Caso os seus sectários se pusessem a divulgar a sua pertença à tal maçonaria, que tem os seus rituais próprios, de que provavelmente se envergonhariam se tivessem que disso falar. Seria como desnudar a vida íntima, que a ninguém deve interessar, a menos que seja intriguista. Julgo que o que interessa na postura de um governante – como, de resto, de qualquer um de nós – é sempre um comportamento baseado em integridade, no cumprimento das funções próprias, independentemente de pormenores do foro pessoal ou íntimo, que não devem ser submetidas à opinião pública – sempre pronta a criar enredos, de resto, quantas vezes de forma truculenta ou pedante. Por isso concordo com Rodrigo Rocha Andrade que acha que “não havia necessidade”, como, embora este com malícia, diria o diácono Remédios. Não, não há necessidade. Sem malícia.
A institucionalização do voyeurismo
preconceituoso e conspiracionista
Uma democracia saudável deve respirar
transparência, mas transparência exigida pela vox populi e não pela vontade do
legislador popularucho de colocar os governantes a viver em casas de vidro.
RODRIGO ROCHA ANDRADE, Advogado, Assistente Convidado da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto
OBSERVADOR, 27 mar
2021
Feche
os olhos e imagine um mundo em que todos os titulares de cargos públicos estão
obrigados a declarar a sua filiação a organizações que exijam aos seus
aderentes a prestação de promessas de fidelidade ou que, pelo seu secretismo,
não assegurem a plena transparência sobre a participação dos associados. Abra
os olhos. Agora, volte a fechá-los e imagine um mundo em que tal obrigação não
existe. Reparou na diferença? Exacto, não existe.
Sim,
é verdade. Exigir uma declaração nos termos propostos pelo PSD e pelo PAN é, de
facto, um exercício inútil sem qualquer consequência prática óbvia que não,
talvez, a institucionalização de um voyeurismo encapotado que
vê, na transparência burocrática, a panaceia para todos os males da democracia.
Uma democracia saudável deve respirar
transparência, mas transparência que se sinta ser exigida pela vox
populi e não pela vontade do legislador popularucho de colocar os
governantes a viver em casas de vidro, por mero prazer de ver.
Gostava
de poder conhecer os fundamentos que levam a que se sucumba a teorias
conspiracionistas e se exija conhecer alguns interesses ou hobbies de
quem nos governa. Mas o único argumento que foi sendo disparado é o
clássico (mas pobre) “quem não deve não teme”.
Esta
justificação sob forma de brocardo popular não é nada mais do que uma
preguiçosa tentativa da inversão do ónus justificativo, demonstrativa de um
vazio justificativo. Eu não
tenho de prestar todas as informações que me pedem só porque não devo nada a
ninguém. Na verdade, é exactamente o contrário. Se eu não devo nada a ninguém,
não tenho de me preocupar em mostrar que assim é.
É igual com os nossos governantes: se tomarem decisões que visam
prosseguir o interesse público – ninguém quer saber que organizações insólitas
frequentam nos seus tempos livres nem se lhes devia exigir que connosco
partilhassem as suas taras e manias.
Se não existe um motivo universal que
justifique que queiramos conhecer as filiações dos titulares dos cargos
públicos, então que não se lhes exija tal divulgação. Se existir um motivo político
concreto que justifique que se exija conhecer as filiações de um específico
governante – por exemplo, se ele se afasta da prossecução do bem comum, que se
exponham em praça pública os factos, e deixe-se a democracia baseada na dialéctica
e na informação funcionar. Se os
motivos são criminais, então tal declaração é um meio de investigação inútil e
ocioso, que deve ser substituído pela competência e pela atribuição de meios de
combate à corrupção.
No
fundo, a ideia é simples: se estamos perante informações que
a demo exige conhecer (ou deveria exigir conhecer) para tomar as suas
decisões em democracia, então os candidatos a estes cargos sentirão necessidade
de prestar as informações que lhe são exigidas ou os seus adversários deverão
fazê-los sentir essa necessidade. Se assim for, a declaração será redundante
porque tais informações serão já do conhecimento público.
Se
a declaração se exige com base na ideia preconcebida (e, portanto,
preconceituosa) de que em causa estão associações criminosas, então também esta
declaração é inútil. Se as instituições são criminosas, trate-se de as
investigar em condições. Também neste caso existem já meios suficientes para o
efeito – e esta declaração não ajudará em nada.
Feche
os olhos. Se esta declaração é inútil, faz sentido obrigar alguém a
preenchê-la?
MAÇONARIA PAÍS PARLAMENTO POLÍTICA DEMOCRACIA SOCIEDADE LIBERDADES
COMENTÁRIOS:
Joaquim Moreira: A ver pelo
apelido, esta crónica parece ter sido a pedido. E se não for, e a ver pela
idade, pode ser só uma certa ingenuidade. Mas vamos lá analisar, o que parece
ser uma preocupação socialista, ou seja: "A institucionalização do voyeurismo
preconceituoso e conspiracionista"! E, atenção, o facto de ser socialista,
não quer dizer que também não seja, social-democrata, democrata-cristã,
direitista ou até comunista. Ou seja, de largo ponto de vista! Até porque,
tendo como pretensão, melhorar o poder da Nação, é muito natural que tenda para
a intervenção. Por isso, tenho muita dificuldade em compreender que, quando
quer, directamente, o poder exercer, tenha receio de dizer, que, a tão
benemérita, e altruísta organização faça o favor de pertencer. Mesmo sabendo
que não quer que o povo, de algum modo, lhe possa agradecer! Mas
também não posso deixar de dizer, que também sei que este tipo de declaração,
não garante, só por si, que vai acabar com a velha corrupção. No entanto, pode
ser, uma boa contribuição. Para acabar com uma grande dúvida e uma maior
suspeição!
bento guerra: Suponho que o
Rio alguma vez quis entrar para "pedreiro" e decidiram que não tinha
os mínimos. Na política, também não, mas é encomenda
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