E não por cá. E isso nos dá uma sensação
de outras frescuras diferentes das nossas rotinas de encardimento contínuo. Pelo
menos, gostei de saber que cá e lá más fadas há. Mas é uma história diferente,
como as que líamos em criança, de tão diferentes origens, e nos provocavam um
encantamento contínuo… Agora é mais por uma fuga às nossas pasquinadas
contínuas de noticiários monocordicamente covidianos, que o artigo de Rui Tavares nos dá uma sensação de leveza. Mas
apreciamos – negativamente, é certo - a sua estratégia de se servir da
presidência portuguesa no Conselho
Europeu, para incentivar A. Costa no sentido
de escorraçar um parceiro europeu, antes que venha o seguinte na presidência a
dar-lhe mais força ainda. “Parece-me isso
cortiço”, como diria o Fidalgo a
respeito da barca onde este queria instalá-lo na partida para o Inferno. Sim,
não me parece muito digno, direi mesmo politicamente correcto, que uma
presidência sirva para expulsar colegas de grupo…
OPINIÃO
Uma humilhação para o PPE, uma oportunidade para a
Europa
Chegou um momento em que nem a UE nem
os seus maiores partidos dependem de Viktor Orbán para nada — e devem tratá-lo
com a mesma frieza pragmática com que ele até agora os manipulou.
PÚBLICO, 5 de
Março de 2021
Durante dez anos, Viktor Orbán procedeu a um desmantelamento
sistemático do Estado de direito na Hungria, de forma premeditada, deliberada
e, acima de tudo, evidente. A maior
família política do continente, o Partido Popular Europeu, que deteve durante
todo esse tempo a presidência da Comissão Europeia, a maior parte dos assentos
no Conselho Europeu e o maior grupo parlamentar da UE, deixou-o fazer. Das
mudanças periódicas da Constituição à decapitação do sistema judicial, da
expulsão da Universidade da Europa Central ao fecho de praticamente todos os
jornais e rádios que não reproduzissem a propaganda do governo, do
aparelhamento das agências e instituições independentes à corrupção desbragada
pelos amigos e família do primeiro-ministro, tudo o PPE foi deixando passar.
Sim,
de vez em quando houve alguém que lamentasse o que se passava, às vezes até
sinceramente. Sim, há uns tempos o Fidesz, partido de Viktor Orbán, foi
“suspenso” do PPE para uma avaliação que nunca foi terminada —mas continuou no
grupo parlamentar correspondente, onde deteve a vice-presidência até ao momento
em que um dos seus deputados ter sido
apanhado numa orgia homossexual fez mais por tirar o Fidesz da direcção
do PPE do que o facto de o mesmo deputado ter escrito a Constituição húngara no
seu iPad sem ser dada qualquer participação à oposição (e gabar-se disso). Na
prática, o PPE e as suas estruturas de poder — independentemente da bravura de
alguns raros membros que desde o início lutaram contra o autoritarismo
nacional-populista do Fidesz — fecharam os olhos ou foram mesmo cúmplices,
fornecendo a Orbán o escudo protector e a valiosíssima rede de contactos da
maior e mais poderosa família política europeia. E embora o grupo de opositores
a Orbán tenha crescido no PPE, foi apenas para continuarem a ver, impotentes,
os seus chefes de partido e de governo empurrar o assunto com a barriga.
A
Europa perdeu mais de dez anos com esta táctica irresponsável e desnecessária —
uma vez que o PPE poderia perfeitamente ter prescindido de Orbán em qualquer
momento do seu caminho, especialmente quando ele poderia fazer menos danos. Mas
com uma escolha consciente e reiterada, apesar de todos os avisos, o PPE
nada fez para conter a deriva que levou pela primeira vez um país da UE a
deixar de ser considerado uma democracia plena nas avaliações das organizações
internacionais especializadas em questões de democracia e direitos humanos.
A história poderia ter sido diferente, mas, infelizmente, o que ela registará é
que o partido que se gaba de ser o mais importante do projecto europeu
acabou a aceitar e até a incentivar por omissão o mais sério e perigoso ataque
aos valores do Estado de direito, da democracia e dos direitos fundamentais na
UE deste século XXI.
A
desvergonha durou mais de dez anos, e se as oportunidades de redenção foram
passando umas depois das outras sem serem aproveitadas, previsível seria que a
trajectória acabasse, como acabou, com uma humilhação para o PPE e com Viktor
Orbán a decidir que os “seus” deputados abandonariam
o grupo parlamentar do PPE (ainda não é claro se abandonou o
partido) ainda antes que os deputados do PPE se conseguissem decidir a expulsar
o Fidesz.
É
um fim adequado. Mas da humilhação do PPE pode surgir ainda uma oportunidade
para a Europa. Viktor Orbán
jogou todas as suas cartas, chegando ao ponto de ameaçar bloquear o orçamento e
o fundo de recuperação da UE se não pudesse gastar o dinheiro sem prestar o
mínimo respeito às regras do
Estado de direito. Agora chegou um momento em que nem a UE nem os seus
maiores partidos dependem de Viktor Orbán para nada — e devem tratá-lo com a
mesma frieza pragmática com que ele até agora os manipulou. Viktor
Orbán foi convencendo o Conselho da UE a bloquear e atrasar a aplicação de
todos os mecanismos de Estado de direito de que a UE se foi dotando. Agora
basta parar de lhe fazer esse favor.
Chegou a altura de se entender
qual é o risco imediato. Ou se age
já — e esse já quer dizer durante a presidência portuguesa da UE — ou
devemos preparar-nos para um cenário em que a presidência eslovena do próximo
semestre, cujo chefe de governo é um aliado de Orbán, consiga queimar mais
tempo até ao momento de descredibilização total em que, em meados desta década,
a presidência da UE venha a ser exercida durante um ano por dois países
cujos governos violam sistematicamente os valores da própria UE — Hungria
e Polónia.
Ou podemos finalmente falar claro, e os próprios húngaros entenderão
que o rei vai nu, antes das eleições húngaras de 2023. É um momento decisivo
para o projeto europeu e para a política neste continente.
Historiador;
fundador do Livre
TÓPICOS
VIKTOR ORBÁN HUNGRIA EUROPA UNIÃO EUROPEIA PARTIDO POPULAR EUROPEU PARLAMENTO EUROPEU CONSELHO EUROPEU
COMENTÁRIOS
OldVic1 MODERADOR: Onde o autor vê
humilhações do PPE, eu vejo uma vitória moral (se Órban sai é porque deixou de
se sentir suficientemente bem para ficar); onde o autor vê perigos
antidemocráticos da direita, eu vejo consequências democráticas de escolhas
eleitorais do povo húngaro (a democracia não garante boas escolhas, garante
escolhas livres, aspecto que certos sectores políticos teimam em não perceber).
Quanto ao Sr. Órban &.ª, por mim já vai tarde, mas cabe ao povo húngaro
resolver o problema, não ao PPE.
Figueira da Foz EXPERIENTE: Caro autor, se
todos os deputados do PPE se comportarem com a mesma hipocrisia que se comporta
Rangel neste seu país, não acredito que possamos ir longe. Explico, Rangel aqui
veste a pele de democrata, em Bruxelas chuta para o lado protegendo um aspirante
a ditador que esmaga as liberdades do seu povo.
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