil a partir de curvas mal amanhadas. E não importa que as curvas se limitem a confirmar as conclusões previamente tomadas pelo dr. Costa e pelo prof. Marcelo: manter os cidadãos em clausura parcial, rebentar com a iniciativa privada e produzir mais dependência face ao Estado e às quadrilhas que o controlam. Importa que, na cabeça dos tontos, as curvas e as desumanas restrições que delas “decorrem” são “ciência”. E importa sobretudo que, armados com solenidade “científica”, os tontos se sentem habilitados a insultar e perseguir quem deles discorda.

Quem sugerir que o estado de emergência não é adequado para lidar com uma doença que quase só afecta gravemente velhos é “negacionista”. Quem lembrar que teria sido decente proteger os velhos, em alternativa a prender a população em peso, é “terraplanista”. Quem notar que a evolução da Covid  não depende exclusivamente de “confinamentos” e regras abstrusas é “medieval”. Quem inventariar os países e as regiões em que a falta de “confinamento” e de regras abstrusas coabita com o decréscimo nos infectados e nos mortos é “conspiracionista”. Quem insiste em conviver com familiares e amigos é “bolsonarista”. Quem repara que o Brasil tem menos mortos “com” ou “de” Covid do que Portugal é “primitivo”. Quem não respeita as normas decretadas por governantes que não se dão ao respeito – nem respeitam as próprias normas – é “fascista”. Quem questiona a prepotência é “nazi”. Quem não sai de casa sem se disfarçar de iraniana ou assaltante de bancos é “anti-social”. Quem não reduz a vastidão do universo a um vírus é “inconsciente”. Quem recorda que a existência implica sempre riscos é “criminoso”. Quem previne que esta demência colectiva terá consequências muito feias para todos, excepto para os irresponsáveis que a provocaram, é “assassino” e indigno de merecer o proverbial ventilador no dia em que precisar de um.

Estamos nisto. É, literalmente, o mundo ao contrário. De repente, a “ciência” viu-se apropriada por devotos da virologia de veterinários, da fancaria dos telejornais e da hipocondria do inquilino de Belém. Ou seja, por místicos que não fazem a mínima ideia do que é a ciência. Boa parte destes “cientistas” instantâneos até se diz de esquerda, o que os coloca logo no mesmo campeonato da credibilidade de astrólogos, cartomantes, homeopatas e cultores do Feng Shui. Muitos não sabem ler uma tabela estatística. Muitos são incapazes de alinhavar uma frase sem dois erros ortográficos e três de sintaxe. Muitos julgam que Steinmetz é um defesa do Dortmund. Mas nenhum abdica de uma ideia infantil acerca do que é ciência para fundamentar o seu dogmatismo.

Em circunstâncias normais, não custaria deixar os fanáticos a berrar sozinhos e assistir de bancada ao espectáculo. Afinal, há certa graça em ver em acção as principais características do método científico: a intolerância, a fúria e a vontade de enfiar blasfemos na cadeia ou na fogueira. A chatice é que as circunstâncias não são normais, e estes adeptos do pensamento mágico (sem a parte do pensamento) não contam apenas com a força da cegueira, que já é bastante. Para azar dos que prezam a civilização, os fanáticos contam com a força literal, a dos senhores que legislam alucinações e a da polícia que as executa. A boçalidade, enfim, tomou por completo o poder, através dos que o ocupam e através dos que os apoiam. Salvo milagre, os factos estão condenados a subjugar-se a indivíduos que enchem a boca com ciência como antes a enchiam com liberdade, embora desconheçam a primeira e detestem a segunda. Terraplanistas, negacionistas e primitivos são eles.

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COMENTÁRIOS

Carlos Grosso: Todo este carnaval chegaria depressa ao fim se fosse aprovada uma lei que diminuísse, na mesma proporção, o rendimento dos funcionários públicos relativamente aos privados. Eu sou funcionário público. Esta fantochada não afectou em nada, de momento, o meu rendimento. Mas não ser capaz de olhar para o que aconteceu aos outros, não ser capaz de pensar no dia de amanhã, é triste, desumano, criminoso.    Tristeza Pakivai: Há vários tipos de negacionistas. Há aqueles básicos que são contra ou desconfiam de tudo o que seja dito por pessoas qualificadas, sejam eles cientistas ou outro tipo de especialistas, pois acham sempre que estes os estão a querer enganar. Estes procuram todo o tempo de verdades alternativas no submundo da internet e redes sociais para alimentar as suas teorias da conspiração. Depois há aqueles que até são dotados de alguns neurónios, mas que recusam aceitar verdades inconvenientes, verdades que mostram o quão errados estavam, como acontece por exemplo com aqueles que defendem que o holocausto nunca existiu. É nesta categoria que encaixa AG.      Manuel Ferreira21 > Tristeza Pakivai: O Holocausto existiu como o Holodomor (genocídio de milhões de ucranianos) e os Gulags (sistema prisional com trabalhos forçados para criminosos e presos políticos). Os comunistas como a Rato do Museu não sabem de nada.             Luis Martins: Como não fazem ideia do que é a ciência? O dr Costa é o maior sábio de Portugal, tipo rei-sol e o Marcelo o grande ancião tipo oráculo mitológico ou, pelo menos, comportam-se como tal. Técnicos e cientistas para quê? Eles sabem tudo. Graças a Deus que temos os mãos largas e generosos Costacovid e o Marcelinho na liderança ao invés de líderes frugais europeus... Com estes 2 líderes é sempre a subir mas nos parâmetros mais negativos claro, naqueles que nos garantirão que seremos a curto prazo o país mais atrasado e pobre da zona UE, a Bulgária pode estar descansada que a concorrência tuga é de grande qualidade e peso.           João Manuel Maia Alves: Gostava de ver este fulano a mandar um mês.          Tristeza Pakivai: O que o Gonçalito queria era ver isto tudo transformado em spring breakers de Miami, mas o melhor que tem são meia dúzia de gatos pingados a tocar jambé no Rossio. É tramado...            Rui Machado: Alberto, Este País é para velhos. É como uma espécie de ironia perversa: voltámos à Ditadura pela mão de um Marcelo afilhado de outro ditador chamado Marcelo. Dois velhos ditadores indiferentes à realidade. Dois fanáticos. Se antes se vivia da exploração das colónias, agora somos vivemos da grande Teta Europa. A diferença para  pior mesmo é a qualidade dos ministros...         João Manuel Maia Alves > Rui Machado: Marcelo era afilhado do Eng. Camilo de Mendonça, não do outro Marcelo.          Manuel Ferreira21: Excelente artigo. Faltou referir, desta vez, o colaboracionismo do jornalixo cá do "sítio". Não concordo totalmente com o AG nas suas teses, mas chega de verdade Oficial. Ciência é dúvida e começam logo por negar um dos pais da nossa ciência: Descartes. Temos direito à discussão e vejam bem:  a Índia e o Brasil têm menos mortes por Covid que nós! Onde passa esta verdade na comunicação social?      Maria Pedro: Touché, Caro AG. Aos “ líderes” cá do sítio só interessa a sua manjedoura, nem que para isso tenham de rebentar com o país. Hoje Gonçalves traveste-se de Kuhn com acenos a Proust... Eis o descoberto filósofo da ciência sobressaltado dans l'air du temps ...          Maria Augusta: Eu diria que os terraplanistas xuxarecos e os cartomantes comunas não vão gostar deste artigo do AG. Não tarda nada e eles aparecem por aí para o insultar. No circo levantam-se cedo como toda a gente sabe.              Tristeza Pakivai > Maria Augusta: Levantam-se cedo, sim sra, por isso é que também já cá estás, certo Maria?          Jose Costa: Muito bem. Nos livros do Astérix, eles apenas tinham medo que o céu lhes caísse na cabeça. A nós caiu-nos o socialismo e ninguém tem medo!         Carlos Quartel: Continua a campanha negaciocionista, sem argumentação. É uma fezada do autor, é uma convicção e é também pouca capacidade de raciocínio.  A informação é vasta, os exemplos vários, onde há confinamento as mortes diminuem, nos países da balda escasseia madeira para os caixões. Nova Zelândia, Austrália, Coreia do Sul, Japão, "confinadores" a comparar com os "inteligentes" USA e Brasil. O que dá que pensar é o que leva alguém a estas posições de ridículo, será uma nova versão do politicamente correcto ??? Será que acham bonito e "cool" juntar-se aos motoqueiros americanos de 140 KGs ?? Ou pura vaidade pessoal, como o caso do juiz de Odemira ??      António Silva: Infelizmente não adianta tentar iluminar cabeças quando a lâmpada, há muito, se encontra fundida. Ainda julgam que o COVID provém de uma “ferradela” de um morcego num mercado chinês e que o barco encalhado no canal de Suez foi um mero acidente. Não, este é o maior ataque não declarado ao ocidente. A economia está a ficar arrasada e as guerras hoje começam a ser vencidas pela economia pois não se ganham guerras sem economia.          JB Dias: Saber juntar as letras em nada ajuda quem não é capaz de entender o que lê e ainda menos é capaz de pensamento autónomo ... com raras e honrosas excepções, a "geração mais bem preparada de sempre" não parece fazer minimente jus ao chavão!            Coronavirus corona: Não adianta. Não adianta mostrar que o Brasil tem menos mortos por milhão que Portugal. Não adianta mostrar  que, de repente, os EUA desapareceram das notícias. Não adianta mostrar que a Suécia, onde não há a obrigatoriedade de máscaras em nenhum lado, onde nunca fecharam cafés e restaurantes, tem menos mortos por milhão que Portugal. É incrível como uma coisa ridícula e sem nexo, desde que devidamente injectada pela propaganda estatal, consegue enraizar-se como uma verdade científica. Isto só demonstra uma coisa: não, não foi pelo facto dos nossos antepassados serem analfabetos que Salazar esteve no poder. Essa ideia, snob por natureza, já era desmentida com o exemplo alemão, onde uma população alfabetizada tinha posto no poder um tirano. Mas agora podemos constatar na prática: se esta população de hoje fosse transposta para 1930 tínhamos acolhido Salazar. Com mais fervor que os portugueses daquela época. Porque a escolaridade para muitos só serviu para serem lobotomizados pela ideologia vigente. Saber juntar as letras não torna a pessoa mais perspicaz.            Manuel Ferreira21 > Coronavirus corona: Muito bom comentário, parabéns!              Rui Machado > Coronavirus corona: É o círculo perfeito. O velho ditador Marcelo de 74 passa testemunho ao velho Marcelo de 2020. Ambos desfasados do tempo e da razão           Maria Jordão > Coronavirus corona: Gosto

 

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