quinta-feira, 4 de março de 2021

E assim nos vai


No negativismo de quem já não tem saída… Ao menos que cada um vá construindo o seu caminho, como melhor puder, mesmo no meio das discrepâncias. Haverá sempre gente que sobressai, para manter em nós o sentimento de estima. E no fundo, serão esses nomes que figurarão, para nos aquecer a alma, na ternura por este pequeno rectângulo, com muita gente capaz, que soube dar provas disso, em coragem, e qualidade criativa… Outrora como agora. E isso não morre. Há sempre alguém a valorizar e a cumprir, pese embora a geral prostração…

Quando foi que perdemos toda a ambição? /premium

Todos lamentam a estagnação vivida de 2000 a 2020, mas o Portugal de hoje ainda é pior que o de então. Está mais velho e dá menos oportunidades aos jovens. Talvez isso explique a anomia em que vivemos

JOSÉ MANUEL FERNANDES                OBSERVADOR, 03 mar 2021

Se não quer ficar deprimido é melhor não começar a ler a este texto. Não lhe trago boas notícias – antes sinais de dificuldades. Mas talvez seja melhor assim, perder as ilusões.

O meu primeiro ponto de partida é simples: como foi possível que um tema tão importante como a reabertura faseada de pelo menos uma parte do sistema de ensino, o destinado aos mais novos, tivesse suscitado tão pouca discussão, sobretudo tivesse mobilizado tão pouco os políticos?

Já o meu segundo ponto de ancoragem é quase um clássico: vão-nos chegar muitos milhares de milhões de euros mas o Governo achou que duas semanas de discussão públicas era quanto bastava para “enriquecer” o seu Plano de Recuperação e Resiliência (recordemos que o primeiro período de debate público, ainda o documento levava o crisma de António Costa Silva, caiu em… Agosto). Na verdade ninguém se incomodou demasiado pois ninguém tem grande fé naquilo a que já chamaram “bazuca” mas agora só chamam “vitamina”. A indiferença quase só foi interrompida pelas obrigações protocolares das tomadas de posição, mesmo que meritórias, de quem não podia deixar de se pronunciar. O país mal mexeu uma pálpebra.

Surpreendidos? Não têm de estar. Em Janeiro Portugal conheceu os piores números do mundo no que respeita à pandemia, a responsabilidade política pelo descalabro é evidente, mais evidente ainda se considerarmos o caos que se viveu em muitos hospitais, de resto traduzido friamente em taxas de letalidade que subiram em flecha para valores nunca antes atingidos. Mas tantos erros, para mais servidos com enorme arrogância, parecem não ter custos políticos. É como se o país estivesse mergulhado na apatia do inevitável. Pior: no país até já se levantaram vozes contra os que escrutinam e criticam, pedindo silêncio e respeito (ou será que devia dizer “respeitinho”?)

Eu sei que há quem tente remar contra a maré – há sempre. Mas quando há dias comentava a iniciativa de um desses grupos, o que lançou o abaixo assinado Prioridade à escola, onde se defendia a reabertura faseada das escolas, que já deveria ter começado esta semana pelo menos pelas creches e pelo pré-escolar, interrogava-me até que ponto não nos tínhamos tornado num país de velhos governado por velhos. Reparei nessa altura que quando Marcelo tomar posse, dentro de dias, será o Presidente constitucional a iniciar o seu segundo mandato com mais idade, será mesmo mais velho que Cavaco Silva na mesma altura. E também notei que António Costa está quase a tornar-se no primeiro-ministro constitucional mais velho, já que só Mário Soares foi primeiro-ministro por uns meses com mais idade do que ele tem hoje. Ou seja, nunca tivemos, em democracia, à frente dos destinos do país uma dupla mais idosa.

Entretanto fui fazer mais umas contas. Reparei então que este Governo, o maior da história da nossa democracia, é também aquele que tem uma média de idades mais elevada: considerando 2021 como ano de referência, a sua média etária é de 54,5 anos. Para termos uma ideia comparativa, o segundo governo de António Guterres, no segundo ano do seu mandato, tinha uma média etária de 50,3 anos. E tinha dois ministros com menos de 40 anos, coisa que neste Governo não acontece.

Dir-me-ão: mas que importância tem isso? O que agora falta em juventude sobra em experiência. Essa é outra discussão, mas como sabemos dos 20 membros do executivo de António Costa apenas um, Siza Vieira, tem alguma experiência relevante fora da vida política e da Administração Pública, pelo que quanto a experiência do que é o mundo real estamos conversados.

Pelo que volto ao meu ponto, o do envelhecimento. Este “envelhecimento” dos nossos dirigentes é infelizmente um espelho do envelhecimento do país. Por regra usamos um indicador para dar conta desse envelhecimento – o rácio entre a população com menos de 15 anos relativamente à que tem mais de 65. No ano 2000 esse índice estava 98,8, ainda havia mais jovens do que idosos. Em 2019 está nos 161,3, o que significa que caminhamos rapidamente para termos dois idosos por cada jovem. Mas este é um número muito abstracto, diz-nos pouco. Fui por isso olhar para outros indicadores, para tentar aferir da energia que ainda temos, ou já não temos, para reagir à crise quando finalmente nos deixarem sair de casa. Foi aí que fiquei gelado.

Se pensarmos na população activa, aquela que tem mais energia, mais criatividade, mais inventividade, no fundo a que tem mais nervo, é a que se situa entre os 25 e os 40 anos. Ora nesses escalões etários viviam no ano 2000 em Portugal 2,32 milhões de cidadãos. Em 2019 já só viviam 1,78 milhões. Isso mesmo, leram bem. Em 20 anos, mantendo o país praticamente a mesma população, perdeu mais de meio milhão de habitantes nas faixas etárias mais criativas e mais enérgicas. E também naquelas em se as pessoas se casam e têm filhos. Isto é uma tragédia sem nome.

Ao mesmo tempo onde é que os ganhámos? Nos que têm mais de 65 anos. São quase mais 600 mil. E onde é que perdemos ainda mais? Nos alunos matriculados no ensino básico. Entre o ano 2000 e o ano 2019 perdemos 270 mil alunos no ensino básico, ou seja, 20% do total. Isto é outra tragédia sem nome. Mas não pensemos que as coisas ficam por aqui. Um dos maiores logros em que temos vivido é que esta geração, a que tem hoje entre 25 e 40 anos, é “a mais bem preparada de sempre”. Talvez seja. No papel. Não nas oportunidades. O país não foi pensado para ela – o país foi pensado para se proteger dela.

Aqui há uns tempos, num dos primeiros textos que escreveu para o Observador, Jorge Fernandes assinalava que nessa semana iria receber o seu “primeiro salário enquanto Investigador Auxiliar” no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Aos 35 anos (julgo não me enganar na idade) tinha finalmente um contrato. Conheço casos de quem teve de esperar mais anos. Nesse texto o colunista discutia a caducidade do nosso sistema de acesso à investigação científica, mas não tocava – o que eu compreendo – noutro tema tabu: mesmo os que conseguem entrar nessa carreira, sabem que depois têm os caminhos todos barrados. Nalguns casos, lugares ocupados por gente boa e até muito boa, mas também outros por gente mediana e mesmo medíocre, pois nada estimula a renovação. Falo da Universidade, mas podia falar de quase tudo o resto. Mesmo no sector privado, com uma economia que não cresce, que não cria empresas, que não cria emprego, os mais novos quando arranjam trabalho – e sabemos que é entre eles que se registam sempre as mais elevadas taxas de desemprego – têm por certo e seguro que o seu caminho será seguramente mais árduo do que o da geração que os precedeu. Apesar de, como por aí dizem, eles estarem “mais bem preparados”. Palavras vãs, com pouco significado. Ou seja, são menos e estão na metade de baixo das grelhas salariais.

Para terminar, e para termos uma noção mais exacta de como podemos estar mesmo condenados a viver sem ambição e apenas governados por quem melhor gerir o medo, em 2019 havia sensivelmente o mesmo número de portugueses na faixa etária que vai dos 20 aos 40 anos do que aqueles que já tinham mais de 65 anos. Estes últimos são os que votam mais (ou se abstêm menos, como preferirem) e os que mais religiosamente se sentam a ver essas missas diárias que são os jornais televisivos das 20h. São também os que mais facilmente se identificam com os governantes que temos. São os que odeiam riscos e nem querem ouvir falar de sacrificarem o que quer que seja em nome de um futuro melhor, porque eles já não têm futuro.

É por isso que ter as escolas todas fechadas quase não foi tema, é por isso que ir gastar o dinheiro quase todo do PRR nas mesmas coisas de sempre – isto é, no Estado – não incomoda por aí além e é por isso que a lengalenga do “fizemos o nosso melhor” ainda vai servindo para manter índices de popularidade. Como avisei logo a abrir, se não quisessem ficar deprimidos, não lessem este artigo. É que dar um safanão a que nos desperte desta letargia, deste doce morrer como o do sapo que adormece na panela onde a água aquece, não vai ser nada fácil.

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COMENTÁRIOS:

Joaquim Albano Duarte: Resumindo, para o autor, numa situação de pandemia vamos ignorar a ciência e vamos pelo caminho do, "é pá, logo se vê pá, vais ver que com um pouco de sorte isto até pode correr bem". Enfim. E, já agora, é mais importante satisfazer as pieguices de quem está farto de ter os filhos em casa ou satisfazer as necessidades de quem não sabe como pôr comida na mesa.           pedro dragone: A ideia de que o país não progride devido a um alegado bloqueio geracional, é uma ideia peregrina que começou a germinar há uns anos, à volta do um livro sobre esta temática que falava da chamada "peste grisalha". Ideia, quase transformada em ideologia, que atingiu o seu auge no tempo da Troika com o "dream team" passista a eleger os funcionários públicos e reformados como inimigos nrº1 do país e das novas gerações. Abrindo na sociedade portuguesa uma fractura e uma verdadeira guerra inter-geracional sem precedentes que nela deixou marcas profundas. E que ainda hoje tem por aí muitos saudosistas à espreita de uma primeira oportunidade para reiniciar. A verdadeira razão para o lento desenvolvimento do país, perdendo competitividade em relação a muitos outros países antes menos desenvolvidos (como alguns países de leste), enraíza acima de tudo numa mediocridade crónica das suas elites políticas, económicas, financeiras, culturais e intelectuais que resulta de um processo de declínio progressivo iniciado com a expulsão dos Judeus de Portugal no Séc. XV. Mediocridade que se acentuou nos últimos 25 a 30 anos com a ocupação da máquina do Estado por gente de muito pouca qualidade, oriunda dos partidos do centrão (PS, PSD, CDS); gente que foi escolhida mais na base de critérios de compadrio político e de fidelidade canina ao chefe do que de competência técnica e profissional. O problema de envelhecimento da população é um fenómenos complexo (logo, não passível de análises simplistas, mas requerendo atenção) que abrange a maioria dos países desenvolvidos, em particular do mundo ocidental, (e tb oriental vd Japão!) e nem por isso estes países (e.g. Alemanha) deixam de ter elevados níveis de desenvolvimento em variadíssimos domínios...Helder Machado: A história do sítio é esclarecedora. O alimento nunca chegou a muitos. Por isso, os mais afoitos, sempre zarparam e continuam. A região pre frontal de milhões ressente-se muito da larica, da pinga, do tabaco e do snif. Depois veio a comida sintética, os disruptores endócrinos, a vaga de corrupção imparável com a mídia no bolso. Gramsci deu um jeito. De Davos, os oligarcas emprestam algum com desdém, de preferência a quem afundar o barco primeiro. Têm dinheiro e trela para lidar com gerações sucessivas de serviçais anestesiados. Sabem bem onde vão buscar o resgate. Ainda ninguém se deu conta. Vão à praia. Não tenham medo, eles vão deixar-vos tomar banho em água tépida.           Maria L Gingeira: No fundo o que se passa é que apesar de todos os avisos a maioria das pessoas prefere acreditar que desta vez será diferente. Não será. Mas a imaturidade do colectivo funciona como as crianças. Bem se avisa, avisa, mas só acreditam quando caem. E sinceramente acho melhor que quem tem a lucidez de saber do que fala, use a estratégia de falar de um tema de cada vez. Neste PRR esmiuçar ponto por ponto. Funciona melhor. Por exemplo: Vamos lá falar de apoios sociais. Como serão feitos? A quem? Que melhorias estruturais irão promover? Se até os donativos e as casas para as vítimas dos incêndios deram origem a escândalos...           Liberal Sempre em Pé: O Diabo dará um safanão nisto, mais dia menos dia. Será, naturalmente, diabólico! A única coisa que temos agora a nosso favor é a pertença à União Europeia.                 Adelino Lopes: Quando comecei a olhar para o título desenhei o meu comentário. E o meu comentário é: ambição existe, mas foi embora. Por cá não se pode ser ambicioso porque se odeiam os lucros e a iniciativa privada. Lugares? Só por intermédio dos boys. Portanto, quem for ambicioso só tem um caminho a seguir: emigrar. Fui dirigente desportivo, e agora que me lembro, numa das equipas, 4 dos 14 já emigrou, para já; têm 26-27 anos. Pois, … mas vêm cá passar o mês de agosto.      Maria Oliveira: A gente que nos (des)Governa e os seus comparsas ocuparam o espaço público com o "politicamente correcto", as questões "fracturantes" e outras insanidades, como as que ensinam numas "aulas" de cidadania nas escolas. Acresce que vigora uma subsídio dependência, ideal para a "compra" do voto, fórmula para os (des)governantes manterem o poder. A má qualidade e velocidade da "informação", que não informa e se limita a veicular a "espuma dos dias", não estimula o sentido crítico. A escola, geralmente de fraquíssima qualidade, não ensina a pensar. Na classe política não há, salvo raríssimas excepções, dirigentes com cv profissional, Não têm qualquer experiência de trabalho, nunca exerceram uma qualquer actividade. São gente que se arrasta nesta politiquinha rasteira, procurando manter o poder a qualquer preço. De tudo resulta uma população p pouco informada, acrítica e anestesiada. Não sairemos deste marasmo. Seria necessário mudar tudo e não se vê gente para tal         Manuel Vilhena >Maria Oliveira: Maria, que retrato amargo, mas perfeito. Parabéns. Penso exactamente como você.            Vaipo Caraxo: Se é um país de velhos, ser governado por velhos e para velhos até que faz sentido. Não tem grande futuro, é verdade, mas tê-lo-ia se porventura em lugar de governado por velhos socialistas e comunistas o fosse por novos socialistas e comunistas? O mais provável é que fosse ainda mais radical, mais tresloucado, mais desvairado, mais alienado.           Carlos Quartel: A crónica não me parece especialmente deprimente. É a nossa realidade, velha de séculos. Somos uma sociedade vivendo sob as normas capitalistas, mas sentimo-nos órfãos sem a capa protectora do estado. Quando cai granizo que estraga as couves, a primeira reacção do agricultor é pedir a ajuda estatal, quando um tornado levanta as telhas, aí estão os moradores a apelar ao presidente da câmara. Nem lhes passa pela cabeça assumir a responsabilidade pelo que possuem e fazerem os respectivos seguros. A nossa actividade privada não vai além de chafaricas de reparações, tascas e restaurantes (aos milhares). E quando se atrevem a um investimento maior, fazem-no com dinheiro emprestado. Se der para o torto, os bancos que se lixem. Os americanos quando atingem um milhão de dólares de património fazem uma festa, nós escondemos o dinheiro em várias contas e não dizemos a ninguém. Somos um povo de poucas ambições, um Costa, um Jesus, um árbitro chegam-nos. Quem tiver dúvidas, consulte o quadro eleitoral nacional.    Antonio Bentes: Caro José Manual Fernandes . Infelizmente não se perde aquilo que não se tem. Ambição? Acho que os portugueses não têm. Vontade de pensar? Também não. A maioria dos portugueses não querem pensar. É mais fácil acreditar no que diz o senhor doutor ou o que diz um primeiro ministro. Infelizmente as pessoas contentam-se com muito pouco e ai daquele que tenha ambição. É trucidado em dois tempos pela maioria. Que eu me lembre tivemos uma década com alguma ambição e positivismo. Foi a década de 90 pós queda do comunismo. Tudo parecia que ia melhorar. A década do orgulho da EXPO 98. A década de crescimento. Tudo mudou a partir de 2000. Ficámos dominados pelo PS e extrema esquerda. Não há o que fazer. Nem a comunicação social nos ajuda. Tudo dominado pelo PS. Veja os jornalistas imberbes do Observador. Tudo bloco de esquerda. No Observador salvam-se os extraordinários colunistas. Por fim quanto aos mais velhos. Veja a cambada de dinossauros que nos governa e os empresários que dominam o país. Com honrosas excepções tudo da época do 25 de Abril. Eu que sempre fui um optimista desiludi-me. Não vamos a lado nenhum com governos corruptos e população que só se interessa por novelas e uma semana de férias em Quarteira. É pouco, muito pouco para um país. 

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