Isto da Internet. O certo é que o texto histórico
– de Luís Soares de Oliveira - me chegou por email, e com todo o gosto o guardo no
meu blog, encantada com o relato vivo e significativo daquilo que somos, como lutadores
sem ordem…
O HOMEM QUE FOI CONDENADO A CHEFIAR O GOVERNO
(trabalho na forja)
V - O TERROR
JACOBINO
A marcha do processo republicano português veio ao encontro da teoria de Hegel. Mediante a sua abordagem
dialéctica, o filósofo alemão concluiu que os sucessivos movimentos
revolucionários surgem como solução das contradições inerentes ao regime que
cada um deles pretendeu relegar. No entanto,
quando consomem a oposição, convertem-se em novidade absoluta. Para continuarem a revolução, tornam-se
radicais e produzem o aumento abrupto da violência. A revolução, por conseguinte, não pode voltar-se para
nada além de seu próprio resultado e a justiça conquistada com tantas penúrias
degenera num brutal reinado do terror. A violência torna-se tanto mais necessária quanto
maior for a distância entre o conteúdo doutrinário dos revolucionários e o
entendimento do povo. Isto explica o crescente e inevitável predomínio de Afonso Costa e João Chagas. Entre os cabecilhas
históricos do movimento republicano português eram os únicos preparados para e dispostos a levar o
movimento até às suas últimas consequências. Aos restantes faltava qualquer
coisa. Machado dos Santos - o herói
da Rotunda - era o revolucionário puro, totalmente destituído de doutrina. O que o
seduzia era acção, não a palavra. Estava pois condenado à dissidência perpétua.
Os restantes eram todos
tribunos de mão cheia mas não preenchiam o quadro de exigências do
revolucionário. Manuel Arriaga, pioneiro do
republicanismo, era consciencioso, sincero, responsável mas demasiado bondoso.
O académico Bernardino Machado era a versão viva do Falstaff, o famoso personagem de boa índole criado por Shakespeare. O tribuno António José de Almeida, médico e humanitário,
esgotava-se na eloquência; não ia além disso. Por fim, mas não de menos
importância, o iluminado Brito Camacho, o mais bem orientado de todos, preferia os
bastidores ao proscénio. O povo não levava a coisa a sério. Enquanto os três
constitucionalistas redigiam a nova Constituição, o povo cantava com música da
opera bufa "Il trionfo dell'onore": Nós somos três / Três! De
grande perícia ? e… não menor malicia.
Enquanto o povo brincava, Afonso
Costa redigiu a Lei da Separação da Igreja e do Estado e fê-lo à sua maneira. Para ele era tudo o mesmo. Numa
visita aos padres jesuítas presos em Caxias em que se fez acompanhar por
republicanos espanhóis enunciou a teoria segundo a qual Igreja e Maçonaria eram
sociedades secretas que tinham por motivo destruírem-se uma à outra. Era
preciso engrossar as fileiras e assim procediam: a Maçonaria abria as portas aos
monárquicos arrependidos, enquanto Formiga Branca recrutava na rua agitadores. Nem a um nem a outro faltaram aderentes. Segundo Ruy
Ramos, em 1913, o número de iniciados do Grande Oriente passou de 2733
para 4341. Quanto às "formigas", nunca saberemos quem e
quantas eram. Mas Afonso
Costa sabia onde ir buscá-los. Procediam como os tradicionais trauliteiros:
varriam as feiras populares à paulada após o que desapareciam sem deixar rasto.
Era um hábito.
Uma explicação para esta adesão ao radicalismo
violento dá-nos o sociólogo francês Gustaf Le Bon. No seus livro La
Revolution, defende que "a psicologia do indivíduo
subjuga-se à psicologia da multidão. Submetido à alma colectiva, deixa-se
dominar por pulsões irracionais, pelo inconsciente, adquirindo, pelo facto do
número destes, um sentimento de poder invencível. "Aquele que isolado
seria um indivíduo culto; em multidão torna-se um ser instintivo e, por
consequência, um bárbaro”. Daí que a
mentalidade revolucionária característica dos jacobinos, tenha equivalência com
as crenças religiosas: ambas moldam a razão através da crença. "Não há verdadeiro apóstolo sem a necessidade intensa de destroçar seja o que
for. O revolucionário torna-se apóstolo, e deste modo, concentra as
atenções", concluiu.
«««»»»
Há que
reconhecer que a história aprende com os seus próprios erros. Perante a progressão do
ímpeto revolucionário, a liga revolucionária perdeu coesão e a resistência das
camadas sociais receosas do caos começou a tomar forma. António José de Almeida, ao aperceber-se da
dimensão do abismo para que a República nos encaminhava, passou rapidamente de revolucionário a conservador. Como todo o individuo de
formação cientifica, estimava a ordem e declarou que "qualquer acto de rebeldia tolerável na Monarquia seria
agora crime inaceitável". Lembrava também que "a República fez-se para unir os Portugueses e não para os dividir". Boas intenções. António José contava com
a sua eloquência. Arrastaria multidões se necessário fosse. A cobiça não o
movia, atitude que o tornava incompatível com o "fartai vilanagem"
que inspirava os que seguiam Costa. Tal atitude valeu-lhe um ataque de arruaceiros de que foi vítima em
pleno Rossio. Brito
Camacho - dos três chefes de Partido o de menor séquito - estava desde
início deslocado em relação ao quadro violento. Proprietário alentejano,
médico militar com estudos feitos em França, não frequentava cafés e a sua roda
de conversa tinha por cenário uma farmácia. Nas horas vagas, escrevia
novelas e altruisticamente entendia que a revolução se fizera para que o
povo tivesse acesso à educação e não ao dinamite. Foi o primeiro a afastar-se ainda que o único que
deixou obra: O Instituto Superior Técnico e o Instituto
Superior de Comércio ( mais tarde Ciência Económicas).
Vasco Pulido
Valente, que se debruçou sobre o
assunto, concluiu que a violência dos radicais, a que chamou o “terror
jacobino”, foi um instrumento consciente para garantir a sobrevivência da
República. Porém, a própria contra-revolução, viveu da violência, adensando o
clima de ódio e de guerra civil permanente que alimentou o imaginário dos
coevos. Os historiadores coordenados por Ruy Ramos informam na sua História de Portugal que "de
1910 a 1926, entre 1500 e 2000 pessoas terão morrido devido a causas políticas,
no contexto das inúmeras revoluções, revoltas, incursões, pronunciamentos,
ataques bombistas e outros fenómenos, como o assassinato".
»»»«««
Manuel Arriaga (1845-1917), eleito Presidente da
República em 1911, ia acompanhando este processo degenerativo com crescente preocupação.
Ele era pessoa responsável e doutrinador pacífico; o seu republicanismo era
sincero, datava da juventude e tinha-lhe custado caro. Ajudou - ainda
estudante em Coimbra - a fundar o Partido Republicano (Coimbra, 1872), iniciativa
que seu pai, açoriano conservador, não aprovou. Aí perdeu a mesada, o
que o obrigou a dar lições de inglês para se manter, custear os seus estudos e
também os de seu irmão que viria a ser jornalista apreciado. A actividade intelectual de Arriaga mereceu-lhe
ser considerado um dos integrantes da célebre geração de 70. Ao longo de sua militância, nunca apregoou ódios nem
revoluções e demonstrou constante preocupação com a condição do povo humilde
abandonado à sua sorte. O escritor Raul Brandão deu-nos dele - já Presidente - uma imagem poética: «O velho mantém certa aparência de vigor, com
cabeleira branca, a pera branca, e a sobrecasaca antiquada. É uma figura
arrancada a um quadro romântico».
O Movimento das Espadas (fascículo anterior)
proporcionou a Arriaga a primeira oportunidade de intervir na governação. Segundo a Constituição, o presidente não podia demitir
o governo mas, extinto este, competia-lhe
marcar a data das eleições para formar o novo governo. E assim fez. Em Janeiro de 1915, o governo do dia pediu a
demissão que foi aceite. O presidente Arriaga não marcou eleições e chamou o
general Pimenta
de Castro a quem algo arbitrariamente confiou o governo. O general, por sua vez,
dissolveu o Congresso e passou a governar em regime ditatorial. O curioso da história é que Machado dos Santos, o herói do 5 de Outubro, aderiu e apoiou Pimenta
de Castro. A resposta de Afonso Costa demorou. Só a 4 de Maio, os
deputados parlamentares do PRP, reunidos secretamente no Palácio da Mitra,
declararam Manuel de Arriaga e Pimenta de Castro fora da lei e os seus actos
nulos. Com os campos definidos passou-se à acção. Assim teve início a Revolta
de 14 de Maio de 1915.
Naquele tempo, o Palácio de Belém era a sede da secretaria-geral da Presidência da República. Arriaga tinha arrendado o
anexo do Palácio para sua residência oficial. (Desde essa data, os
presidentes republicanos que quiseram residir em Belém tiveram de pagar o
aluguer). A notícia da revolta de Maio deixou-o, no dizer do seu mordomo, "abatido,
triste, quási perdido aquele seu sorriso bondoso. Não se manifestava porque era
muito educado, de boas famílias, descendente de reis … ». Arriaga não
queria protecção mas os militares fizeram-lhe ver que o palácio era
extremamente vulnerável e encarregaram
Domingos de Oliveira, então major comandante do quartel vizinho, de responder pela sua
segurança
E os
militares tinham boa razão. Desta feita o comando da insurreição foi assumido por um indivíduo
extremamente perigoso. O capitão de mar e guerra Jaime Leote do Rego (JLR) já tinha conhecido acção
militar no norte de Moçambique no período de Mouzinho (1888). A sua actuação
naquele teatro operacional. merecera-lhe do Rei a Torre e Espada, a mais alta
condecoração portuguesa. Ficou ali provado que JLR era decidido e não lhe
repugnava fazer verter sangue. Após queda da Monarquia, foi dos primeiros
militares a ser admitido na Maçonaria com o nome simbólico Pêro de Alenquer.
Em 1915, estava desligado de comandos navais e exercia funções de deputado à
Assembleia Nacional. No 14 de Maio, passou a assumir um comando, à sua maneira.
Dou aqui a voz a Jules
Pabon: "JLR embarcou no Vasco da Gama, o navio de guerra mais
poderosamente artilhado da nossa marinha do tempo, e exigiu ao comandante Assis
Camilo que lhe passasse o comando o que foi recusado. Prontamente rapou da
pistola e matou-o com um tiro no peito. Seguidamente e com o cadáver do
camarada ainda à vista, deu ordens à tripulação: levantar ferro, rumar ao cais
das colunas e dispor a artilharia para alvejar os ministérios do Terreiro do
Paço. E assim foi. Com dois tiros certeiros, JLR "fechou" o governo.
Os revoltosos ficaram donos do mar, mas em terra a metodologia revolucionária
seria diferente. O encarregado da operação terrestre, o Coronel Norton de Matos preferiu ficar em casa e
transmitir ordens pelo telefone. Em terra funcionou a deserção, obra da
"formiga": - o soldados das forças governamentais foram-se passando
gradualmente para o inimigo.
Os civis
armados tomaram conta das ruas de Lisboa e começaram os abusos. Dezenas de casas de partidários de Pimenta
de Castro, centros ligados ao Governo,
sedes legais dos monárquicos e jornais que apoiaram a situação foram
assaltados. O Palácio Presidencial é alvo de assalto e Manuel de Arriaga só escapou porque tinha saído pouco antes, a caminho de Queluz,
escoltado por três esquadrões de Cavalaria sob comando de major Domingos de
Oliveira. Este prevenido da insurreições das forças que estavam na Baixa, ao chegar
a Monsanto mandou apear a cavalaria e falou aos soldados, fazendo-lhes sentir a
honra que era terem sido escolhidos para proteger o Presidente. E assim
conseguiu pôr Manuel Arriaga a salvo da artilharia do Vasco da Gama e da fúria
assassina dos trauliteiros.Entretanto,
os civis disparam sobre o Quartel do Carmo, onde ainda estavam Pimenta de Castro e Machado Santos, e estes são levados presos
para os navios no Tejo. O Governo Civil de Lisboa é igualmente tomado de
assalto, bem como o quartel de Cavalaria 2, na calçada da Ajuda. «««»»»
O movimento revolucionário prolongou-se por 3 dias até que as representações
diplomáticas acreditadas em Lisboa alarmadas com os acontecimentos ocorridos
quando as ruas da capital ficaram sob domínio dos bandos armados, referiram aos
seus governos que não podiam garantir a segurança dos seus nacionais e das
instalações. Relatam que as casas estavam a
ser assaltadas às dezenas e que as poucas pessoas que circulam nas ruas eram
mandadas parar e agredidas se não soltassem vivas à Revolução e morras a Pimenta
de Castro. A Espanha é a primeira a reagir e
envia uma forte esquadra encabeçada pelo seu mais moderno e poderoso navio, o
couraçado Espanha, e ainda com dois dos seus maiores cruzadores. Era uma força
mais que suficiente para derrotar no Tejo a totalidade da marinha portuguesa,
se surgisse algum confronto. Basta referir que o couraçado Espanha, lançado ao
mar em Outubro de 1913, deslocava 15452 toneladas e contava com 8 peças de 305
mm. Por comparação, o velho cruzador Vasco da Gama, de 1876, o navio chefe dos
revoltosos, deslocava 2982t, e estava armado com peças que eram boas para
dominar Lisboa, mas muito débeis frente a um moderno couraçado. A França e a Inglaterra apressam-se a enviar igualmente uma força naval para
Lisboa, com o duplo objectivo de acalmar os ânimos dos civis armados e de
moderar qualquer ímpeto intervencionista dos navios espanhóis. A força naval
franco-britânica (então em guerra) contava somente com dois cruzadores e
retirou-se rapidamente. A esquadra espanhola (ao tempo ainda em regime de
Monarquia) permaneceu vários dias no Tejo, de modo a recordar aos radicais
republicanos algumas realidades do condicionamento externo.
(continua) 1919
COMENTÁRIOS: Isabel Themudo Gallego: Que maravilha
de descrição. Na minha infância ainda ouvi a minha avó descrever os sustos que
passava sempre que o avô ( advogado de profissão) se ausentava de casa e
tardava a chegar... tinha medo dos “barulhos” para os lados da Baixa, assim
descrevia… Joaquim
Morais: Muito grato por esta descrição que explica muito bem o
que foi a primeira república. Um tempo de desordem e revoltas mais para
destruir do que para construir!
Francisco G.
de Amorim: MEU AMIGO: TODOS OS TEXTOS QUE
TEM VINDO A NO FACEBOOK, POR FAVOR, REUNA-OS NUM LIVRO, MUITA HISTÓRIA, MUITO
BOA. NÓS, OS HOJE ALIENADOS, PRECISAMOS DE DOCUMENTOS VERDADEIROS. UM ABRAÇO.
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