segunda-feira, 29 de março de 2021

Um texto para debate


Que interessa, naturalmente, aos leigos, pela sua explanação de dados - de que muitos discordam, é certo. Mas como errar é humano, façamos do erro um meio para se chegar ao saber. E vamos aguardando…

Biden na Ásia /premium

A estratégia de Biden para a Ásia não é perfeita. Mas tem por base uma leitura histórica e uma percepção do sistema internacional que se adequam ao momento que vivemos hoje. O que não é pouca coisa.

DIANA SOLLER, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 26 mar 2021

Se há coisa que a administração Biden já habituou os estudantes de política externa norte-americana é o cuidado que tem com as palavras que usa. Essa precisão de termos é explanada num documento recente, a Estratégia de Segurança Nacional Interina, que pretende antecipar-se à tradicional Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América, um documento que todos os presidentes publicam uma vez por mandato e que delimita a forma como a América se posiciona no sistema internacional.

Este documento não traz muitas novidades relativamente aos discursos que Joe Biden foi fazendo e às posições políticas que foi tomando, de que falámos aqui. Mas há três elementos que gostaria de realçar, elementos esses, que ganharam vida empírica este mês, nomeadamente no que se refere à política externa americana para a Ásia.

O primeiro é a afirmação que a política externa norte-americana não pode voltar a ser o que era em 2016. Ora, isso é o reconhecimento que o mundo mudou consideravelmente desde que Biden foi vice-presidente de Obama até se tornar presidente dos Estados Unidos. E não mudou (apenas, nem sobretudo) devido à presidência Trump. Transformou-se, porque, Biden reconhece dois aspectos: primeiro, que o sistema internacional está em transição de poder – e que, quer os Estados Unidos queiram quer não, estão em “guerra de transição” – e que, por isso mesmo, as estratégias usadas até aqui estão obsoletas.

Segundo, para que os EUA voltem a ter uma posição de poder confortável têm que enfrentar a China, “em particular”, devido à sua tendência para uma assertividade cada vez maior e porque é “o único competidor potencialmente capaz de combinar o seu poder económico, diplomático, militar e tecnológico para empreender um desafio sustentado a um sistema internacional estável e aberto”. Por outras palavras, a chave da política externa de Biden – em consonância com Donald Trump – é não deixar Pequim transformar-se numa grande potência de alcance global.

Como? A resposta leva-nos ao terceiro elemento: a supressão da palavra “multilateralismo”, substituída por “acção colectiva”. E a substituição da palavra “contenção” pela palavra “dissuasão” no que se refere à China.

Multilateralismo é uma palavra velha, que ganhou um determinado significado. Quando pensamos nela, pensamos imediatamente em instituições internacionais de carácter liberal em dois modelos diferentes: ou instituições “universalistas” como as Nações Unidas, que foram transformadas nos anos 1990 para pôr em prática um conjunto de políticas de expansão da democracia e da economia de mercado; ou em instituições como a NATO, comunidades de democracias que são a um tempo altamente institucionalizadas e marcadas por traços de regime que justificam a sua existência. Como já foi dito noutros textos, se há dois valores que Joe Biden preza são as alianças (“a América não pode fazê-lo sozinha”) e a “vantagem competitiva norte-americana” que é a “democracia”. Mas para que estes dois valores se concretizem, é preciso criar formas de associação mais versáteis, com características diferentes das alianças e instituições tradicionais. Grupos como o Quad, de que falaremos em seguida.

Antes, é importante dizer que Biden percebeu que a “contenção” de Pequim já não é suficiente. É preciso ir mais longe. Na senda da diplomacia musculada que nos tem vindo a habituar, a administração norte-americana quer “dissuadir” a China de continuar o seu caminho de assertividade e “coerção regional”. A mudança de palavras corresponde à transformação que se quer imprimir na relação sino-americana cuja dinâmica marcará, pelo menos, a próxima década.

Quanto à operacionalização empírica, a parceria – seria exagerado chamar-lhe aliança – que estará na linha da frente desta “dissuasão” é o Quad (Quadrilateral Security Dialogue). Constituído, episodicamente, em 2004, para acudir às vítimas do tsunami no Pacífico, foi resgatado ao esquecimento pelo presidente Trump em 2017 e reforçado em 2019 para apoiar o Sudeste Asiático na recuperação da pandemia e da crise económica. Rapidamente, os quatro países que o compõem – EUA, Japão, Austrália e Índiaestavam a fazer exercícios navais conjuntos, dando um sinal claro à China, mas discreto no que toca ao resto do mundo, que percebem e pretendem contrariar a sua vontade de dominar o Mar do Sul da China.

A administração Biden – pressupõe-se, que com muita diplomacia, ajudada pela percepção cada vez mais generalizada da transição de poder e pela mudança de percepção indiana da ameaça chinesa depois dos confrontos nos Himalaias – teve a primeira reunião virtual ao nível dos chefes de Estado. Ficou clara na declaração conjunta qual é a fórmula desta parceria: “Perspectivas diversas unidas por uma visão comum de um Indo-Pacífico livre e aberto (…) inclusivo, ancorado em valores democráticos e sem constrangimento coercivo.” Os parceiros também estão dispostos a enfrentar os “desafios de segurança que a região tem pela frente”.

Não numa forma de multilateralismo clássico, mas em “acção colectiva” como demostra o programa de diplomacia de vacinas (descobertas nos Estados Unidos e no Japão, produzidas na Índia e distribuídas pelos países mais pobres do Sudeste Asiático pela Austrália), mas também de forma “dissuasiva”, sendo que um dos mais ambiciosos projectos do Quad é concorrer com a China no refinamento de terras raras – das quais depende a tecnologia do presente e do futuro – e defender os enclaves marítimos que Pequim tenta dominar.

A estratégia de Biden para a Ásia – encaixada numa estratégia mais vasta para o sistema internacional, no qual as democracias, lideradas pelos Estados Unidos, e as autocracias estão em confronto directo – não é perfeita. Facilita a “quase-aliança” da China e da Rússia e propõe um sistema internacional em guerra de transição de poder num formato bipolar, o que encerra uma forte possibilidade de conflito permanente. Mas tem, pelo menos, três elementos consideráveis: (1) a capacidade de captação de aliados reticentes, como a Índia; (2) o entendimento correto do sistema internacional; (3) e uma espécie de retorno a uma estratégia tipo guerra fria (não à Guerra Fria): a tentativa permanente de desgastar os rivais, a cooperação com eles em várias vertentes de interesse transversal e um regresso à preservação da democracia e à liderança do mundo livre, com um empenho que há muito não se via. É uma estratégia ambiciosa e ousada. Mas tem por base uma leitura histórica e uma percepção do sistema internacional que se adequam ao momento em que vivemos hoje. E isso não é pouca coisa.

AMÉRICA  ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA   ÁSIA   GEOPOLÍTICA     CHINA

COMENTÁRIOS

 Alberto Rei: "A vantagem competitiva americana é a democracia", A sério? Só se for para os sul-americanos, que com os democratas no poder, ala por ali acima que se faz tarde. Os outros, não têm muito interesse em ir para lá. Para quê ? na Ásia, países árabes, algumas cidades do Brasil, está-se muito melhor, e seguro, mas de longe. Sobre mulheres então, nem é preciso falar, praias, comida, etc. Impedir a China de se tornar numa verdadeira potência mundial, what ?? É essa a nova cena do Biden ? e os outros vão no colectivo? realy?              Zé Cunha: Este Sr. Biden tem sido um completo desastre. Só destruição e total incapacidade de governar. É fácil prometer mas governar é bem mais complicado e esta administração tem sido muito fraca em todos os aspectos.           Ahmed Gany: Os EUA agonizam e a retórica da administração americana é o espelho disso.           mamadorchulo dostugas: Como é possível as colunas desta senhora aparecerem  ao lado de RR e JNP e as de Gabriel Mitha Ribeiro serem sonegadas lá para os confins em que para as encontrar é necessário fazer uma enorme busca             JS M: A senhora Diana agora vai ter que inventar qualquer coisa para dizer bem da estratégia do Biden. Como se tivesse estratégia para além de destruir o que foi feito pelo antecessor. Francisco Tavares de Almeida: Diz a autora sobre o Quad: "Constituído, episodicamente, em 2004, para acudir às vítimas do tsunami no Pacífico, foi resgatado ao esquecimento pelo presidente Trump em 2017 e reforçado em 2019 ..." Acho "wishful thinking" da autora falar da política mundial de Biden. Na Europa há sinais contraditórios: parou a saída de militares da Alemanha mas continua a pressionar sobre o Nordstream e as relações com a China. Veja-se o comentário de PortugueseMan, consistente e militantemente adepto da aproximação da Europa à Rússia. De África e da América do Sul ainda nada se sabe. No Médio Oriente assusta a leviandade como quer retomar o acordo com o Irão e suspendeu o fornecimento dos F35 aos Emiratos. Se não for rapidamente corrigida, é receita certa para um desastre. Mas na Ásia, como se pode ler no excerto acima citado, seguiu a política de Trump. Aí parece estar no bom caminho.           João Alves > Francisco Tavares de Almeida: Afinal, parece que a Administração Trump não era tão disparatada como se dizia. Pelo menos, Trump nunca chamou assassino a um chefe de estado,  no caso chefe de estado de uma das maiores potências nucleares. Quanto às matérias em que pretendeu fazer diferente de Trump, parece que só tem feito borrada. PortugueseMan: ...Se há coisa que a administração Biden já habituou os estudantes de política externa norte-americana é o cuidado que tem com as palavras que usa.... Eu é que estou quase sem palavras depois de ler uma barbaridade destas. Biden, presidente de um país com milhares de ogivas nucleares, chama assassino a um outro presidente com milhares de ogivas nucleares. E ambos têm militares frente a frente na Síria. Estamos conversados daqui para a frente, como vão correr as conversas, sejam elas diplomáticas ou não, com estes dois países. Os americanos vão começar a pagar mais pelo petróleo russo que compram, isso é certo e será o começo.

Depois temos o agora famoso encontro entre as delegações americanas e chinesas no Alaska. Não podia ter corrido pior. Os americanos foram muito arrogantes e os chineses responderam à altura. Como se isto já não fosse mau o suficiente, continuamos a assistir ao assédio americano sobre um aliado, a Alemanha sobre o Nord Stream. Pior começo que isto parece-me difícil. Ver alguém a escrever um artigo de opinião a dizer algo tão afastado da realidade, é... Nem sei bem o que é.            Amando Marques > PortugueseMan: Estava a espera do que? Jornalismo? Isto é uma coluna romântica sobre a política externa dos EU, e um trabalho de ficção e comédia.          PortugueseMan  > Amando Marques : ...Estava a espera do que? Jornalismo?... Bem, pelo menos um ar disso. O observador  pede que se "apoie o jornalismo independente" e põe esta coluna "romântica" acessível apenas para leitores que paguem. Será pedir muito um pouco de qualidade?   Amando Marques > PortugueseMan: Procure na net pela UnHerd (https://unherd.com/) isso sim é jornalismo a sério.            bento guerra: Biden é um "his master´s voice"           Amando Marques: Enquanto que os EUA vêem a globalização como o objectivo, a China vê a globalização como uma ferramenta. Pensamento Positivo > Amando Marques: Talvez... Mas, Biden já provou aos Chineses que, para beneficiarem dessa "ferramenta" os Chineses vão ter primeiro que actuar de forma disciplinada quanto ao "Objectivo"... E o que é facto é que para isso vão precisar de mais do que da milenar paciência... Afinal Biden, pelo menos enquanto não precisar de dinheiro Chinês será tão só um Trump 2.0... Daí ser tão criticado aqui na caixa de comentários!...

 

 

 

 

 

 

 

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