sexta-feira, 5 de março de 2021

Um ponto de partida linguístico


Escondendo-se por detrás da pompa etimológica, o que de facto se pretendeu atingir foi a filosofia marxista, como produto castiço de uma feia inveja, esta anterior, todavia, à expressão filosófica da palavra latina, e tão antiga como o homem, mas causadora, afinal, também ela, da evolução do pensamento humano. Julgo que outros sentimentos, no entanto, estarão ligados também a esse conceito marxista, como, de resto, a outras propostas evolutivas, como essa da teoria do “bom selvagem”, na origem desse conceito da igualdade e liberdade humanas, que todos sabemos quão falsos são, mas que estão na origem de muitas lutas e revoluções que até nós chegaram e prometem continuar, porque vistas segundo um prisma da tal bondade – falsa porque unilateral. Não assim a doutrina de Cristo, em que a justiça e a bondade presidem à sua criação e por isso a figura d’Ele se impõe e mantém, na sua beleza imorredoura, através dos tempos, vítima que foi da mesma injustiça que pretendeu combater.

Sentimentos de repúdio e indignação contra as disparidades sociais estão, pois, na base, também, da criação de outras doutrinas que tentam abrir pistas contra a destruição dessas disparidades sociais, que a ambição de domínio parcialmente totalitarista impôs no mundo. Mas a nova ordem, ditada pela desordem de uma maioria mais obtusa vai, naturalmente, no sentido da imoderação, da destruição, e do caos...

«SYLLOGISMUS INVIDIAE» - 1

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 04.03.21

Em ordinário, a língua falada pela ordem comum, a língua vulgar, não especificamente erudita, no nosso caso, o português, o título acima é «O silogismo da inveja». E porquê o título em latim? Por três razões, a saber: porque silogismo é «coisa» que vem da Antiguidade Clássica; porque a inveja é «coisa» muito mais antiga do que a dita Antiguidade Clássica; porque eu quero fugir o mais rapidamente possível do que é ordinário e a inveja é-o, claramente.

Inveja é substantivo mas hoje refiro-me ao adjectivo invejoso que é aquele que não quer que os outros tenham aquilo que ele próprio não tem.

Com esta simplicidade se chega à razão primeira da filosofia marxista. O marxista não quer que os ricos o sejam pois os pobres não conseguem enriquecer. E na visão marxista – estava a dita filosofia a nascer no século XIX, já lá vão quase 200 anos – os ricos eram os causadores da pobreza alheia. Solução? Acabar com os ricos.

Portanto, a inveja é o que está na base da filosofia marxista e para se ser um bom militante marxista tem que se ser um refinado (no sentido de politicamente formatado) invejoso. Tudo o resto são roupagens cujo objectivo consiste em tapar a sua ominosa nudez transformando a genética ordinária em virtuosa estirpe.

Até aqui, tudo semântica mas daqui em diante, «pia mais fino».

Diabolizado o lucro, tanto Lenine como os seus pragmáticos seguidores morderam o anzol que tudo lhes levaria a perder. Sem lucro não há poupança, sem poupança não há investimento, sem investimento não há progresso, sem progresso não há esperança e sem esperança não há sistema político que vingue sustentadamente nem sequer munindo-se de Polícias políticas, de costumes ou outrasEis o silogismo da inveja que nem as tropelias contra os Direitos Humanos conseguem perturbar eternamente por serem contrárias à essência humana.

E o silogismo conduziu ao ponto mais do que ridículo – e, contudo, dramático para milhões de vítimas – de o determinismo histórico que previa o triunfo do marxismo sobre as ruinas do capitalismo se ter revelado ao contrário da (falsa) profecia com a glória das sociedades livres e socialmente previdentes sobre as ruinas do totalitarismo soviético.

Mas, entretanto, enquanto o pau foi e voltou, em nada folgaram as costas e sobre a Guerra Fria ainda não foi tudo dito. Sem a pretensão de pôr um ponto final sobre esse período da História de que eu próprio sou «documento coevo», direi algo no próximo texto, o do imperialismo soviético.

(continua)

Março de 2021      HENRIQUE SALLES DA FONSECA

COMENTÁRIOS:

Anónimo 04.03.: Inveja = mediocridade... ou ainda pior. 

Anónimo 05.03.2021: Deixa-me, Henrique, em complemento ao que escreves, citar o grande historiador Ian Kershaw e o seu livro "Continente Dividido (1950-2017). Recorda ele, a páginas 512, que "em parte nenhuma, quer na URSS, quer nos países satélites do pós-guerra, a maioria das pessoas escolheu o comunismo em eleições livres". Também refere que Gorbachev, que queria reestruturar o regime comunista e que acabou por o destruir, havia "afrouxado o garrote até ao ponto de que os povos da URSS puderam abri-lo completamente. E sem o garrote não restava nada". Abraço. Carlos Traguelho


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