segunda-feira, 22 de março de 2021

Sem comentário


Apesar da centena e meio de comentários que o artigo de Helena Matos mereceu. Recolhamo-nos espiritualmente, a meditar, uma vez mais, nas verdades com honrada coragem por ela produzidas. Não esquecendo o seu PS – de estarrecer. Direi apenas como alguns (outros produziram os habituais dislates verbais): Obrigada, Helena Matos.

Querem contextualizar o Padrão dos Descobrimentos? /premium

Vão buscar os caixotes dos retornados. Para lembrar essa mistificação a que se chamou descolonização. E para nos confrontarmos com o óbvio: nesta nova descolonização mandam-se os caixotes para onde?

HELENA MATOS, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 21 mar 2021,

Agora que a descolonização enquanto mistificação libertadora está de novo aí convém lembrar esses caixotes. Esses caixotes que em 1975 começaram a empilhar-se na beira do Tejo, sob os perfis de João Gonçalves Zarco, Diogo Cão ou Cristovão da Gama, são o símbolo de um mundo que acabou sacrificado no altar dessas libertações que nunca o foram nem podiam ser.
Por terra, mar, ou ar milhares de pessoas deixaram África não porque fossem contra as independências mas sim porque não queriam viver em países entregues a gente sem  preparação para outra coisa que não fosse a pilhagem e o uso da violência. Perante o inferno em que as suas vidas estavam a transformar-se, encaixotaram o que puderam e partiram.

Muitos fizeram viagens tão dramáticas quanto as protagonizadas pelos homens que o Padrão dos Descobrimentos celebra. A principal diferença é que ninguém os homenageou e os livros de História mal falam da sua história.

No século XX o que se identifica como descolonização serviu ao bloco comunista para alargar geograficamente a sua influência. O resultado foram décadas e décadas perdidas por África, acabando-se no paradoxo de a falta de condições de vida levar agora o povo dessa África liberta a arriscar a vida para conseguir vir trabalhar nas suas antigas potências coloniais.

O balanço da descolonização não só nunca foi feito como se reforçou a linguagem que a faz equivaler a uma democratização: chamamos movimentos de libertação a partidos que instauraram regimes totalitários, produziram oligarquias insaciáveis, torturaram e assassinaram em massa. Simultaneamente adoptámos a designação guerra colonial (e aqui convém recordar que devemos dizer colonial como se estivéssemos com azia) para referir os diferentes conflitos travados por tropas portuguesas no período 1961 a 1974. E apenas nesse período. Assim os milhares de portugueses que combateram em África entre 1914 e 1918 participaram na campanha de África, que vá lá saber-se porquê não era colonial. Já os que para aí foram mobilizados entre 1961 e 1974 participaram na guerra colonial.

O que está subjacente a esta terminologia nada tem de ingénuo: por um lado apresenta-se esse conflito devidamente intitulado guerra colonial como o resultado do regime fascista que por ser fascista não teria logo entregue o poder aos movimentos de libertação que se dá como adquirido teriam capacidade para administrar esses territórios. Ora em 1961 a culpa do regime não foi ter respondido militarmente ao ataque às fazendas em Angola mas sim não ter antecipado a defesa das populações.

A natureza ditatorial do regime influiu sim quando privou os portugueses de África (e não só) de líderes políticos e de partidos, tornando-os ainda mais dependentes dos militares. Quando nos anos 70 as elites portuguesas desistiram de resolver o bloqueio ditatorial do regime (e só resolvendo esse bloqueio poderiam existir partidos e dirigentes) deixaram nas mãos das Forças Armadas essa missão. E elas cumpriram-na: fizeram um golpe. Que prometia democracia. Mas rapidamente se percebeu que a democracia não era para todos.

Como se tornou claro nas semanas imediatas após o 25 de Abril de 1974 os militares queriam sair de África e sair o mais rapidamente possível. Para a linha conservadora das Forças Armadas sair rapidamente de África era a única forma de salvar a instituição militar de enxovalhos como o do batalhão em cuecas que temiam viessem a comprometer irremediavelmente a sua dignidade. Para os militares esquerdistas essa saída tão rápida quanto possível era a garantia de que em nenhum daqueles territórios se conseguiriam formar movimentos democráticos suficientemente fortes para se oporem à transferência de poderes para os movimentos marxistas que a ala revolucionária do MFA definira como os únicos representativos. Em África, os líderes nacionalistas, brancos e negros, foram perseguidos, obrigados a sair dos territórios, presos ou pura e simplesmente eliminados. Foi aprovada legislação repressiva especial para vigorar até às independências em que sob a acusação de crime de anti-descolonização se podia prender qualquer um ou entregá-lo aos movimentos de libertação para ser interrogado.

Em África, no século passado, a descolonização foi um trespasse de poder. Quando se poderia pensar que o desastre em que cada uma dessas descolonizações acabou teria levado a alguma contenção por parte dos seus arautos, eis que no século XXI aí temos a descolonização de novo. Mas agora num regresso à casa da partida: as democracias ocidentais.

Entrincheirados nas universidades, os novos descolonizadores manifestam um desinteresse por África superior ao de qualquer contemporâneo de dom Afonso Henriques. Em Moçambique decapitam-se crianças mas eles reagem como se fosse em Marte. Porquê? Porque agora não têm ninguém para culpar, não é? Ou mais precisamente os culpados são aqueles por quem os nossos actuais descolonizadores nutrem uma certa simpatia. São aqueles a quem a linguagem descolonizada, neutra e inclusiva que os nossos descolonizadores nos querem impor levou a que deixássemos de referir como terroristas islâmicos, depois também não podiam ser fundamentalistas islâmicos. Passaram em seguida a insurgentes, bandidos, grupos… Agora já estamos na fase da violência: é a violência quem mata, tortura, decapita. Isto em África e o que acontece nessa África que outrora tanto queriam libertar nada interessa agora aos nossos descolonizadores.

A descolonização agora vai ter lugar aqui. Não está em causa o território mas sim a História. A música que ouvimos. os livros que escolhemos. Os quadros que admiramos. As palavras que dizemos. Enfim o que somos.

Todos os dias os novos descolonizadores detectam mais um item corrigir. E pressurosos, os que querem ficar sempre bem na fotografia,  logo vêm explicar que temos de dar contexto, entendendo-se aqui por contexto vivermos rodeados de edifícios, livros, quadros, roupas, filmes… acompanhados de explicações sobre a sua perversidade quais avisos nos maços de cigarros alertando para os malefícios do tabaco.

Como sempre artistas, intelectuais, políticos, jornalistas, influencers… não só mostrarão a sagacidade dos descolonizadores como, não menos importante, ajudarão a diabolizar aqueles que os questionam (dentro de alguns anos dirão que foram enganados, que foi um erro e, sobretudo, que não vale a pena estar sempre a revolver o passado).

Antes que o frenesi descolonizador a todos nos apanhe e envolva convém lembrar que, ao contrário do que aconteceu nas descolonizações que tiveram lugar em África, agora não há para onde mandar os caixotes.

PS. A ser verdadeira esta notícia do SOL revela uma classe política no grau zero da decência: «O PSD e o PS estão a condicionar a escolha dos próximos juízes-conselheiros do Tribunal Constitucional a uma posição favorável à despenalização da morte medicamente assistida. O Nascer do SOL apurou que tanto socialistas como sociais-democratas, nas sondagens para a indicação de novos juízes, estão a questionar os putativos candidatos sobre a eutanásia. E a afastar os que são contra

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