Em Roma sê romano
Segundo uma notícia de 10/6/2019 da
Agência LUSA - «CHINA: Macau aprova lei que prevê três
anos de prisão para quem difundir “notícias tendenciosas” Deputados, jornalistas e advogados alertam
para a subjectividade da lei e para a possibilidade de restringir a liberdade
de expressão.
10 de Junho de 2019» - a lei proposta
justifica que é necessário ser comedido nas afirmações e nos escritos, por lá,
por Macau. Com a China não se brinca, até mesmo por cá, com as lojas chinesas a
infringir as leis do confinamento - o que dá sempre jeito, aliás, para uma urgência, pese embora a má qualidade ancestral dos produtos chineses. Parece-me,
pois, que Jorge Menezes não tem
razão, em exigir que o governo português reclame contra a tal censura ao
jornalismo atrevido em Macau.
OPINIÃO
Jornalismo português censurado em Macau
Numa penada, o jornalismo
transmutou-se em propaganda. Segundo a nova cartilha, os jornalistas deixam de
poder sê-lo para passarem a divulgadores e promotores da propaganda política do
Partido Comunista Chinês (PCC) e do subalterno governo de Macau. Esperemos que
o Governo português perceba que foi ultrapassada uma linha vermelha e pare de
assobiar para o lado.
PÚBLICO, 20 de
Março de 2021, 20:30
A censura foi praticamente oficializada
em Macau. Já era clara sobre o jornalismo em língua chinesa. Chegou a vez de
calarem as vozes dissonantes em línguas portuguesa e inglesa. Esperemos que o Governo português perceba
que foi ultrapassada uma linha vermelha e pare de assobiar para o lado.
O
cenário foi uma sala da TDM, a televisão e rádio públicas de Macau. Cerca de
quarenta jornalistas foram convocados para uma reunião, na sua maioria
portugueses. Foi-lhes comunicado que a Comissão Executiva havia aprovado nove regras que passariam a constituir a nova directriz editorial da TDM.
O
documento não lhes foi entregue, mas as directrizes foram lidas, relidas e
anotadas pelos jornalistas presentes. Ou não se tratasse de uma reunião de
jornalistas. São uma pérola. Entre outras: a TDM ‘divulga e promove o
patriotismo, o respeito e o amor à pátria e à RAEM’ (a RAEM é Macau); é ‘um
órgão de divulgação da informação do Governo Central da China e da RAEM’;
‘divulga as políticas da RAEM’; ‘o pessoal da TDM não divulga informação ou
opiniões contrárias às políticas do Governo Central da China e apoia as medidas
adoptadas pela RAEM’.
Quem violasse a cartilha seria despedido com justa causa, sem direito a
indemnização – o que é rudemente ilegal.
Numa penada, jornalismo transmutou-se em propaganda. Segundo a nova
cartilha, os jornalistas deixariam de poder sê-lo para passarem a divulgadores
e promotores da propaganda política do Partido Comunista Chinês (PCC) e do
subalterno governo de Macau, tornando-se ‘patriotas’, escamoteando factos,
omitindo opiniões, ouvindo e narrando só um dos lados da história.
Ser ‘patriota’ por estes lados
nada tem que ver com um sentimento de pertença ou identidade a um país ou uma
cultura. Significa, no linguarejar local, ser um obediente e disciplinado
seguidor do PCC. Uma subordinação cega, ideológica e política, ao poder e às
políticas da China, com renúncia a opinião própria diversa. Não tem nada do que
de nobre muitos encontram na palavra ‘pátria’.
Na
véspera fora noticiado que as comissões de serviço do director e do
director-adjunto de Informação e Programas dos Canais Portugueses haviam sido
renovadas por apenas seis meses, metade do habitual. Para manter a ‘rédea
curta’.
As instruções caíram como uma bomba
sobre dezenas de jornalistas competentes, íntegros e corajosos, que cultivavam
a lealdade a factos – não a ‘pátrias’ –, colocando-os perante um dilema e um
drama pessoal. Longe de Portugal, muitos com filhos nas escolas, enraizados
familiarmente em Macau, sem bilhete de regresso nas mãos. Vítimas de um ataque
atroz e injusto às suas consciências.
Injustiça
que os capatazes das novas directrizes nem entendem, pois o seu
código de vida reside na promoção pelo medo, subjugação e fidelidade canina ao
poder, expressão de uma descontextualizada síndroma de Estocolmo. Estes
‘patriotas’ não compreendem que a lealdade daquelas dezenas de jornalistas é a
valores (como a independência e a veracidade), não a pessoas, governos,
partidos, pátrias ou a um á-bê-cê de tiradas governativas.
Esta não é mais uma questão interna
de um país estrangeiro. É também um problema de Portugal. Macau constitui desde 1999 uma Região
Administrativa Especial, autónoma da China, governada ‘pelas suas gentes’ (não
pela China), com a sua própria constituição (Lei Básica), onde a lei chinesa
não se aplica e os tribunais chineses não têm jurisdição. Tudo isto sob o
princípio ‘Um País, Dois Sistemas’: o sistema ‘comunista’, na China; o de
Estado de Direito, com liberdade económica e protecção de direitos
fundamentais, em Macau.
A Lei Básica garante o princípio da continuidade do sistema
jurídico, ou seja, que o direito de matriz portuguesa continuará a vigorar. A
autonomia de Macau em relação à China é quase inexcedível, sendo superior,
excepto num par de matérias, à de Portugal face à União Europeia. A China está
proibida de interferir na vida interna de Macau – o que foi acordado com
Portugal para que a autocracia não se instalasse em Macau. Mas interfere
crescente e despudoradamente.
Estes
arranjos foram assegurados por via de um acordo bilateral internacional entre
Portugal e a China (a Declaração
Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau de 1987), depositado
nas Nações Unidas, relativo à transferência da administração de Macau para a
China. Nos termos deste acordo, a China vinculou-se perante Portugal a
respeitar, durante 50 anos (que terminarão em 2049), o Estado de Direito, a
iniciativa privada, a autonomia, a continuidade e os direitos fundamentais em
Macau, incluindo a liberdade de imprensa.
Portugal
tem obrigações, quer históricas, quer de direito internacional, para com Macau,
cabendo-lhe exigir à China que os residentes de Macau, portugueses (quase 200
mil nacionais), chineses ou de outra nacionalidade, continuem a viver segundo
regras e valores similares aos de Portugal e de países europeus.
Estas
directrizes colidem frontalmente com os princípios da continuidade e da
autonomia, desde logo ao afirmarem que a TDM (1) ‘é um órgão de divulgação da
informação do Governo Central da China’. Bem como ao proibirem que os
jornalistas investiguem irregularidades, noticiem factos e divulguem opiniões
desfavoráveis ao poder político, de Macau ou da China.
Pior
– não se limita a censurar e proibir. Impõe condutas, obrigando os jornalistas
a promover a linha oficial do PCC e do governo de Macau.
O
Sindicato de Jornalistas de Portugal já se manifestou solidário com os
jornalistas da TDM. O Governo português devia tomar uma posição firme, para
que, por uma vez, as gentes de Macau sentissem que Portugal não desligou a luz
quando fechou a porta
Esta
tentativa de escravidão do jornalismo à propaganda política esmaga a liberdade
de imprensa, garantida constitucionalmente, que nem o legislador poderia
aniquilar. Quanto mais uma Comissão Executiva. O Estado de Direito não
resistirá sem liberdade de imprensa.
O
desprezo mostrado pelos direitos fundamentais revelou-se no modo estapafúrdio
com que a medida foi implementada: mandaram ler a cartilha a 40 jornalistas,
como se eles a engolissem silenciosamente… Esta arrogância quase autista é
um sinal dos tempos: o PCC já deixou há muito de se preocupar com aparências.
Estes jornalistas têm sido essenciais
para que, apesar de pressões crescentes, se respire ainda em Macau um ar de
liberdade. Tem sido na televisão, na rádio e nos jornais em línguas portuguesa
e inglesa que se conhecem factos e ouvem opiniões divergentes, se questionam
governantes e se expõem
abusos de poder.
O
Sindicato de Jornalistas de Portugal já se manifestou solidário com os
jornalistas da TDM. O Governo português devia tomar uma posição firme, para
que, por uma vez, as gentes de Macau sentissem que Portugal não desligou a luz
quando fechou a porta.
Advogado em Macau
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(1)- TDM – Teledifusão de Macau
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