sexta-feira, 12 de março de 2021

Ler para crer

 

Jaime Nogueira Pinto esclarece, ensina, encanta, combate com as armas do saber e da coragem de o dizer. Que não pare nunca para a felicidade dos soterrados no murmúrio amedrontado.

Até que os amanhãs cantem /premium

Poderá um partido comunista, e um partido comunista particularmente alinhado com a “experiência soviética”, celebrar-se como “pai da democracia” e das “amplas liberdades democráticas”?

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador    

OBSERVADOR, 12 mar 2021

É natural que os movimentos e partidos políticos celebrem o seu passado, a sua identidade, os seus símbolos, os seus mártires. Fazem-no todos, à esquerda e à direita, conforme podem e os deixam.

Mas as ideologias, os movimentos, as forças políticas, têm os seus valores e os seus contravalores, valores que encerram apologias e negações, amigos e inimigos, passados a exaltar ou a abominar. Em princípio, um liberal – com mais ou menos iniciativa – valorizará a liberdade de comércio e os impostos baixos acima das taxas alfandegárias e de segurança social, opondo-se à supremacia estatal; um conservador, a unidade da família e a defesa da vida, opondo-se ao aborto, à eutanásia e à institucionalização e instrumentalização de géneros, casamentos e procriações alternativas; um nacionalista preferirá a independência do país, a uma dependência estrangeira, mesmo com vantagens económicas.

Quero com isto dizer que um defensor de Salazar poderia, por exemplo, enaltecer o Estado Novo no plano da defesa da Nação e da exaltação da História ou como Estado de obras e de desenvolvimento económico, mas seria absurdo que enaltecesse Salazar como campeão do pluralismo democrático ou do liberalismo.

Poderá então um partido comunista, e um partido comunista particularmente alinhado com a “experiência soviética”, celebrar-se como “pai da democracia” e das “amplas liberdades democráticas”? Aqui, neste canto da Europa que resiste ainda e sempre à equiparação do comunismo ao nazismo, parece que não só pode como até deve.

Mas por maior que seja a boa vontade – e não pondo em dúvida a dedicação do PCP à causa da classe operária e da igualdade entre os homens ou até os bons sentimentos e a boa consciência moral dos seus militantes – parece-me difícil se não mesmo impossível não ver como ridícula e absurda a celebração desta agora centenária organização como campeã da liberdade das pessoas e das ideias.

Absurdo e ridículo? Perguntarão alguns. Como, se o ideal comunista permanece vivo e é, ainda e sempre, o da democracia avançada e o da libertação total? Talvez por isso neste centenário, além das bandeiras vermelhas generosamente penduradas por lusas praças e avenidas (com facilidades, ou pelo menos com autorizações, autárquicas), tivessem voltado alguns comentadores a falar de “utopia nunca realizada”. Longe de se mostrarem satisfeitos com as muitas e duradoiras tentativas de realização do imorredoiro ideal, parecem propor que as ignoremos para que se não cesse de tentar torcer o presente até que os amanhãs cantem. Nada, portanto, de errado com a utopia… as tentativas de realização é que lhe terão, eventualmente, ficado aquém.

Mas poderá uma doutrina que divide, com arrojo e simplicidade, a Humanidade em duas classes (começando pela oposição binária mestra, Burguesia-Proletariado, que depois tutela todas as outras – patrões-trabalhadores, latifundiários-camponeses, exploradores-explorados, opressores-oprimidos), uma doutrina que defende que a luta destas duas classes ou destes dois polos é eterna e o motor da História, ser a origem de uma sociedade livre e pacífica? A vitória de uns será inevitavelmente a derrota e a aniquilação dos outros e o lado a abater do binómio estará sempre e irremediavelmente condenado. Para não falar daquilo que não cabe e daqueles que não cabem nessa sofisticada e científica dicotomia (as classes médias, por exemplo, e as muitas e desvairadas realidades e gentes de que se faz a humanidade). Pouco importa: para estes experimentados utópicos, se alguma coisa ou alguém não existe no cânone pura e simplesmente não existe, ou passa a não existir; porque se a utopia é para ser realizada o cânone é para cumprir.

Cem milhões de “inimigos do povo”

Foram muitas e duradoiras as tentativas de realização da generosa utopia. E feitas pelos próprios, por partidos comunistas, seguindo métodos comunistas, de acordo com a vulgata e o cânone comunista e aplaudidas por comunistas. Na Rússia, começou no Inverno de 1917-1918, e acabou mais de 70 anos depois. Começou com uma Guerra Civil, em que aristocratas e burgueses foram eliminados. Os concorrentes liberais-democratas, social-democratas, socialistas, mencheviques, também desapareceram; sempre em nome do sonho, da utopia codificada num manual seguido religiosamente pelos partidos comunistas irmãos – inclusive, pelos camaradas portugueses, que sempre fizeram questão de apoiar a ortodoxia. Depois, já com Estaline já no poder, também o fizeram, em 1941, com o Pacto Germano-Soviético. E chamaram “revisionismo de direita” às críticas de Khruschev a Estaline no XX Congresso; e apoiaram o esmagamento da revolução húngara e a intervenção do Pacto de Varsóvia em Praga, em 1968.

O regime soviético começou por prender e matar os vários “inimigos do povo”, conceito infinitamente elástico que ia da família real russa (incluindo crianças, criados e animais de estimação – até o PAN teria uma palavra de pesar, nem que fosse só pelos cães dos Romanov) aos kulaks, os camponeses que tinham mais de uma vaca. O primeiro Terror foi desencadeado pelo massacre dos reféns, depois do atentado de Fanny Kaplan contra Lenine (Mussolini, lembre-se, não matou ninguém depois dos atentados que sofreu e ainda libertou alguns dos seus autores: mas Mussolini era fascista e não estava escudado pela imorredoira utopia). Ainda no tempo de Lenine, a Tcheca fez mais de um milhão de presos e dezenas de milhares de mortos. Depois da acalmia da NEP, o Terror intensificou-se com Estaline, com a colectivização e o Holomodor – a fome política que matou entre dois a quatro milhões de ucranianos. Mortos intencionalmente, à fome, entre 1932 e 1934, através da “colectivização” que os camponeses, a quem a NEP dera posse e propriedade das terras dos feudais do czarismo, viram como um regresso da Servidão, abolida em 1861Mas pelo sonho é que vamos.

Há grande discussão sobre o número das vítimas do estalinismo, no quarto de século de poder do Czar Vermelho (1928-1953), mas Robert Conquest, que tem uma excelente monografia sobre a época (The Great Terror – Stalin’s Purge of the Thirties, 1968) fica-se pelos 15 milhões. Há quem aumente, há quem diminua, mas é uma bela soma, por mais que se queira que os amanhãs cantem.

Estaline era uma combinação do despotismo asiático à Ivan, o Terrível (imortalizado por Eisenstein, num filme ideologicamente ambíguo), do centralismo modernizante de Pedro, o Grande, e dos compêndios de Marx, Engels e Lenine que transformou em Vulgata. Era também um leitor atento da grande literatura russa – de Dostoievski, de Tolstoi, de Tchékhov – e gostava particularmente de Westerns e de filmes de gangsters. Era um camponês georgiano inteligente, manhoso, sem barreiras religiosas, éticas ou até de lealdades pessoais, que acreditava que o medo era a grande força agregadora das sociedades e destruidora das resistências; o medo que, realizar a utopia, tinha de ser mantido bem vivo, pelo terror. Foi assim na União Soviética e foi assim, em proporção, na instalação do comunismo na Europa Oriental.

Os comunistas não ganharam nunca uma eleição antes de tomarem o poder. Mesmo na Checoslováquia, quando chegaram aos 38% com Gottwald, em 1947, deram o golpe de Praga em 1948. As mortandades em grande escala repetiram-se na China, com o utópico Mao, no Grande Salto em Frente e na Revolução Cultural. E no Cambodja, com os Kmerhs Vermelhos; e em África, na Etiópia de Mengistu. Chegou-se bem depressa aos tais cem milhões. Para custos de uma utopia nunca realizada, não está mal. E foram só tentativas.

Estes números que não são questionáveis nem questionados talvez sejam reaccionários e fascistas, até porque deixam a perder de vista, em qualidade e quantidade, a repressão dos 48 anos de “fascismo” à portuguesa.

A tentativa de construção do paraíso na terra através do terror, que começou com Lenine e Trotsky e escalou com Estaline, foi denunciada por Khrutschev em 1956, depois da transição 1953-1956, no famoso XX Congresso. Parece que afinal a direcção estava certa mas que não era bem por ali; alguns utópicos pediram desculpa: a realização da utopia seguia dentro de momentos.

Amplas Liberdades de Expressão Artística

Outro aspecto também muito exaltado pelo Partido das “amplas liberdades” é a liberdade de criação literária e artística, dura e implacavelmente sufocada aqui, entre nós, durante “a longa noite fascista”. Nada a ver com o clima de tolerante liberdade vivido na paradisíaca União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Em 1912, no centenário do nascimento de Herzen, Lenine retratara o poeta como um nobre liberal, um precursor do socialismo que percebera que “a dialéctica de Hegel” era “a álgebra da revolução”; alguém que, com Feuerbach, chegara até a evoluir para o materialismo e se entusiasmara com as revoluções de 1848, até que o fracasso o levasse ao cepticismo. Mas enfim, combatera “o monstro”, a monarquia czarista, por isso, apesar de as suas “origens de classe” ou de a sua proveniência “aristocrática e latifundiária” o não terem deixado entender a grandeza do socialismo, Lenine, magnânimo, incluía Herzen no panteão da revolução.

O século anterior fora o século de oiro da Literatura Russa, com Tolstoi, Gogol, Pushkin, Dostoievski, Tchekhov, Bely; e a revolução de Fevereiro de 1917 e a revolução de Outubro trariam, inicialmente, a adesão de muitos intelectuais e escritores. Era a primeira tentativa de realização da utopia.

Mas dos escritores contemporâneos da revolução, muitos acabariam por sair da Rússia – e deste mundo. Os poetas Aleksander Blok e Vladimir Maiakovski resolveram ficar na pátria da utopia. Blok desiludiu-se e morreu cedo; Maiakovski, depois de defender a Revolução, desiludiu-se também com a escalada censória dos escritores proletários e suicidou-se ou foi suicidado. Outros, como Górki, foram-se adaptando; outros ainda, como Osip Mandelstam, foram mortos nos campos de concentração.

Mandelstam, concebeu o Epigrama de Estaline, em que acusava o Secretário-Geral, “o caucasiano do Kremlin”, de ser responsável pelas fomes que estavam a matar milhões. Disse-o a Boris Pasternak na rua, e Pasternak, assustado, respondeu-lhe: “Eu não ouvi nada. Tu não me disseste nada.” Mas outros ouviram-no e Mandelstam foi denunciado e preso. Pasternak intercedeu por Mandelstam e, um dia, Estaline telefonou-lhe, dizendo-lhe que o caso de Mandelstam “ia ser reexaminado”, que passaria da prisão para o exílio interno. Depois perguntou a Pasternak se era amigo de Mandelstam. Pasternak deu a resposta ambígua que o medo impunha: “Os poetas têm poucos amigos. Geralmente têm inveja uns dos outros”. Estaline foi dizendo que “ele, por um amigo faria tudo…” e perguntou a Pasternak se Mandelstam era um “verdadeiro mestre”. Pasternak disse-lhe que era difícil responder-lhe assim pelo telefone e que preferia fazê-lo pessoalmente. Aí, Estaline desligou bruscamente e Pasternak ligou de volta, assustado; mas o Secretário-Geral “estava ocupado e não podia atender”.

Estaline sabia que a dúvida, a imprevisibilidade e a arbitrariedade eram parte integrante do terror e parecia divertir-se com isso. Mas apreciava alguns escritores seus contemporâneos – por sinal, alguns dos melhores, – e poupou-os, mantendo-os sempre em estado de alerta. Também telefonara uma vez a Michail Bulgakov, que pedira para emigrar por não conseguir sobreviver na Rússia, e dissuadira-o de o fazer, arranjando-lhe emprego.

Pasternak que ficara na Rússia depois da Revolução e que ao contrário de muitos das suas relações sobreviveria, recusara-se a assinar uma petição da União dos Escritores Soviéticos para a execução de militares na “Grande Purga”. O Comissariado do Povo vigiava-o, mas nunca o chegaram a prender. Estaline gostava da sua poesia e ao ver o seu nome numa lista de condenados à morte por execução, terá dito: “Deixem esse santo doido em paz”. E deixaram.

Com a morte de Estaline, e depois de um interregno, Khrushchev tornou-se Secretário-Geral e moderou o Terror. Baixou a taxa de ocupação do Goulag e os presos políticos passaram a ser internados em hospícios. Mas não mudou tudo.

Em 1956, no ano do degelo de Khrutschev, Pasternak acabou O Doutor Jivago, o seu primeiro e único romance; mas a obra foi considerada “antissoviética” e a sua publicação não foi autorizada. O manuscrito saiu secretamente para o exterior e, apesar da pressão dos comunistas russos, acabou por ser publicado em Itália por Feltrinelli e depois publicado e traduzido por todo o Ocidente. Pasternak ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1958.

O Doutor Jivago, popularizado pelo filme de David Lean, além de ser um grande romance – como Margarida e o Mestre, de Bulgakov, ou a trilogia da Roda Vermelha, de Soljenitsynenão é propriamente um panfleto anti-soviético. Limita-se a falar do Homem, ou de um homem, nas suas errâncias, as errâncias de qualquer Ulisses antigo e moderno, navegando pelo mar da vida, entre duas mulheres, duas paixões, entre fés, entre dúvidas. Mas passa-se na Rússia Soviética do século XX e por não ser suficientemente dicotómico ou apologético e se mover entre ambiguidades, peca por omissão, por desvio do cânone estabelecido pelo Primeiro Congresso da União dos Escritores Soviéticos, em 1934; um cânone que, afinal, passado que estaria o terror e já com Kruschev, ainda vigorava. E as directivas dos “escritores soviéticos unidos” eram claras:

O Realismo Socialista é, não apenas o conhecimento da realidade como ela é, mas também o conhecimento da direcção que segue. E segue para o socialismo, dirige-se para a vitória do proletariado internacional. Uma obra de arte criada por um socialista realista é, portanto, a que mostra o caminho e o destino inexorável desse conflito e dessa contradição, os identifica na vida e os reflecte no resultado do seu trabalho.

Estes “escritores soviéticos unidos”, verdadeiros pais das amplas liberdades e da democracia, eram os mesmos que faziam petições a favor do fuzilamento “de militares desviacionistas”, sempre incansáveis, nas suas muitas tentativas de aplanar o caminho para o Socialismo e para a Vitória Final.

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COMENTÁRIOS:

MCMCA A: O comunismo virou uma religião com os seus seguidores fanáticos que são surdos, cegos e mudos perante realidades inconvenientes para o culto             NUNO SILVA: Valha-nos o JMP para nos contar estas coisas. Salve.          Carlos Domingos: Sim, em Portugal pode. País atrasado ...           José Paulo C Castro: O 'Doutor Jivago', na sua ambiguidade ideológica e redutora à condição humana, espelha muito bem o conflito entre as tentativas de utopia e os seus danos maiores à humanidade. Consegue expor a farsa toda muito subtilmente ao criar uma espécie de saudade pela liberdade, em contraste com a realidade opressora nas tentativas da utopia. O pano de fundo acaba por ser uma tragédia, disfarçada de pessoal, que é realmente de natureza social. Ou socialista...           Antonio Bastos: Há 100 anos acredito que eles acreditavam nos amanhãs, hoje é uma forma de vida  e depois os operários e camponeses já não existem, onde arranjar sócios .       Barra D'Aço: Para os que defendem o PC e acham o Comunismo muito diferente do Nazismo, perguntem ao Jerónimo se a Coreia do Norte é uma democracia? Têm aí a resposta à "evolução" do partido das "liberdades". Claro que podem, JNP... Então os cristãos não esperam também, e em dose muito mais forte, esses «amanhãs que cantam»?!... E para tal esperança (ou o desejo psicologizado...) bastou-lhes pegar numa história de um deus local, etnicizado, tirânico, e remodelá-lo como universal e amorável...     Pedro Ferreira: Que raio de comparação é só mesmo pelo prazer de dizer mal de alguem.        josé maria: Pode um salazarista convicto, particularmente alinhado com a ditadura, como Jaime Nogueira Pinto, celebrar o 25 de Abril e a democracia ? Poderá mesmo, sabendo-se que aderiu ao Movimento Jovem Português, o primeiro movimento nacional a utilizar oficialmente a cruz dos movimentos fascistas europeus ?           Teresa Salgueiro > José maria: Pode um estalinista convicto perceber o que está escrito? Pode um esquerdista fascista admitir que o comunismo é uma ideologia da morte?          Manuel Ferreira21: Excelente artigo. A recente carta aberta dos intelectuais portugueses preocupados com a televisão, insere-se no realismo socialista dos escritores soviéticos, por enquanto, não apoiam fuzilamentos, mas se a situação evoluir não se afastarão muito. Não esquecemos os exílios a seguir ao 25 de abril de 1974, os saneamentos,  os saneamentos feitos no DN pelo Nobel Português, Saramago, mais um realista socialista. Não esquecemos as prisões arbitrárias, o roubo de empresas, das herdades, o assalto aos jornais, o assalto da  rádio renascença (acabou à bomba), os crimes de sangue das FP 25,  as sevícias, etc. Temos memória.          Maria Oliveira: Só por anedota se pode considerar o PCP como "pai da democracia" e das "amplas liberdades democráticas". Aquilo foi sempre um "horror" de estalinismo.     Luis Teixeira-Pinto: Sinceramente, para mim os comunistas clássicos, da escola de Lenine ou de Staline, são quase História. Que não convém esquecer, mas que importa não fazer renascer agora, que os seus votantes quase se contam pelos dedos de uma mão. De uma forma geral já não há partidos comunistas, a não ser em Portugal, e sabemos porquê. Mas mesmo essa última e derradeira "linhagem" vai acabar e mais cedo do que se imagina.  O que não acabará tão cedo e esses prometem muito mais, são as hordas de fanáticos gramscianos que florescem não no proletariado operário, ou nos camponeses oprimidos, ou nos marinheiros (a eterna fonte de "carne para canhão" dos comissários para as necessidades correntes), mas sim no seio da burguesia urbana, razoavelmente bem instalada na vida, e das faculdades de "ciências" sociais, onde os vírus da discórdia e da conspiração permanentes são criados e sujeitos a mil mutações, alimentando das formas mais arrepiantes um discurso distópico e fracturante, que se vai impondo perante o estupor em que mergulhou a maior parte das gentes, que se confessa incapaz de o contrariar ou simplesmente indiferente. É um discurso seguido de uma prática destrutiva, semeando ódios, gerando divisões, sobretudo pelo silêncio a que remetem qualquer um pelas classificações imediatas e persistentes de anátemas gastos e renovados, que na maior parte das vezes são também insultos. Formam-se lobbies à volta de minorias muito minoritárias, elevam-se outros à dimensão de problemas sociais graves e eis-nos, como agora na universidade de Manchester (já na Europa), a sermos confrontados com palavras proibidas, conceitos que pensávamos intimamente nossos como Mãe e Pai, eliminados, e outras fragmentações desgraçadas que aos poucos vão destruindo o modo como construímos a vida e a nossa forma de ser. Esse sim o perigo que é preciso enfrentar e derrotar, os comunistas já não precisam de "pancada", agora já todos parecem valentes a enfrentá-lo, quando estão moribundos. A guerra é outra.   José Paulo C CastroLuis Teixeira-Pinto: Correcto. O marxismo deixou de ser objectivo mas passou a ser um método de assalto ao poder.         VICTORIA ARRENEGA > Luis Teixeira-Pinto: A guerra é outra. Tem razão. Toda esta treta de temas fracturantes tem aberto mesmo brechas na nossa sociedade ocidental cheia de vícios e manhas. Acho que as pessoas estão a ficar cansadas com estes temas fracturantes que  de um modo geral atingem as raias do ridículo e do disparate, (veja agora o caso da tradução do poema da jovem negra americana). O comunismo continua a ser um problema em Portugal. Como é que se explica que uma força política com tão pouca expressão eleitoral possa ter tanta exposição mediática e  tanta influência? A pergunta é retórica, sabemos a resposta.        MCMCA AVICTORIA ARRENEGA: basta que tenha meia dúzia de jornalistas pagos e que o poder dependa da sua insignificante representatividade. Costa deu a paga ao PCP permitindo que, como nunca, as ruas estivessem engalanadas com a sua bandeira. Nem no auge da revolução em 1974, com os comunistas a comandar insurreições, tomada de empresas e a prender indiscriminadamente tal se viu         Maria Nunes: JNP,  obrigada por este excelente artigo, que deveria fazer parte dos programas das escolas.   António de Mendonça: Excelente artigo. Por cá, parece-me que facilmente esquecemos o que o PCP orquestrou em 1974 e 1975. As ocupações das propriedades no sul do país, passando pelos saneamentos selvagens de empresários e jornalistas, o furto do arquivo da Pide entregue aos soviéticos, que está na Lublinianka para quem quiser ou puder consultar, na passagem de poder da nossa administração aos movimentos marxistas e maoistas nas ex-colónias que resultou em guerras civis, perseguições e assassinatos e por aí fora. Não esquecer que o PCP tinha gente suas nos serviços cadastrais do Estado e que passava documentação portuguesa a agentes de do todo o bloco soviético etc. Enfim, um registo vergonhoso, suficiente para, na minha opinião, ter justificado um voto de condenação dos partidos democráticos na Assembleia da república em vez de permitirem essas manifestações anacrónicas de parabenização de uma organização totalitária, profundamente anti-democrática e oportunista.            José Paulo C Castro > António de Mendonça: A forma como o PCP infiltrou a administração pública de forma a colocar portas de entrada em todo o lado para agentes soviéticos dissimulados roça a traição ao país ou a crime de espionagem. Até empresários 'amigos' foram utilizados para essas acções. Mas não se pode dizer isto... Afecta a ficção de defesa de um 'povo' (que não é o nacional mas o 'povo' dos sovietes). Eles até usam em cartazes a palavra 'patriótica' relativa a uma política que só respeita uma bandeira e que era externa. Não a nacional. Nunca as nacionais.               Adelino Lopes: Tal como já nos habituou, mais um excelente artigo. Do pouco que consigo ler, para mim, Svetlana Alexijevich é a minha referência do leste. Mas não preciso sequer de a citar para mostrar a utopia do comunismo. Vejamos. Se o comunismo é uma ideologia tão defensora das liberdades e da democracia, porque será que as pessoas tiveram de enfrentar a morte (muro da vergonha, baía de cuba, etc) para fugirem desses regimes? Porque tentaram/tentam fugir? Porque será que não existem sindicatos nesses regimes? Porque será que ocupam os últimos lugares da tabela do PibPerCapita? São conhecidos turistas (a maior forma de liberdade de um povo) vindos desses países? Um conselho. Se um dia se cruzarem com um comunista, tentem (de forma não ostensiva) abordar estas questões. Vale bem a pena tentarem, acreditem.          Rui Roque: As crónicas JNP valem, só por si, a subscrição anual do Observador.  José Montargil: Eu fico-me pela pergunta do título já que não sou assinante do OBSERVADOR não pude ler o artigo. Já foi provado à saciedade no século XX o que a ideologia comunista traduz na sua prática. Regimes daqueles foram uma autêntica maldição para esses povos. Em Portugal não o conseguiram, mas deixaram um rasto de destruição que ainda hoje se perpetua. As palavras de que os comunistas usam e abusam na propaganda, nos seus textos, panfletos, comunicações, etc...têm significados diferentes que o comum dos mortais lhes atribui e não são os mesmos que vêm nos dicionários. Foi um engano que causou milhões de mortos. Conscientemente sacrificaram povos inteiros a essa ideologia que a realidade ainda não conseguiu limpar do mapa. Temos que conviver com ela e todos os dias é necessário ter coragem para denunciá-la.          João Bilé Serra: Parabéns ao autor que, sem cumplicidades nem compromissos de pensamento, diz o óbvio e o obviamente correcto. A desfaçatez de "intelectuais" engajados como o Miguel Esteves Cardoso em descrever os comunistas de cá como heróis da liberdade é bem sinal do estado de mentira institucional e de negação metódica da realidade em que vivemos.       Paulo Silva: Caro cronista, muito interessante e agradável prosa, mas às                                           alminhas materialistas que por aqui campeiam agora é que lhes vai dar um chelique… Já andam enjoadas de comunismo e de PCP. Só queiram saber se a etiqueta das bandeiras já era “made in RP China”, ou ainda era das antigas. Quanto às suas questões, não tenho qualquer dúvida, nem acho que ninguém tenha, o PCP conspirou interna e externamente contra o Estado Novo para o seu derrube. Isso era do seu óbvio interesse, e de outros... Mas como pai da ‘Democracia’… Humm, isso deixa um poucochinho a desejar. Então não é que o PCP pela boca do camarada secretário-geral já não a reconhece?… Mas onde pára a ‘Democracia’? Será na Coreia do Norte?… Em Cuba? Na Venezuela do Maburro?!… Nas mentes iluminadas das alminhas nunca pairou a mais pequena nuvem... A “utopia nunca realizada”?!… Bom, isso é um pleonasmo, as utopias por realizar ou realizadas são oxímoros. O barbudo Marx, apesar de ser um grande charlatão, sabia disto, (porque para se ser um grande charlatão é preciso conhecimento e esperteza). Rotulou as ideias dos mais directos concorrentes de utópicas, e as suas e de Engels de ‘científicas’. De uma penada promovia o seu pensamento ao positivismo, e o dos adversários baixava à fantasia literária. Em 1842 o periódico Augsburg Allgemeine Zeitung tinha acusado o Rheinische Zeitung de simpatias comunistas, por causa de um artigo de Marx sobre a situação da habitação em Berlim. Este respondeu em nome do jornal alegando que não lhe era possível conceder ao ideário comunista da época, uma vez que este nem sequer possuía realidade teórica. Segundo o ‘jovem’ jornalista mesmo que esse ideário pudesse conduzir a uma revolta de massas, esta dissipar-se-ia facilmente com as balas de canhão, assim que se tornasse uma ameaça. Já “ideias que tenham conquistado o nosso intelecto e tomado posse dos nossos espíritos são correntes das quais ninguém se pode libertar sem ficar com o coração despedaçado.” O grande feito do charlatão constituiu na construção dessa realidade teórica fazendo com que ideias utópicas - apelativas mas improváveis portanto - passassem a ser vistas como objectivamente possíveis e deterministicamente realizáveis. Este é o encanto do barbudo, e o canto dos amanhãs...

 

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