Será que a palavra democracia na boca de Biden tem o mesmo sentido que na boca de Churchill há cerca de 8 décadas? Entrou frontalmente,
pela boca de Churchill, nesses tempos de muito sofrimento, é usada, hoje,
por todos e mais alguns, mas sorridentemente - quem sabe se cinicamente? …
Sorrateiramente, com toda a certeza, se foi impondo, tomada à letra - letra de
ampla dimensão, geralmente para inglês
ver… Entre nós, portugueses, tomada à letra, na ficção de um poder
económico que se não tem, é bem de ver, mas com o alarido proselitista de imposição
mais recente...
O regresso da causa democrática e euro-atlântica /premium
75 Anos depois do discurso de
Churchill contra a “Cortina de Ferro”; 80 anos depois da “Carta do Atlântico”
anunciada por Churchill e Roosevelt; 83 anos depois do discurso de Churchill em
Paris.
JOÃO CARLOS ESPADA
OBSERVADOR, 08 mar
2021
1 Na
passada sexta-feira, 5 de Março, completaram-se 75 anos sobre o célebre
discurso de Winston Churchill sobre a “Cortina de Ferro”, no Westminster
College, em Fulton, Missouri, na presença do Presidente Truman, em 1946.
Ficaram inesquecíveis as palavras de Churchill denunciando a ditadura soviética
após a vitória sobre o nazismo:
“De Stettin no Báltico a Trieste no
Adriático, uma cortina de ferro está a descer através do Continente [europeu].
Por detrás dessa linha ficam todas as capitais dos antigos Estados da Europa
central e oriental. Varsóvia, Berlim, Praga, Viena, Budapeste, Belgrado,
Bucareste e Sofia, todas estas famosas cidades e a população em seu redor estão
no que devemos chamar a esfera soviética, e todas estão sujeitas, de uma forma
ou de outra, não apenas à influência soviética mas a um muito elevado e,
nalguns casos, crescente controlo de Moscovo.
[…] Quaisquer que sejam as conclusões a retirar destes factos — e de
factos se trata — esta não é certamente a Europa Libertada que nós lutámos por
construir. Nem ela contém os ingredientes essenciais de uma paz permanente.”
2 O discurso de Churchill em Fulton foi alvo de muitas críticas. Vale a pena recordar que Winston era então apenas o
líder da Leal Oposição Conservadora no Parlamento britânico. Um ano antes, em Junho de 1945, depois de
ter liderado a vitória na II Guerra Mundial, perdera as eleições (por larga
margem) para o Partido Trabalhista. Quando discursou em Fulton, Missouri, falou
apenas como líder da oposição e antigo líder da resistência britânica ao
barbarismo nazi.
Foi,
no seu país, acusado de “belicismo reaccionário” e de “anti-comunismo primário”. Cerca
de 93 deputados trabalhistas publicaram uma carta aberta contra o discurso de
Fulton. Mesmo nos EUA, a imprensa de uma certa esquerda criticou-o duramente,
considerando-o ultrapassado e nostálgico do império inglês vitoriano. A reacção
foi tão forte que o próprio Presidente Truman — que viria a desempenhar um
papel crucial na guerra fria — optou por não defender o discurso. Chegou mesmo
a deixar saber que desconhecia o discurso antes de o ter ouvido proferir por
Churchill. No entanto, Churchill convidara-o a ler o discurso durante a viagem
de comboio que ambos fizeram para Fulton.
3 Em
bom rigor, o discurso de Churchill em Fulton constituiu o ponto de
partida para a ulterior fundação da NATO,
em 1949. E inspirou o Plano
Marshall, em 1948, como expressão da fundamental aliança das democracias
euro-atlânticas.
Mas a inspiração de todos estes
cruciais eventos vinha de antes:
a Carta do Atlântico, tornada pública a 14 de Agosto de 1941. Fora
assinada pelo Presidente Roosevelt e o Primeiro-Ministro Churchill — que se
tinham encontrado solenemente a bordo do navio Prince of Wales,
em Placentia Bay.
O
documento era à primeira vista vago,
uma vez que apenas exprimia “determinados princípios comuns das políticas
nacionais dos respectivos países em que baseiam as suas esperanças num futuro
melhor para o mundo”. Eram basicamente princípios subjacentes
às democracias liberais, contra todas as formas de ditadura. E a verdade é que
essa Carta do Atlântico foi a seguir subscrita pelos governos no exílio da Bélgica, Checoslováquia, França Livre, Grécia,
Luxemburgo, Holanda, Noruega, Polónia e Jugoslávia. A
máxima ironia residiu em que a própria ditadura soviética se sentiu obrigada a
subscrever.
4 Talvez
seja oportuno recordar que Churchill tinha solitariamente
defendido os princípios definidores das democracias ocidentais ainda antes do
início da II Guerra — que,
convém recordar, começou com a dupla invasão da Polónia pelos nazis e
pelos soviéticos, após o acordo Molotov-Ribbentrop de Agosto de 1939. Disse Churchill em Paris, em Setembro de 1938:
“Não
temos nós uma ideologia própria — se tivermos de usar essa palavra horrível,
ideologia, — não temos nós uma ideologia própria na liberdade, numa Constituição
liberal, no Governo democrático e parlamentar, na Magna Carta
e na Petição de Direitos?”
5 Todas
estas efemérides estão a ser intensamente recordadas num muito animado debate
público internacional. De certa
forma, este debate terá sido retomado a propósito das declarações do novo
Presidente norte-americano, Joe Biden: sobre o regresso da América ao
compromisso atlântico e ao reforço da NATO; e até sobre uma possível Cimeira
das Democracias e uma possível Aliança Mundial das Democracias.
Estes
temas serão abordados entre nós — num
seminário em três sessões, com início
já na próxima sexta-feira, — por Marc Plattner, fundador do “Journal of Democracy”, com sede
em Washington, DC. E serão o tema global da 29ª edição anual do Estoril
Political Forum, que acaba de ser adiado de 28-30 de Junho para 18-20 de
Outubro — sob o título global “On the 80th Anniversary of the
Atlantic Charter: Structuring a World Alliance of Democracies?”.
Voltarei
seguramente a este tema.
COMENTÁRIOS:
Paulo Silva: Surpreendente
a violência voraz com que a ideologia criminosa conhecida por comunismo, cujo
alimento é a Inveja e o Ódio de Classe, responde quando é denunciada. Desconhecia
a raivosa reacção ao famoso discurso de Churchill, mas não é nada de espantar.
Ontem como hoje os mastins do totalitarismo estão sempre prontos para abocanhar
quem se atravesse no caminho. Mas eis que agora têm o apoio das víboras
rasteiras que envenenam as instituições. Caro cronista, o geronte Biden,
assistido pela Cabala Harris, não dá confiança nenhuma… Só a repetição da
palavra Democracia, faz desconfiar. Os “democratas-novos” estão sempre a
falar em ‘democratizar a democracia’... Que quer isso dizer?... Uma
'democracia' à maneira, como aquela promovida pela cancel culture, provavelmente...
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