sábado, 20 de março de 2021

Justa indignação


Fomos – ainda somos, apesar de uma progressiva grosseria e sem-cerimónia no trato – um povo do fado, dos coitadinhos e das coitadinhas, e simultaneamente dos doutores e doutoras, (sucessores, estes, dos títulos da heráldica antiga), e para obviar a essa linguagem – quer a melada, fruto de uma sensibilidade ternurenta mas esmagadoramente rebaixante de uma condição humana que se preze, quer de arrogante preconceito insuportável - numa sociedade dos nossos dias que se pretende igualitária - para obviar a tais disparidades, criou-se um ridículo jargão que não é carne nem peixe, destinado a eliminar todo o tipo de distinções que não contemplem esse igualitarismo social, proposto pelas delicodoces (dependendo, é certo, dos seus alvos) – doutrinas em vigor. O texto de Alberto Gonçalves, uma vez mais chama a atenção para essa ficção moralizadora que preside à criação desse jargão ridículo, destinado a poupar as novas sensibilidades, substituindo designações antigas de uma gramática e de um léxico ultrapassados, em complicação vocabular insidioso e ridículo.

Quando nos tomam por retardados, perdão, pessoas com limitações cognitivas /premium

Há uma ofensiva em curso contra o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro, a fim de construir o “homem novo”, na terminologia em desuso, ou o “novo normal”, no repulsivo jargão em voga.

ALBERTO GONÇALVES  Colunista do Observador

OBSERVADOR, 20 mar 2021

Parece que existe um penduricalho chamado Conselho Económico e Social, que ninguém sabe para que serve  [Nota do CES: Serve a promoção da participação dos agentes económicos e sociais nos processos de tomada de decisão dos órgãos de soberania, no âmbito de matérias socioeconómicas, sendo, por excelência, o espaço de diálogo entre o Governo, os Parceiros Sociais e restantes representantes da sociedade civil organizada]. Não servindo para a essa linguagem nada [Nota do CES: Falso. Ver nota anterior], é natural que as criaturas que lá caíram se sintam obrigadas a entreter o ócio e justificar, ainda que em vão, o salário [Nota do CES: Calúnia! Nós trabalhamos imenso].

Nesse sentido, uma senhora do CES, Sara Casaca [Nota do CES: É abusiva a presunção de que Sara é nome de mulher, e que a/o dra./dr. Sara Casaca se define enquanto tal], resolveu amanhar um manual de 16 páginas destinado a promover o uso de “linguagem neutra e inclusiva” em “documentos oficiais”. Podia ter-lhe dado para fazer um “cheesecake” que adoçasse as reuniões [Nota do CES: Repulsivo e estafado estereótipo que relaciona as mulheres com a cozinha – tolerável se a dra. ou o dr. Sara Casaca se definir como homem]. Mas não, deu-lhe para o manual.

E o que quer o manual? Quer que as pessoas passem a falar a língua de trapos da “correcção política” [Nota do CES: Nítida má-fé. A designação é “linguagem neutra e inclusiva”], no pressuposto de que o português autêntico [Nota do CES: Autêntico, não: ofensivo] ofende [Nota do CES: Isso] os patetas [Nota do CES: E as patetas] mais “sensíveis” [Nota do CES: Naturalmente que sim, coitadinhos e coitadinhas].

O manual fornece uma data de exemplos. Pelos vistos, referir “os contribuintes” exclui e ofende as mulheres que pagam impostos. Logo, o manual recomenda [Nota do CES: E muito bem] que se digaos contribuintes e as contribuintes” ou “as pessoas contribuintes”. No caso em apreço, o que me ofende é a contribuição propriamente dita, leia-se o roubo dos meus rendimentos para patrocinar lixo [Nota do CES: O cumprimento das regras fiscais é um acto de cidadania e o “lixo” a que o autor irresponsavelmente alude inclui instituições vitais à democracia como, não desfazendo, o CES].

Além das tretas de “género” [Nota do CES: Isto é inaceitável], o manual não se esquece dos eufemismos: as pessoas deficientes transformam-se em meras “pessoas com deficiência”, embora continuem cegas ou mancas [Nota do CES: Isso está por provar]. E os ciganos passam a implicar os substantivos “etnia”, “comunidade” ou “povo”, como em: “Fascina-me a cultura da comunidade cigana” [Nota do CES: Também a nós].

Isto é grave? Depende da perspectiva. Por um lado, a língua que por aí se fala, do jornalismo à administração pública, já está tão estuprada com “empoderamentos”, “resiliências”, “sinalizações” e “pró-actividades” que é difícil ficar pior [Nota do CES: Não percebemos]. Quando, nas televisões, “comentadores” iniciam frases por “Dizer que…” e não há risos generalizados, constata-se que não vale a pena. Quem ainda sabe escrever e falar mete-se na sua vida e deixa ministros e treinadores partilharem grunhidos, “identitários” ou não [Nota do CES: Dizer que selvagem é o #&%*@].

O problema é o “conteúdo” destas palermices [Nota do CES: Mau!], que não difere na essência das tentativas de punir o piropo, demolir o Padrão dos Descobrimentos e “contextualizar” Eça de Queiroz. A ideia é alterar a realidade até esta se parecer com os unicórnios [Nota do CES: E as unicórniasque povoam as cabeças dos moralistas [Nota do CES: Das pessoas moralistas]. O controlo da linguagem destina-se a controlar os comportamentos e não é nada de novo. Sob cognomes e pretextos diversos, beatos e inquisidores [Nota do CES: População beata e inquisidora, se faz favor] nunca faltaram, empenhados em martelar a humanidade para encaixá-la nas medidas do Bem. O pormenor de agora se inspirarem em metástases do marxismo não os distingue particularmente dos que agitavam interpretações literais das escrituras: o fanatismo não tem género, raça ou credo. Exactamente por isso, o objectivo dos fanáticos [Nota do CES: E das fanáticasé dividir as pessoas por género, raça ou credo. Para reinar, escusado acrescentar.

O que fazer, como perguntava um santo padroeiro destes transtornados e transtornadas [Nota do CES: Muito bem]? Num mundo ideal, enquanto não reabilitassem os autos-de-fé, os campos de reeducação ou os saneamentos à Saramago [Nota do Alberto Gonçalves: Cof, cof], eu recomendaria ignorar essa gente. Os progressos da caça às bruxas tendem a devorar-se a si próprios: cada campeão da virtude conta com um virtuoso maior pronto a destruí-lo. Com jeito, chegaria o belo dia em que não sobraria virtuoso [Nota do CES: E virtuosa, caramba!] nenhum e os indivíduos [Nota do CES: Na falta de feminino, abole-se o indivíduo] saudáveis seguiriam em paz.

Infelizmente, não vivemos num mundo ideal. E vivemos num país muito aquém disso. A história da Covid mostrou a ligeireza com que se abdica da liberdade em benefício de dogmas e patranhas. Uma população que, sobre os “confinamentos” e as “emergências”, engole a “ciência” despejada pelos “telejornais”, engole tudo. Quando não engole à primeira, surge-lhe a polícia com o livrinho de multas e o bastão para engolir à segunda. Se até em sociedades civilizadas a educação das almas causa danos irreparáveis, nas sociedades sem grandes hábitos democráticos é muito simples submeter um povo aos delírios de um punhado de parasitas. Basta os parasitas [Nota do CES: E as parasitasassim decidirem.

Aprisionar as palavras em nome da “sensibilidade” alheia não é diferente de encarcerar as pessoas a propósito de um risco para a saúde. E os que exigem uma coisa não diferem dos que obrigam à outra. Aliás, são basicamente os mesmos. Em suma, há uma ofensiva em curso contra o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro, a fim de construir o “homem novo”, na terminologia em desuso, ou o “novo normal”, no repulsivo jargão em voga. Convinha que o homem velho [Nota do CES: E a mulher velha?] e o velho normal resistissem um bocadinho. Na apatia em que andamos, a luta só não está perdida na medida em que não há luta. E era importante haver. E começar por mandar o CES para um sítio que nós sabemos [Nota do CES: Qual?].

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