Estará sempre em
voga, para obstar aos desencaminhamentos ou para impor novas regras. A educação
poderia obviar um pouco, no sentido de cada um assumir a sua liberdade respeitando
a dos outros, mas isso são falácias, está visto, de acordo com o provérbio da
sabedoria popular: Se queres conhecer o vilão põe-lhe a vara na mão. O lema da
Revolução Francesa era bem bonito, com essas abstracções da Liberdade, Igualdade, Fraternidade e deu
no que deu de tropelias e paixões descabeladas, tal como essas novas verdades
do “abaixo o capitalismo” promotor de iguais terrorismos. É que os conceitos
dependem dos outros conceitos e o que é verdade hoje pode não ser amanhã, no
niilismo contundente de não aceitar normas ou na arrogância totalitarista de querer impor outras normas, a
ponto de já não se distinguir o que é uma educação centrada no respeito pelas
normas. Normas, que é isso?
Isaiah Berlin: contra o tribalismo /premium
“Liberdade é liberdade, não é
igualdade, nem equidade, nem justiça, nem cultura, nem felicidade humana, nem
uma consciência tranquila”.
OBSERVADOR,15 mar 2021
1Na semana passada, teve lugar um muito animado
seminário online de dois dias sobre Isaiah
Berlin (1909-1997). Foi promovido pelo Labô (Laboratório de Política,
Comportamento e Mídia) da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo), em colaboração com o IEP-UCP (Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica Portuguesa).
Foi uma muito estimulante conversação académica no âmbito da Teoria Política e
da História das Ideias Políticas (neste âmbito está também a decorrer com
grande adesão pública um outro Seminário conjunto sobre “Seis Revoluções da Era
Moderna”). Além disso, creio ter sido também uma estimulante conversação
pluralista entre diferentes pontos de vista — em vincado
contraste com o ambiente tribal e intolerante que cresce nas nossas
democracias.
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2 Berlin
era em tudo contrário ao tribalismo e ao confronto fundamentalista entre
facções rivais com rivais ambições à imposição da sua verdade única e exclusiva. Ficou particularmente célebre a sua palestra de
1958 no All Souls College, Oxford, intitulada “Dois conceitos de
liberdade”. (Isaiah
Berlin e os “dois conceitos de liberdade ficaram para sempre indissociáveis). Aí distinguiu liberdade negativa de
liberdade positiva e sustentou
o conceito fundamental de pluralismo — no qual fundou a prioridade da liberdade negativa
(ou ausência de coerção intencional por terceiros).
Uma
das várias frases célebres daquela palestra merece ser revisitada: “Liberdade
é liberdade, não é igualdade, nem equidade, nem justiça, nem cultura, nem
felicidade humana, nem uma consciência tranquila”. A frase exprimia a preferência de Berlin
pelo conceito de liberdade negativa associada
aos liberais clássicos — entre os
quais incluía John Locke, Montesquieu, Tocqueville e John Stuart Mill, entre muitos outros. Para esta tradição da liberdade negativa
(mais tarde designada pelos seus críticos, da esquerda radical e da direita
radical, como “burguesa” ou/e “capitalista”), a liberdade deve
ser entendida basicamente como ausência de coerção por terceiros.
Em
termos políticos, o conceito de liberdade negativa supõe a existência de um estado limitado pela lei, sediado
num Parlamento que presta
contas aos eleitores, e que respeita
e protege a esfera privada das decisões pessoais e a pluralidade de associações
privadas a que chamamos sociedade civil.
3Ao
defender enfaticamente a prioridade deste entendimento negativo da liberdade, Berlin sublinhou que esse entendimento não implica que a
liberdade seja o único valor estimável.
Existem muitos outros (designadamente os que ele propositadamente incluiu na
famosa citação já referida: seguramente são estimáveis os valores
da igualdade, ou da equidade, ou da justiça, ou da cultura, ou da felicidade
humana, ou de uma consciência tranquila).
Mas Berlin criticou a ideia monista de que é possível reconciliar
todos esses valores num todo harmonioso, sem conflito nem tensão entre eles. Essa ideia monista de imaginar o paraíso na terra é
infeliz, disse Berlin. Em regra, gera infernos totalitários.
Daí que Berlin tenha defendido uma abordagem pluralista: existe objectivamente uma pluralidade de valores,
muitos deles estimáveis, muito deles respeitáveis. Mas a harmonia total entre
eles não é possível. Haverá choques, ou, pelo menos, tensões. E terá de haver
escolhas. Uma
sociedade decente tentará evitar escolhas trágicas. Mas não pode reconciliar
todos os valores. O
desejável compromisso entre eles implicará
sempre alguma perda em cada um deles. A esta modesta aceitação da
pluralidade de valores e do desejável compromisso entre eles, Berlin chamou
pluralismo.
Creio
que foi por essa razão que Berlin concluiu que “o pluralismo, com a medida de
liberdade negativa que ele implica, parece-me ser um ideal mais verdadeiro e
mais humano do que os objectivos daqueles que procuram nas grandes,
disciplinadas e autoritárias estruturas o ideal do autogoverno ‘positivo’, por
classes, ou povos, ou pelo conjunto da humanidade. É mais verdadeiro, porque
pelo menos reconhece o facto de que os objectivos humanos são muitos, nem todos
eles comensuráveis, e em perpétua rivalidade uns com os outros.”
4A conferência
de Isaiah Berlin em Oxford sobre os
dois conceitos de liberdade foi justamente interpretada como um eloquente manifesto anti-comunista. E Isaiah sempre reconheceu e assumiu a sua
disposição anti-comunista. À qual gostava sempre de acrescentar a sua
disposição anti-nazi e anti-fascista. E a ambas gostava sempre de acrescentar a
sua disposição em prol da chamada “democracia burguesa ou
capitalista euro-atlântica”.
Talvez
por motivos pessoais, Berlin associava esta democracia burguesa euro-atlântica
sobretudo à tradição britânica de soberania do pluralismo parlamentar sob a
regência da lei. Nascido
em Riga, na Letónia, em 1909, deslocou-se com seus pais para S. Petersburgo, em
1917. A família festejou a inicial revolução liberal russa (depois designada
burguesa) de Fevereiro de 1917. Em seguida, assistiram com horror à brutalidade
fanática da revolução comunista de Outubro.
Os
pais de Berlin acharam que já tinham a sua dose de brutalidade
comunista e, em 1921, escolheram o exílio em Inglaterra. Isaiah Berlin estudou então na St. Paul
School, Londres, e depois em Christ Church, Oxford. No início da II Guerra, alistou-se como voluntário nas
Forças Armadas britânicas. Devido a um problema fisiológico, não foi admitido.
Ficou devastado. Conseguiu em seguida ser admitido no corpo diplomático
britânico e foi enviado para a Embaixada britânica em Washington. Daí começou a
enviar notáveis relatórios semanais — que o primeiro-ministro Winston Churchill
exigiu ser o primeiro a ler, logo que chegassem.
5Michael
Ignatieff, biógrafo
de Isaiah Berlin, descreve
assim a profunda convicção pluralista de Isaiah:
“Durante
toda a sua vida, Berlin atribuiu
ao espírito inglês quase todo o conteúdo do seu liberalismo: ‘Que o respeito decente pelos outros e
a tolerância em relação à discordância são melhores do que o orgulho e o
sentido de missão nacional; que a liberdade pode ser incompatível com, e melhor
do que, demasiada eficiência; que o pluralismo e um certo desalinho são, para
aqueles que valorizam a liberdade, melhores do que a imposição de sistemas
abrangentes, por mais racionais e desinteressados que estes sejam, e melhores
do que a vontade da maioria contra a qual não haja apelo.’
FILOSOFIA
POLÍTICA POLÍTICA LIBERDADES SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
Paulo Silva: O problema dos
abstractos valores é no concreto serem conflituantes entre si, e por isso em
Política não há valores absolutos. Levar um valor ao seu extremo, para além de
abstracto, é excluir outros. Dos dois valores mais em voga - Liberdade
e Igualdade - temos um bom exemplo do quão difícil é
a conjugação. Por isso para mim a ausência de coerção intencional por terceiros
é também precisamente o que peço da Liberdade, nem mais nem menos. Não posso
voar, não nasci com asas. Alguém me priva de voar? A Mãe Natureza?!… Não,
ninguém. Voar não é uma liberdade minha. Tenho um braço, posso movê-lo, mas se
outro braço mo prender, deliberadamente contra minha vontade, aí alguém me
priva da minha Liberdade, (e está a ir contra a Igualdade conquanto eu não
possa responder na mesma moeda). Posso não aceitar passivamente tudo o que a
Natureza me dá, mas isso já não é questão de Liberdade… Karoshi: Liberdade é também viver sem preocupações excessivas,
com a próxima refeição, com a possibilidade de ficar sem casa, com a saúde,...
É a capacidade de viver sem grandes
fardos ou receios, é aquela paz de espírito que nos permite contemplar e
desfrutar da vida. Paulo
Silva >Karoshi: A comunidade dos filhos de Israel saciada dia-a-dia com
o “maná caído dos céus” não diria melhor… religiosa liberdade. Karoshi > Paulo Silva: Percebo
um certo sarcasmo na tua resposta. No
entanto ter a oportunidade de viver sem fardos e preocupações excessivas
continua a ser preferível a passar fome, a sobreviver com medo e a ter uma
existência violenta... Paulo
Silva > Karoshi: Claro que sim. Mas quem é que deliberadamente o faz
passar fome, etc?... Karoshi
> Paulo Silva: Essa
não é a questão. Mas o melhor
seria fazer essa pergunta a todas aquelas pessoas que sobreviveram a fomes e
perderam casas por causa de "crises" do sistema financeiro.
Ou a todas aquelas pessoas que estiveram
financeiramente dependentes de uma relação violenta, seja em família ou no
trabalho. E já nem falo daquelas que perderam quase tudo (incluindo a saúde)
por causa de perseguições políticas ou ideológicas. Nem das que morreram por
todos os motivos indicados neste comentário. Jose Miguel Pereira: Muito bom. Li pouco do que escreveu Isaiah Berlin,
tenho de ler mais. Gostei muito do "A Raposa e o Ouriço". Luis Eduardo Jardim: Muito interessante! João Porrete: Problema: os anglossaxónicos, e muito especialmente
os britânicos, tornaram-se os principais entusiastas desse atentado declarado à
liberdade de expressão que é o politicamente correto e desses atentados à
dignidade humana que são quotas para grupos, inclusão à força e perseguição dos
recalcitrantes. É uma decadência espectacular que o povo britânico nem viu
chegar por meio de trabalhistas e conservadores. José Santos > João Porrete:
Passam pela humilhação de ver Macron a declarar guerra
à cultura Woke, e ser a França a querer agora abolir a linguagem inclusiva.
Tenho esperança que a Europa resista a isto. É bom que a direita e mesmo a
esquerda moderada tenha a noção que a coisa não pode avançar mais. Carlos Grosso: Estamos a precisar de
liberdade. Pena é que o 25 de abril, muito
festejado por muitos, seja da liberdade apenas no nome, mas na prática seja
objectivamente pela desliberdade. Antonio Monge > Carlos Grosso: O 25 de Abril quase que era a troca de uma Ditadura
por outra ainda pior. Liberdade foi o 25 de Novembro. Maria
Nunes: Excelente. Vaipo
Caraxo: A falta que Isaiah Berlin faz
nos dias de hoje. Mas hoje ninguém tem a coragem - ou a loucura e sentido
‘suicida’ - para ‘ser’ assumidamente Isaiah Berlin. E é compreensível Antes
pelo contrário: Liberdade é um conceito relativo, porque a liberdade de cada um acaba onde
começa a liberdade do outro - exemplos óbvios, os violadores, os pedófilos
ou os criminosos em geral - pelo que deve ser enquadrada pela Lei.
Já a Igualdade
deveria ser sempre entendida como um conceito absoluto!!! Mas quando começam a criar
"quotas", e a falar de "equidade", de "isentos",
"prioritários", ou "minorias", etc. estão a destruí-la
todos os dias!!! Ninguém deve ser privilegiado nem discriminado, nem isento de obrigações ou
de deveres, nem ter deveres ou obrigações acrescidas. Não é admissível que em nome da
"igualdade" possa haver quotas para pessoas de um sexo em detrimento
de outro, de forma tão ostensivamente inconstitucional!!! João
Porrete > Antes pelo contrário: Igualdade conceito absoluto?!
Então se faz favor pegue no seu dinheiro, vá ao Bairro Padre Cruz e dê todo o
que tiver em excesso face à riqueza média de lá. A igualdade, embora atraente,
é um conceito que se presta a muito mais excessos do que os outros citados no
artigo. Não é possível excesso de solidariedade; o excesso de liberdade é difícil
porque convida imediatamente a reclamações das partes prejudicadas. Agora a
igualdade só pode obter-se por coerção, excepto na pequena parte proveniente de
dádivas voluntárias, sempre escassas. No resto concordo consigo. bento guerra: Todos ao molhe e fé na sorte! António Vieira: Excelente!
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