Jaime Nogueira Pinto esclarece, ensina,
encanta, combate com as armas do saber e da coragem de o dizer. Que não pare
nunca para a felicidade dos soterrados no murmúrio amedrontado.
Até que os amanhãs cantem /premium
Poderá um partido comunista, e um partido comunista
particularmente alinhado com a “experiência soviética”, celebrar-se como “pai
da democracia” e das “amplas liberdades democráticas”?
JAIME NOGUEIRA
PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 12 mar 2021
É natural que os movimentos e
partidos políticos celebrem o seu passado, a sua identidade, os seus símbolos,
os seus mártires. Fazem-no todos, à esquerda e à direita, conforme podem e os
deixam.
Mas as ideologias, os movimentos, as forças políticas, têm os seus
valores e os seus contravalores, valores que encerram apologias e negações,
amigos e inimigos, passados a exaltar ou a abominar.
Em princípio, um liberal –
com mais ou menos iniciativa – valorizará a liberdade de comércio e os
impostos baixos acima das taxas alfandegárias e de segurança social, opondo-se
à supremacia estatal; um conservador,
a unidade da família e a defesa da vida, opondo-se ao aborto, à eutanásia e à
institucionalização e instrumentalização de géneros, casamentos e procriações
alternativas; um nacionalista preferirá
a independência do país, a uma dependência estrangeira, mesmo com vantagens
económicas.
Quero com isto dizer que um defensor
de Salazar poderia, por exemplo, enaltecer o Estado Novo no plano da defesa da Nação e da exaltação da
História ou como Estado de obras e de desenvolvimento económico, mas seria
absurdo que enaltecesse Salazar como
campeão do pluralismo democrático ou do liberalismo.
Poderá então um partido comunista, e
um partido comunista particularmente alinhado com a “experiência soviética”,
celebrar-se como “pai da democracia” e das “amplas liberdades democráticas”? Aqui,
neste canto da Europa que resiste ainda e sempre à equiparação do comunismo ao nazismo, parece que não só pode como até
deve.
Mas
por maior que seja a boa vontade – e não pondo em dúvida a dedicação do PCP à
causa da classe operária e da igualdade entre os homens ou até os bons
sentimentos e a boa consciência moral dos seus militantes – parece-me
difícil se não mesmo impossível não ver como ridícula e absurda a celebração
desta agora centenária organização como campeã da liberdade das pessoas e das
ideias.
Absurdo
e ridículo? Perguntarão alguns. Como, se o ideal comunista permanece vivo e é,
ainda e sempre, o da democracia avançada e o da libertação total? Talvez por
isso neste centenário, além das bandeiras vermelhas generosamente penduradas
por lusas praças e avenidas (com facilidades, ou pelo menos com autorizações,
autárquicas), tivessem voltado alguns comentadores a falar de “utopia nunca
realizada”. Longe de se mostrarem satisfeitos com as muitas e duradoiras
tentativas de realização do imorredoiro ideal, parecem propor que as ignoremos
para que se não cesse de tentar torcer o presente até que os amanhãs cantem.
Nada, portanto, de errado com a utopia… as tentativas de realização é que lhe
terão, eventualmente, ficado aquém.
Mas poderá uma doutrina que divide,
com arrojo e simplicidade, a Humanidade em duas classes (começando pela
oposição binária mestra, Burguesia-Proletariado, que depois tutela todas as
outras – patrões-trabalhadores, latifundiários-camponeses,
exploradores-explorados, opressores-oprimidos), uma doutrina que defende que a
luta destas duas classes ou destes dois polos é eterna e o motor da História,
ser a origem de uma sociedade livre e pacífica? A vitória de uns será inevitavelmente a derrota e a
aniquilação dos outros e o lado a abater do binómio estará sempre e irremediavelmente
condenado. Para não falar daquilo que não cabe e daqueles que
não cabem nessa sofisticada e científica dicotomia (as classes médias, por exemplo, e as muitas e desvairadas realidades e
gentes de que se faz a humanidade).
Pouco importa: para estes experimentados utópicos, se alguma
coisa ou alguém não existe no cânone pura e simplesmente não existe, ou passa a
não existir; porque se a utopia é para ser realizada o cânone é para cumprir.
Cem milhões de “inimigos do povo”
Foram
muitas e duradoiras as tentativas de realização da generosa utopia. E feitas pelos próprios, por partidos comunistas,
seguindo métodos comunistas, de acordo com a vulgata e o cânone comunista e
aplaudidas por comunistas. Na Rússia, começou no Inverno de 1917-1918, e
acabou mais de 70 anos depois. Começou
com uma Guerra Civil, em que aristocratas e burgueses foram eliminados. Os concorrentes liberais-democratas,
social-democratas, socialistas, mencheviques, também desapareceram; sempre em
nome do sonho, da utopia codificada num manual seguido religiosamente pelos
partidos comunistas irmãos – inclusive, pelos camaradas portugueses, que sempre
fizeram questão de apoiar a ortodoxia.
Depois, já com Estaline já no poder, também o fizeram, em 1941, com o Pacto
Germano-Soviético. E chamaram
“revisionismo de direita” às críticas de Khruschev a Estaline
no XX Congresso; e
apoiaram o esmagamento da revolução húngara e a intervenção do Pacto de
Varsóvia em Praga, em 1968.
O regime soviético começou por prender e matar os vários “inimigos
do povo”, conceito infinitamente elástico que ia da família real russa
(incluindo crianças, criados e animais de estimação – até o PAN teria uma
palavra de pesar, nem que fosse só pelos cães dos Romanov) aos kulaks, os
camponeses que tinham mais de uma vaca. O
primeiro Terror foi
desencadeado pelo massacre dos reféns, depois do atentado de Fanny Kaplan
contra Lenine (Mussolini, lembre-se, não matou ninguém depois dos atentados que
sofreu e ainda libertou alguns dos seus autores: mas Mussolini era fascista e não
estava escudado pela imorredoira utopia). Ainda no tempo de
Lenine, a Tcheca fez mais de um milhão de presos e dezenas de milhares de
mortos. Depois da acalmia da NEP, o Terror
intensificou-se com Estaline, com
a colectivização e o Holomodor – a fome política que matou entre dois a quatro
milhões de ucranianos. Mortos
intencionalmente, à fome, entre 1932 e 1934, através da “colectivização” que os
camponeses, a quem a NEP dera posse e propriedade das terras dos feudais do
czarismo, viram como um regresso da Servidão, abolida em 1861… Mas
pelo sonho é que vamos.
Há
grande discussão sobre o número das vítimas do estalinismo, no quarto de século
de poder do Czar Vermelho (1928-1953), mas Robert Conquest, que tem uma
excelente monografia sobre a época (The Great Terror – Stalin’s Purge of the
Thirties, 1968) fica-se pelos 15
milhões. Há quem
aumente, há quem diminua, mas é uma bela soma, por mais que se queira
que os amanhãs cantem.
Estaline era uma
combinação do despotismo asiático à Ivan, o
Terrível (imortalizado por Eisenstein, num filme ideologicamente
ambíguo), do centralismo modernizante de Pedro, o Grande, e dos compêndios
de Marx, Engels e Lenine que transformou em Vulgata. Era também um leitor
atento da grande literatura russa – de Dostoievski, de Tolstoi, de Tchékhov – e
gostava particularmente de Westerns e de filmes de gangsters.
Era um camponês georgiano inteligente, manhoso, sem barreiras religiosas,
éticas ou até de lealdades pessoais, que acreditava que o medo era a grande
força agregadora das sociedades e destruidora das resistências; o medo que,
realizar a utopia, tinha de ser mantido bem vivo, pelo terror. Foi assim na
União Soviética e foi assim, em proporção, na instalação do comunismo na Europa
Oriental.
Os
comunistas não ganharam nunca uma eleição antes de tomarem o poder. Mesmo na
Checoslováquia, quando chegaram aos 38% com Gottwald, em 1947, deram o golpe de
Praga em 1948. As mortandades em grande escala repetiram-se na China, com o
utópico Mao, no Grande Salto em Frente e na Revolução Cultural. E no Cambodja,
com os Kmerhs Vermelhos; e em África, na Etiópia de Mengistu. Chegou-se bem
depressa aos tais cem milhões. Para custos de uma utopia nunca realizada, não
está mal. E foram só tentativas.
Estes
números que não são questionáveis nem questionados talvez sejam reaccionários e
fascistas, até porque deixam a perder de vista, em qualidade e
quantidade, a repressão dos 48 anos de “fascismo” à portuguesa.
A
tentativa de construção do paraíso na terra através do terror, que começou com
Lenine e Trotsky e escalou com Estaline, foi denunciada por Khrutschev em 1956,
depois da transição 1953-1956, no famoso XX Congresso. Parece que afinal a
direcção estava certa mas que não era bem por ali; alguns utópicos pediram
desculpa: a realização da utopia seguia dentro de momentos.
Amplas Liberdades de Expressão
Artística
Outro
aspecto também muito exaltado pelo Partido das “amplas liberdades” é a liberdade
de criação literária e artística, dura e implacavelmente sufocada aqui, entre
nós, durante “a longa noite fascista”. Nada a ver com o clima de tolerante
liberdade vivido na paradisíaca União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Em
1912, no centenário do nascimento de Herzen, Lenine retratara o poeta como um
nobre liberal, um precursor do socialismo que percebera que “a dialéctica de
Hegel” era “a álgebra da revolução”; alguém que, com Feuerbach, chegara até a
evoluir para o materialismo e se entusiasmara com as revoluções de 1848, até
que o fracasso o levasse ao cepticismo. Mas enfim, combatera “o monstro”, a
monarquia czarista, por isso, apesar de as suas “origens de classe” ou de a sua
proveniência “aristocrática e latifundiária” o não terem deixado entender a
grandeza do socialismo, Lenine, magnânimo, incluía Herzen no panteão da
revolução.
O século anterior fora o século de oiro da Literatura Russa, com
Tolstoi, Gogol, Pushkin, Dostoievski, Tchekhov, Bely; e a revolução de
Fevereiro de 1917 e a revolução de Outubro trariam, inicialmente, a adesão de
muitos intelectuais e escritores. Era a primeira tentativa de realização da
utopia.
Mas
dos escritores contemporâneos da revolução, muitos acabariam por sair da Rússia
– e deste mundo. Os poetas Aleksander Blok e Vladimir Maiakovski resolveram
ficar na pátria da utopia. Blok desiludiu-se e morreu cedo; Maiakovski,
depois de defender a Revolução, desiludiu-se também com a escalada censória dos
escritores proletários e suicidou-se ou foi suicidado. Outros, como Górki,
foram-se adaptando; outros ainda, como Osip Mandelstam, foram
mortos nos campos de concentração.
Mandelstam, concebeu o Epigrama de Estaline, em que acusava o Secretário-Geral, “o caucasiano do
Kremlin”, de ser responsável pelas fomes que estavam a matar milhões. Disse-o a
Boris Pasternak na rua, e Pasternak, assustado, respondeu-lhe: “Eu não ouvi nada.
Tu não me disseste nada.” Mas outros ouviram-no e Mandelstam foi denunciado
e preso. Pasternak intercedeu por Mandelstam e, um dia, Estaline telefonou-lhe,
dizendo-lhe que o caso de Mandelstam “ia ser reexaminado”, que passaria da
prisão para o exílio interno. Depois perguntou a Pasternak se era amigo de
Mandelstam. Pasternak deu a resposta ambígua que o medo impunha: “Os
poetas têm poucos amigos. Geralmente têm inveja uns dos outros”. Estaline foi
dizendo que “ele, por um amigo faria tudo…” e perguntou a Pasternak se
Mandelstam era um “verdadeiro mestre”. Pasternak disse-lhe que era difícil
responder-lhe assim pelo telefone e que preferia fazê-lo pessoalmente. Aí,
Estaline desligou bruscamente e Pasternak ligou de volta, assustado; mas o
Secretário-Geral “estava ocupado e não podia atender”.
Estaline sabia que a dúvida, a
imprevisibilidade e a arbitrariedade eram parte integrante do terror e parecia
divertir-se com isso. Mas apreciava alguns escritores seus contemporâneos – por
sinal, alguns dos melhores, – e poupou-os, mantendo-os sempre em estado de
alerta. Também telefonara uma vez a Michail Bulgakov, que pedira para emigrar
por não conseguir sobreviver na Rússia, e dissuadira-o de o fazer,
arranjando-lhe emprego.
Pasternak que ficara na Rússia depois da Revolução e que ao
contrário de muitos das suas relações sobreviveria, recusara-se a assinar uma
petição da União dos Escritores Soviéticos para a execução de militares na
“Grande Purga”. O Comissariado do Povo vigiava-o, mas nunca o chegaram a
prender. Estaline gostava da sua poesia e ao ver o seu nome numa lista de
condenados à morte por execução, terá dito: “Deixem esse santo doido em paz”. E
deixaram.
Com
a morte de Estaline, e depois de um interregno, Khrushchev tornou-se
Secretário-Geral e moderou o Terror. Baixou
a taxa de ocupação do Goulag e os presos políticos passaram a ser internados em
hospícios. Mas não mudou tudo.
Em
1956, no ano do degelo de Khrutschev, Pasternak acabou O Doutor Jivago, o
seu primeiro e único romance; mas a obra foi considerada “antissoviética” e a
sua publicação não foi autorizada. O manuscrito saiu secretamente para o
exterior e, apesar da pressão dos comunistas russos, acabou por ser publicado
em Itália por Feltrinelli e depois publicado e traduzido por todo o Ocidente. Pasternak
ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1958.
O Doutor Jivago, popularizado pelo
filme de David Lean, além de ser um grande romance – como Margarida e o
Mestre, de Bulgakov, ou a trilogia da Roda Vermelha, de
Soljenitsyne – não é
propriamente um panfleto anti-soviético. Limita-se
a falar do Homem, ou de um homem, nas suas errâncias, as errâncias de qualquer
Ulisses antigo e moderno, navegando pelo mar da vida, entre duas mulheres, duas
paixões, entre fés, entre dúvidas. Mas
passa-se na Rússia Soviética do século XX e por não ser suficientemente
dicotómico ou apologético e se mover
entre ambiguidades, peca por
omissão, por desvio do cânone estabelecido pelo Primeiro Congresso da União dos
Escritores Soviéticos, em 1934; um cânone que, afinal, passado que estaria o
terror e já com Kruschev, ainda vigorava. E as directivas dos “escritores
soviéticos unidos” eram claras:
O Realismo Socialista é, não apenas o
conhecimento da realidade como ela é, mas também o conhecimento da direcção que
segue. E segue para o socialismo, dirige-se para a vitória do proletariado
internacional. Uma obra de arte criada por um socialista realista é, portanto,
a que mostra o caminho e o destino inexorável desse conflito e dessa
contradição, os identifica na vida e os reflecte no resultado do seu trabalho.
Estes “escritores soviéticos unidos”,
verdadeiros pais das amplas liberdades e da democracia, eram os mesmos que
faziam petições a favor do fuzilamento “de militares desviacionistas”, sempre
incansáveis, nas suas muitas tentativas de aplanar o caminho para o Socialismo
e para a Vitória Final.
COMENTÁRIOS:
MCMCA A: O comunismo virou uma religião com os seus seguidores fanáticos que são
surdos, cegos e mudos perante realidades inconvenientes para o culto NUNO SILVA: Valha-nos o
JMP para nos contar estas coisas. Salve. Carlos Domingos: Sim, em Portugal pode. País
atrasado ... José Paulo C
Castro: O 'Doutor
Jivago', na sua ambiguidade ideológica e redutora à condição humana, espelha
muito bem o conflito entre as tentativas de utopia e os seus danos maiores à
humanidade. Consegue expor a farsa toda muito subtilmente ao criar uma espécie
de saudade pela liberdade, em contraste com a realidade opressora nas
tentativas da utopia. O pano de fundo acaba por ser uma tragédia, disfarçada de
pessoal, que é realmente de natureza social. Ou socialista... Antonio
Bastos: Há 100 anos
acredito que eles acreditavam nos amanhãs, hoje é uma forma de vida e
depois os operários e camponeses já não existem, onde arranjar sócios . Barra
D'Aço: Para os que
defendem o PC e acham o Comunismo muito diferente do Nazismo, perguntem ao
Jerónimo se a Coreia do Norte é uma democracia? Têm aí a resposta à
"evolução" do partido das "liberdades". Claro que podem, JNP...
Então os cristãos não esperam também, e em dose muito mais forte, esses
«amanhãs que cantam»?!... E para tal
esperança (ou o desejo psicologizado...) bastou-lhes pegar numa história de um
deus local, etnicizado, tirânico, e remodelá-lo como universal e amorável... Pedro
Ferreira: Que raio de comparação é só
mesmo pelo prazer de dizer mal de alguem. josé maria: Pode um salazarista convicto,
particularmente alinhado com a ditadura, como Jaime Nogueira Pinto, celebrar o
25 de Abril e a democracia ? Poderá mesmo, sabendo-se que aderiu ao Movimento
Jovem Português, o primeiro movimento nacional a utilizar oficialmente a cruz
dos movimentos fascistas europeus ? Teresa
Salgueiro > José maria: Pode um estalinista convicto
perceber o que está escrito? Pode um esquerdista fascista admitir que o
comunismo é uma ideologia da morte? Manuel
Ferreira21: Excelente artigo.
A recente carta aberta dos intelectuais portugueses preocupados com a
televisão, insere-se no realismo socialista dos escritores soviéticos, por
enquanto, não apoiam fuzilamentos, mas se a situação evoluir não se afastarão
muito. Não esquecemos os exílios a seguir ao 25 de abril de 1974, os
saneamentos, os saneamentos feitos no DN pelo Nobel Português, Saramago,
mais um realista socialista. Não esquecemos as prisões arbitrárias, o roubo de
empresas, das herdades, o assalto aos jornais, o assalto da rádio
renascença (acabou à bomba), os crimes de sangue das FP 25, as sevícias,
etc. Temos memória. Maria Oliveira: Só por anedota se pode
considerar o PCP como "pai da democracia" e das "amplas
liberdades democráticas". Aquilo foi sempre um "horror" de
estalinismo.
Luis Teixeira-Pinto: Sinceramente, para mim os comunistas clássicos, da
escola de Lenine ou de Staline, são quase História. Que não convém esquecer,
mas que importa não fazer renascer agora, que os seus votantes quase se contam
pelos dedos de uma mão. De uma forma geral já não há partidos comunistas, a não
ser em Portugal, e sabemos porquê. Mas mesmo essa última e derradeira
"linhagem" vai acabar e mais cedo do que se imagina.
O que não acabará
tão cedo e esses prometem muito mais, são as hordas de fanáticos gramscianos
que florescem não no proletariado operário, ou nos camponeses oprimidos, ou nos
marinheiros (a eterna fonte de "carne para canhão" dos comissários
para as necessidades correntes), mas sim no seio da burguesia urbana,
razoavelmente bem instalada na vida, e das faculdades de "ciências"
sociais, onde os vírus da discórdia e da conspiração permanentes são criados e
sujeitos a mil mutações, alimentando das formas mais arrepiantes um discurso
distópico e fracturante, que se vai impondo perante o estupor em que mergulhou
a maior parte das gentes, que se confessa incapaz de o contrariar ou
simplesmente indiferente. É um discurso seguido de uma prática destrutiva,
semeando ódios, gerando divisões, sobretudo pelo silêncio a que remetem
qualquer um pelas classificações imediatas e persistentes de anátemas gastos e
renovados, que na maior parte das vezes são também insultos. Formam-se lobbies à volta de minorias muito
minoritárias, elevam-se outros à dimensão de problemas sociais graves e
eis-nos, como agora na universidade de Manchester (já na Europa), a sermos
confrontados com palavras proibidas, conceitos que pensávamos intimamente
nossos como Mãe e Pai, eliminados, e outras fragmentações desgraçadas que aos
poucos vão destruindo o modo como construímos a vida e a nossa forma de ser. Esse sim o perigo que é preciso enfrentar e
derrotar, os comunistas já não precisam de "pancada", agora já todos
parecem valentes a enfrentá-lo, quando estão moribundos. A guerra é outra. José
Paulo C CastroLuis Teixeira-Pinto: Correcto. O marxismo deixou de
ser objectivo mas passou a ser um método de assalto ao poder. VICTORIA
ARRENEGA > Luis Teixeira-Pinto: A guerra é outra. Tem razão.
Toda esta treta de temas fracturantes tem aberto mesmo brechas na nossa sociedade
ocidental cheia de vícios e manhas. Acho que as pessoas estão a ficar cansadas
com estes temas fracturantes que de um modo geral atingem as raias do
ridículo e do disparate, (veja agora o caso da tradução do poema da jovem negra
americana). O comunismo continua a ser um problema em Portugal. Como é que se
explica que uma força política com tão pouca expressão eleitoral possa ter
tanta exposição mediática e tanta influência? A pergunta é retórica,
sabemos a resposta. MCMCA AVICTORIA ARRENEGA: basta que tenha meia dúzia de
jornalistas pagos e que o poder dependa da sua insignificante
representatividade. Costa deu a paga ao PCP permitindo que, como nunca, as ruas
estivessem engalanadas com a sua bandeira. Nem no auge da revolução em 1974,
com os comunistas a comandar insurreições, tomada de empresas e a prender
indiscriminadamente tal se viu Maria Nunes: JNP, obrigada por este
excelente artigo, que deveria fazer parte dos programas das escolas. António
de Mendonça: Excelente artigo. Por cá, parece-me que facilmente esquecemos o que o PCP
orquestrou em 1974 e 1975. As ocupações das propriedades no sul do país,
passando pelos saneamentos selvagens de empresários e jornalistas, o furto do
arquivo da Pide entregue aos soviéticos, que está na Lublinianka para quem
quiser ou puder consultar, na passagem de poder da nossa administração aos
movimentos marxistas e maoistas nas ex-colónias que resultou em guerras civis,
perseguições e assassinatos e por aí fora. Não esquecer que o PCP tinha gente
suas nos serviços cadastrais do Estado e que passava documentação portuguesa a
agentes de do todo o bloco soviético etc. Enfim, um registo vergonhoso, suficiente
para, na minha opinião, ter justificado um voto de condenação dos partidos
democráticos na Assembleia da república em vez de permitirem essas
manifestações anacrónicas de parabenização de uma organização totalitária,
profundamente anti-democrática e oportunista. José Paulo C
Castro > António de
Mendonça: A forma como o PCP infiltrou a administração pública de forma a colocar
portas de entrada em todo o lado para agentes soviéticos dissimulados roça a
traição ao país ou a crime de espionagem. Até empresários 'amigos' foram
utilizados para essas acções. Mas não se pode dizer isto... Afecta a ficção de
defesa de um 'povo' (que não é o nacional mas o 'povo' dos sovietes). Eles até
usam em cartazes a palavra 'patriótica' relativa a uma política que só respeita
uma bandeira e que era externa. Não a nacional. Nunca as nacionais. Adelino Lopes: Tal como já nos habituou, mais
um excelente artigo. Do pouco que consigo ler, para mim, Svetlana Alexijevich é
a minha referência do leste. Mas não preciso sequer de a citar para mostrar a
utopia do comunismo. Vejamos. Se o comunismo é uma ideologia tão defensora das
liberdades e da democracia, porque será que as pessoas tiveram de enfrentar a
morte (muro da vergonha, baía de cuba, etc) para fugirem desses regimes? Porque
tentaram/tentam fugir? Porque será que não existem sindicatos nesses regimes?
Porque será que ocupam os últimos lugares da tabela do PibPerCapita? São
conhecidos turistas (a maior forma de liberdade de um povo) vindos desses
países? Um conselho. Se um dia se cruzarem com um comunista, tentem (de forma
não ostensiva) abordar estas questões. Vale bem a pena tentarem, acreditem. Rui
Roque: As crónicas JNP
valem, só por si, a subscrição anual do Observador. José Montargil: Eu fico-me pela pergunta do
título já que não sou assinante do OBSERVADOR não pude ler o artigo. Já foi provado à saciedade no século XX o
que a ideologia comunista traduz na sua prática. Regimes daqueles foram uma
autêntica maldição para esses povos. Em Portugal não o conseguiram, mas deixaram
um rasto de destruição que ainda hoje se perpetua. As palavras de que os
comunistas usam e abusam na propaganda, nos seus textos, panfletos,
comunicações, etc...têm significados diferentes que o comum dos mortais lhes
atribui e não são os mesmos que vêm nos dicionários. Foi um engano que causou
milhões de mortos. Conscientemente sacrificaram povos inteiros a essa ideologia
que a realidade ainda não conseguiu limpar do mapa.
Temos que conviver com ela e todos os dias é necessário ter coragem
para denunciá-la. João Bilé
Serra: Parabéns ao autor
que, sem cumplicidades nem compromissos de pensamento, diz o óbvio e o
obviamente correcto. A desfaçatez de "intelectuais" engajados como
o Miguel
Esteves Cardoso em descrever os comunistas de cá como heróis da liberdade é bem sinal do
estado de mentira institucional e de negação metódica da realidade em que
vivemos. Paulo Silva: Caro cronista, muito
interessante e agradável prosa, mas às alminhas
materialistas que por aqui campeiam agora é que lhes vai dar um chelique… Já
andam enjoadas de comunismo e de PCP. Só queiram saber se a etiqueta das
bandeiras já era “made in RP China”, ou ainda era das antigas. Quanto às suas questões, não tenho qualquer
dúvida, nem acho que ninguém tenha, o PCP conspirou interna e externamente
contra o Estado Novo para o seu derrube. Isso era do seu óbvio interesse, e de
outros... Mas como pai da ‘Democracia’… Humm, isso deixa um poucochinho a
desejar. Então não é que o PCP pela boca do camarada secretário-geral já não a
reconhece?… Mas onde pára a ‘Democracia’? Será na Coreia do Norte?… Em Cuba?
Na Venezuela do Maburro?!… Nas mentes iluminadas das alminhas nunca pairou a
mais pequena nuvem... A “utopia nunca
realizada”?!… Bom, isso é um pleonasmo, as utopias por realizar ou realizadas
são oxímoros. O barbudo Marx, apesar de ser um grande charlatão, sabia disto,
(porque para se ser um grande charlatão é preciso conhecimento e esperteza).
Rotulou as ideias dos mais directos concorrentes de utópicas, e as suas e de
Engels de ‘científicas’. De uma penada promovia o seu pensamento ao
positivismo, e o dos adversários baixava à fantasia literária. Em 1842 o
periódico Augsburg Allgemeine Zeitung tinha
acusado o Rheinische Zeitung de
simpatias comunistas, por causa de um artigo de Marx sobre a situação da
habitação em Berlim. Este respondeu em nome do jornal alegando que não lhe era
possível conceder ao ideário comunista da época, uma vez que este nem sequer
possuía realidade teórica. Segundo o ‘jovem’ jornalista mesmo que esse ideário
pudesse conduzir a uma revolta de massas, esta dissipar-se-ia facilmente com as
balas de canhão, assim que se tornasse uma ameaça. Já “ideias que tenham conquistado o nosso
intelecto e tomado posse dos nossos espíritos são correntes das quais ninguém
se pode libertar sem ficar com o coração despedaçado.” O grande
feito do charlatão constituiu na construção dessa realidade teórica fazendo com
que ideias utópicas - apelativas mas improváveis portanto - passassem a ser
vistas como objectivamente possíveis e deterministicamente realizáveis. Este é
o encanto do barbudo, e o canto dos amanhãs...
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