quinta-feira, 11 de março de 2021

Relativizar é preciso


António Costa é um homem esperto, que sabe que “o mundo pula e avança” embora às vezes estremeça e recue – no Cosmo macro como no micro – e por isso nada disso pode ter grande relevância. Sabe que “racismo” existe desde sempre, que tem a ver com raça, mas sobretudo com distinção social, de acordo com aquilo que a consciência humana da superioridade fabrica – e isso resulta de muitos factores e não só do colorido da pele. A educação, a riqueza, a força física, são muitas vezes elementos de segregação social ou apenas familiar, todos o sabemos, e podemos ser-lhe ou não indiferentes. Outros valores mais altos se podem erguer na caminhada da vida de cada um, e bem faz o Primeiro-Ministro, relativizando, e avançando, na superioridade do seu orgulho e da sua consciência de bem servir ou se servir. Tudo é, afinal, tão efémero!... mesmo no Cosmos…

I -OPINIÃO: Se tivesse tempo (para falar de racismo)

António Costa, com um único tiro, afasta André Ventura do cenário político “credível”, descredibiliza Mamadou Ba e desvaloriza a causa anti-racista.

PEDRO COQUENÃO               PÚBLICO, 10 de Março de 2021

Numa entrevista ao PÚBLICO, quando questionado sobre o debate sobre racismo e a memória histórica, António Costa respondeu: “Preocupa-me profundamente e, se tivesse tempo, havia de escrever um artigo, beneficiando da minha própria experiência, de pessoa de origem indiana, que me dá uma certa experiência pessoal de saber o que é o racismo que existe e não existe na sociedade Portuguesa”

Este ignorar de estudos e números, dispensando Censos e centrando a sua opinião em experiência pessoal, parece descender da tendência global dos líderes populistas ou totalitários.

Na mesma entrevista, o primeiro-ministro associa o discurso racista de um populista ao de um activista anti-racista, como sendo responsáveis por um mesmo problema “artificial”. Tal como o Presidente Marcelo já o tinha feito, seguiu a linha do “alimentam-se um ao outro”, colocando no mesmo patamar, Mamadou Ba, que promove a luta contra o racismo, há vários anos, e André Ventura, que faz do racismo uma das suas ferramentas mais recorrentes. As recentes manifestações “anti-anti-racismo” são disso uma demonstração “Simpsoniana”. Como se pudéssemos aplicar a questão do ovo ou da galinha neste caso. Não podemos. Esta associação feita por António Costa não foi um momento de distracção ou um engano. São tudo comentários muito hábeis e inteligentes, com muito de jogo político e pouco de preocupação social. Infelizmente.

“Está a abrir-se de forma artificial uma fractura perigosa para a nossa identidade”.

É um golpe certeiro, este do desmentir a pertinência do debate, assustando com instabilidade social, porque, com a perspectiva de ficarmos ainda mais pobres, a médio prazo, nenhum de nós quer ver comprometida a paz da sua bica ou a do fino, ambos tirados a preceito. Conversas a sério, ao ponto de levantar a voz, concordemos em discordar com o VAR e mergulhemos na crise do nosso clube. É preciso muito tempo para abordar este tópico.  Nem André Ventura, nem Mamadou Ba, representam aquilo que é a generalidade do sentimento do país. Felizmente”.

Sob a justificação de uma opinião sua e, acto  contínuo, comparando um adversário a um activista sem assento parlamentar, António Costa, com um único tiro, afasta André Ventura do cenário político “credível”, descredibiliza Mamadou Ba e desvaloriza a causa anti-racista, tentando assegurar a outra bi-polarização que conhece e da qual tem saído vencedor.

“Fascistas não têm lugar no PSD”

Aceitando Costa como politicamente superior, esta é a sua forma de beliscar e condicionar o PSD num acordo com o Chega, sendo aqui confuso o raciocínio, porque, ao mesmo tempo, diz não acreditar na autenticidade de Ventura como fascista, depois de ter “feito uma tese de doutoramento como a que ele fez”.

É preciso evitar o erro de querer bipolarizar a vida polícia nacional entre André Ventura e todos os outros. Porque isso só tem um efeito que é valorizar o André Ventura (…) Dá-se credibilidade a um sujeito que não merece essa credibilidade”

De volta à “bi-polarização”, que não é de opostos, proponho que desviemos o olhar para o centro, onde se governa e decide e onde podemos associar este tipo de discurso de António Costa ao de Rui Rio, quando este disse que “ainda ficamos é racistas com tanta manifestação anti-racista”. Ambos são rostos de um mesmo problema real. Tentam, acima de tudo, não apoquentar a maioria dos cidadãos votantes com temas polarizadores fora da sua agenda, desconsiderando, por exemplo, o problema real da abstenção e de todas as pessoas que não fazem parte do seu eleitorado potencial ou se revêem nas posições quer de um quer de outro. Uma maioria. Com 51% de abstenção nas legislativas em 2019, podemos oferecer-nos a mesma liberdade de concluir: nem António Costa, nem Rui Rio representam aquilo que é a generalidade do sentimento do país. Felizmente.

Talvez seja por sentirem que a generalidade dos políticos acabam por habitar uma realidade artificial, onde não há tempo para abordar problemas reais de todo o país, perdendo-se em jogos de xadrez.

Pedro Coquenão tem criado e desenvolvido trabalho na área da música, rádio, dança, artes visuais e plásticas sob o nome Batida.

TÓPICOS: OPINIÃO  ENTREVISTA  ANTÓNIO COSTA  RACISMO  EXTREMA-DIREITA  ANDRÉ VENTURA  RUI RIO

II- OPINIÃO:    Fukushima, o insustentável preço do nuclear

Nos anos seguintes ao acidente de Fukushima, o Japão deu uma das mais importantes respostas à crise. Apesar do aumento do uso de carvão com incidências ambientais significativas, nomeadamente em termos climáticos, houve um enorme impulso para economizar energia e melhorar a eficiência energética.

FRANCISCO FERREIRA          PÚBLICO, 11 de Março de 2021

Na história de acidentes graves ocorridos em centrais nucleares, há três que foram verdadeiros marcos de alerta à escala mundial: Three Mile Island nos Estados Unidos da América em 1979, Chernobil na então União Soviética em 1986 e Fukushima no Japão há dez anos. Todos eles foram determinantes para a evolução do uso da energia nuclear para produção de electricidade, quer pelas consequências, quer principalmente pela percepção do risco de funcionamento das instalações, mas também pela melhoria de regras de segurança que implicaram e o consequente aumento de custos decorrentes destas maiores exigências para evitar novos problemas.

Nos anos seguintes ao acidente de Fukushima, o Japão deu uma das mais importantes respostas à crise – apesar do aumento do uso de carvão com incidências ambientais significativas, nomeadamente em termos climáticos, houve um enorme impulso para economizar energia e melhorar a eficiência energética. Ao mesmo tempo, a expansão da energia renovável no Japão subiu de 10,5% em 2011 para 17,4% em 2018. A expansão da energia solar tem sido particularmente forte, representando 7,4% da geração total de electricidade em 2019, superando a energia nuclear (6,5%).

Foram consultadas três fontes credíveis e recentes: um relatório de Dezembro de 2020 da Agência Internacional de Energia, um boletim da U.S. Energy Information Administration e um artigo de Fevereiro de Sovacool e colegas na revista científica Energy Research & Social Science. Todos mostravam uma realidade comum – os chamados custos nivelados de produção de electricidade através de centrais fotovoltaicas e de aerogeradores em terra são inferiores aos custos associados à produção de eleCtricidade a partir do nuclear. A última referência incorporava igualmente os custos sociais (externalidades) e a diferença a favor das renováveis mantinha-se.

A União Europeia, no âmbito da reformulação da sua política fiscal, a chamada taxonomia onde se identificam as actividades que podem ser apoiadas dado serem consideradas relevantes no contexto de um desenvolvimento sustentável, está actualmente a decidir se a energia nuclear tem este enquadramento. Nas próximas semanas, o Joint Research Centre (JRC) publicará sua análise que será sujeita a uma nova revisão por dois grupos de especialistas científicos, antes da Comissão Europeia tomar uma decisão. A Áustria já se antecipou ao considerar que existem fontes de energia alternativas ao nuclear que garantem poucas emissões de gases com efeito de estufa e muito menos riscos, não implicam os elevados custos futuros com resíduos radioactivos e o desmantelamento das centrais e, acima de tudo, asseguram um preço de produção de electricidade muito mais reduzido, não devendo o nuclear sequer ser considerado uma tecnologia de transição. O preço do nuclear tornou-se insustentável e o acidente de Fukushima foi decisivo para o seu fim em países como a Alemanha. Na Europa, só com uma fortíssima subsidiação directa ou indirecta o nuclear parece ter algum futuro como na França, Finlândia ou no Reino Unido.

TÓPICOS: CIÊNCIA  OPINIÃO  ENERGIA NUCLEAR  FUKUSHIMA  JAPÃO  ENERGIAS RENOVÁVEIS  TCHERNOBIL

COMENTÁRIO: Aónio Eliphis INFLUENTE: De facto quando analisamos mortes por GWh de energia produzida, a energia nuclear é das energias mais seguras do mundo. Do ponto de vista ambiental usando a mesma métrica racional por GWh, é a melhor solução de todas, indubitavelmente melhor que hidrocarbonetos e mesmo que solar, pois para a mesma quantidade de energia produzida a solar exige muitíssimo mais espaço. Temos um caso aliás recente naquela quinta onde massacraram os animais para construir um parque solar.

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