quarta-feira, 15 de setembro de 2021

A costumada cepa

 

  Torta. Helena Garrido assim nos descreve, na dimensão de sempre, no riso bacoco, no caciquismo de mão estendida…

As nossas disfuncionais autarquias /premium

Os debates expõem dramaticamente um distanciamento em relação aos problemas dos cidadãos e uma enorme irracionalidade nas prioridades de despesa. A transferência de competências pode ser uma solução.

HELENA GARRIDO         OBSERVADOR, 14 set 2021

Quando o óbvio ficou praticamente concluído, como as infra-estruturas básicas de saneamento, os autarcas parecem ter ficado sem saber bem o que fazer ao dinheiro. É mais ou menos a partir dessa altura que começamos a ver disparates. Cada concelho quis ter o seu centro cultural e a sua piscina, o que resultou, regra geral, na falta de massa critica para espectáculos ou a termos estruturas de desporto que se degradaram ou partiram logo com uma enorme falta de qualidade.

Paralelamente assistiam-se a “obras de arte”, que merecem mesmo aspas, em rotundas. E hoje em dia, apesar das juras em defesa do ambiente, assistimos a rotundas com relva quando temos um problema de escassez de água. E fomos vendo fontes, invariavelmente iguais em vários concelhos, como se houvesse uma espécie de catálogo que percorria o país com o mesmo fornecedor. A grande moda destas autárquicas parece ser construir o nome da cidade ou da vila em letras garrafais.

Também em cada ciclo eleitoral vivemos o mesmo inferno de estradas de pantanas. E o inferno ainda mais grave de assistirmos à eliminação de árvores que, quando são substituídas, padecem do habitual erro de poupar onde não se deve, comprando quase arbustos que frequentemente não resistem. E lá vemos as praças e os passeios à torreira do sol.

Enquanto se atira literalmente dinheiro para a rua, as necessidades essenciais ficam esquecidas. É vulgar andarmos pelas vilas e cidades e ver o Centro de Saúde ou a esquadra de polícia degradados, as escolas, hoje menos esquecidas, mas que podiam estar muito melhor. E faltam médicos e enfermeiros, faltam polícias, enquanto a autarquia vai empregando cada vez mais pessoas.

Bairros por onde ninguém passa vão sendo deixados ao abandono, com passeios que são armadilhas, estradas esburacadas ou lixo que se espalha porque as estruturas são insuficientes. Em Lisboa, basta sair dos circuitos turísticos para perceber quem são os esquecidos. Fora de Lisboa, assim que se sai do centro acontece o mesmo.

Quando andamos pelo país, percebemos bem onde falta o dinheiro e onde há dinheiro a mais. Percebe-se bem que há políticas públicas básicas, na segurança, na saúde, na educação e na habitação que falharam.

Olhemos para duas questões fundamentais: a saúde e a habitação.

Na saúde, ainda hoje vemos pessoas em filas naqueles que deviam ser os centros de prevenção da doença e alívio dos hospitais. Pode ser que o Plano de Recuperação e Resiliência dê um contributo. Mas se se limitar à construção, teremos mudado apenas o edifício. É preciso médicos e enfermeiros e isso exige uma política de melhores salários e de mais licenciados. Vamos ver se há coragem para pagar melhor – a exclusividade dos médicos corre o risco de criar mais problemas ainda. Para já parece existir coragem de quebrar as barreiras à entrada na profissão, que a Ordem dos Médicos tem conseguido manter há décadas.

Em termos gerais, alguns dos problemas que temos na organização da saúde pública derivam de escolhas que tiveram mais como objectivo satisfazer autarcas do partido do governo – estamos a falar da construção de hospitais – do que nas necessidades dos cidadãos.

Quanto à habitação, um dos problemas mais graves, especialmente para as gerações mais novas que iniciam a sua vida familiar, os erros têm sido enormes. Toda a política de oferta de habitação por parte do Estado tem sido um desastre e os incentivos ligados a outras medidas têm distorcido o mercado. E aquilo que se ouve nos debates está longe de nos sossegar.

Comecemos pela política de habitação social. Criaram-se autênticos guetos um pouco por todo o país. Casas com uma enorme falta de qualidade, em muitos casos com enquadramentos desumanizados e que em alguns casos se transformaram em antros de criminalidade. Será que quem o faz ou fez sabia que bairros como o do Restelo foram construídos para serem “económicos”? A comparação entre os bairros sociais do passado e os actuais são abismais e susceptíveis, em si, de perpetuarem a pobreza. É aliás muito difícil de perceber como é que ainda não foi possível realojar as pessoas que vivem no bairro da Jamaica, no Seixal.

As políticas de habitação social têm sido, como se percebe, um desastre. O que é incrível é ver que se insiste no mesmo modelo, de criar bairros para pobres, quando as autarquias deviam era ter casas integradas nos bairros das localidades para quem não consegue pagar. Os bairros sociais, como foram construídos, serão sempre um problema que, um dia, terá de ser solucionado.

Mas hoje o problema maior está na falta de casas para a classe média empobrecida em que nos transformámos. E além de aumentar a oferta de casas, usando os imóveis que tem – e Lisboa tem muitosas autarquias deviam desenhar políticas, com o Governo, que incentivassem o aumento da oferta dirigida ao país que somos, de baixos rendimentos.

A habitação em Portugal tem vivido para o sistema bancário, para que se compre uma casa. Contrariamente ao que se possa pensar, uma lei de arrendamento flexível, em que seja mais fácil despejar quem não paga a renda, aumentaria a oferta de casas e não é nada amiga dos bancos. É aliás um paradoxo que um banco consiga despejar mais facilmente uma família que não paga o empréstimo, do que um senhorio tirar da casa uma pessoa que não paga a renda.

Habitação, saúde, segurança, educação, estas deviam ser as prioridades dos autarcas nesta nova era. Precisam urgentemente de mais competências, ou continuaremos a assistir a absurdos desperdícios de dinheiro. E a debates em que parecem não perceber bem do que precisam de facto os seus munícipes.

AUTÁRQUICAS 2021  ELEIÇÕES  POLÍTICA

COMENTÁRIOS:

Ahmed Gany: Seria uma boa ideia entregar a gestão dos centros de saúde às câmaras municipais, e pudessem contratar, directamente, o quadro do pessoal.            Carlos Pamplona: Muito bom           Nuno Pê: A Helena crê, então, que a manifesta falta de capacidade do Presidente de Borba para tratar do assunto da estrada que ruiu na pedreira, seria atenuada se o Presidente tivesse a competência sobre as estradas e sobre a fiscalização de pedreiras e afins? Acho que a transferência de competências sem ser acompanhada da transferência do conhecimento técnico vai ser o nosso fim e a morte do artista. As competências vão mas os técnicos com conhecimentos ficam nos Ministérios a assobiar. Veja a classificação miserável com que nos concursos públicos os candidatos são admitidos para as autarquias. Uma desgraça pensar que serão essas pessoas a ficar com as novas e mais exigentes competências. Deus nos livre e guarde da incompetência e compadrio dos municípios.     Harry Dean Stanton: Mais um bocadinho e a HG hoje acabava a coluna a cantar Sérgio Godinho. Alguma coisa não está bem e não deve ser só nas autarquias. Digo eu.          Sérgio Coelho: As autarquias e JF são um albergue de boys e girls e amigos e famelga e todo tipo de parasitas pagos pelo erário público...            João Das Regras: Se, como diz a HG, as autarquias são medíocres na gestão e um apanágio de compadrios e outras ineficiências... Gostava de saber qual a opinião da articulista para o que a esquerda se prepara para fazer já, com a descentralização, e mais tarde chegar á Regionalização acrescentando diversas camadas de burocracia e tachos pelo caminho. Vai ser uma festa. Em cada comissão regional teremos um ou vários Césares a dar emprego a toda a família e a contratar as empresas "amigas" do Partido.          Francisco Correia: As autarquias, regra geral, estão a tornar-se num sorvedouro de dinheiro, entregando pouco e de má qualidade ao munícipe pagador de impostos, taxas e taxinhas. Cada vez parecem mais agências de emprego onde a burocracia aumenta a cada dia para justificar o pouco trabalho que cada funcionário, em média, realiza.           Joaquim Rodrigues > Francisco Correia: Não diga asneiras. Os números e a realidade provam precisamente o contrário quando a comparação é feita, em racionalidade e rentabilidade da despesa pública, com o Governo Central.           Antonio Mello: Bem dito e preocupante, pois com esta governação central, a alimentar o status quo de décadas dum poder local disfuncional e medíocre, tudo ficará na mesma como à lesma… tristeza           Ediberto Abreu: Palavra que pensei que fala de Aveiro...        Hugo c: e pra isso é preciso Capital, empreendedorismo, criatividade. se os partidos com assento parlamentar demonizam esse Capital, como podem investimentos proceder?           Mario Areias: Muito bom texto. Parabéns.          Maria Madeira: Excelente artigo. Joaquim Rodrigues: Em Portugal o que temos é uma amálgama de competências, atribuições e funções com total concentração e opacidade do "orçamento de estado" à conta do Governo Central, que abre caminho a toda a corrupção subalternizando o poder Local e ignorando o poder Regional. Não é por acaso que os Níveis de Poder que a Prática Política das Democracias Liberais Avançadas Consagrou foram os Nacional, Regional e Local. O "Princípio da Subsidiariedade", consagrado no Tratado da UE a que Portugal está vinculado, estabelece que se uma determinada função ou competência pode ser exercida ao nível local, então deve ser exercida ao nível local, se pode ser exercida ao nível Regional, então deve ser exercida ao nível Regional e se pode ser exercida ao nível nacional então deve ser exercida a nível Nacional. E só quando não pode ser exercida a Nível Nacional é que deve ser exercida pela União Europeia. Ou seja: por razões de participação e controle públicos, de bom funcionamento da democracia e de eficácia económica e social, as funções e competências de Estado devem ser exercidas pelos “Órgãos de Poder” democraticamente eleitos, que as possam exercer, que mais próximos estejam dos cidadãos eleitores. --Uma organização político-administrativa racional, necessariamente envolvendo o nível nacional, regional e local, para uma execução eficiente das políticas públicas; --Um quadro de funções, atribuições e competências muito claro, distribuído por aqueles três níveis de poder, à luz do Princípio da Subsidiariedade; --Um sistema de impostos em consonância com os níveis de poder e respectivas funções exercidas. São estes os ingredientes necessários para que os cidadãos sintam que a participação democrática e o controlo das instituições valem a pena. E quanto maior a participação e controlo democrático das instituições pelos cidadãos menores as hipóteses de populismo, demagogia, incompetência e corrupção na gestão da “coisa pública”. Em Portugal até os “Caciques Locais” são escolhidos e patrocinados pelo Governo Central.          L. Perry > Joaquim Rodrigues: A nossa política macroeconómica devia ser definida em Lisboa ou em Bruxelas? Subsidiariedade??             Joaquim Rodrigues > L. Perry: O problema é que Portugal para além da "Bazuka" (de pólvora seca) e da subsidiodependência não tem qualquer Política Económica quanto mais "Macroeconómica".           L. Perry > Joaquim Rodrigues: Não o incomoda que não possamos eleger o Presidente da Comissão Europeia ou o Presidente do BCE?             Joaquim Rodrigues > L. Perry: Não seja demagogo! Em Portugal você elege o Presidente do Banco de Portugal? A União Europeia é uma grande instituição mas ainda está em construção. Lá chegará o dia em que todos os Presidentes das Instituições Europeias serão eleitos directa ou indirectamente.            josé maria: O pessoal político é, na sua enorme maioria, fraquíssimo e a burocracia excessiva ajuda à desorganização e ao compadrio. Não vale a pena olhar só para a podridão das árvores da floresta se não se identificar correctamente o problema. A questão é estrutural: burocracia, ajustes directos e compadrios. Mas nestas teclas essenciais, a Helena Garrido não toca. Porquê ? Quem cala, consente?          advoga diabo: As autarquias são o paradigma de Abril, inovação, participação, solidariedade, modernidade, conforto, cidadania. Tivessem os outros poderes evoluído o mesmo Portugal estaria bem melhor!    joaquim zacariasa > dvoga diabo: Estás a falar de que país? De Portugal não é, pois não? maldekstre estas kaptiloadvoga diabo: Tu bates recordes de comentários absurdos quando não mesmo totalmente idiotas. E com a concorrência que tens por aqui isso não é nada fácil, gabo-te o duvidoso mérito. maldekstre estas kaptilojoaquim zacarias: Ele fala sempre do país das maravilhas, LaLaLand.          Tiago Tadvoga diabo: Não percebo de que raio está este indivíduo sempre a falar. As autarquias são apenas e só o paradigma do Estado central em ponto pequeno: compadrios, amiguismos, tachos, ineficiências várias e todos os valores que se oponham ao mérito. Isto é a regra. Felizmente há excepções, mas a norma é esta. A evolução só existiu graças às bateladas de milhões de euros da UE. Nada mais.            klaus muller > advoga diabo: Já te tornaste aqui famoso pela torrente inesgotável de opiniões que tens sobre todo e qualquer assunto. O problema é que nenhuma delas tem qualquer préstimo, pelo menos até à data.           Andrade QB: Houve tempos em que se faziam reformas administrativas. Depois houve tempos em que se falava de reformas administrativas no sentido de aumentar o número de lugares e com isso a entropia e o custo e essas reformas eram implementadas num esfregar de olho. Depois houve o tempo em que Portugal assinou com a Troika que iria fazer uma reforma no sentido de diminuir Câmaras e, esperançosamente (digo eu que sou um crente) criaram-se as CIM com o objectivo (imagino) de posteriormente se criar uma estrutura mais próxima tipo Câmara/junta de freguesia em que ficaria um só nível mais bem dimensionado. Depois a realidade impôs-se e fez-se o arremedo de fusão de freguesias para ganhar tempo até a Troika ir embora. A Troika foi embora e, espanto, consolidou-se a multiplicação de estruturas sob o discurso de as reduzir de forma tão célere como eram aumentadas quando do discurso anterior de aumentar estruturas. Hoje já voltou o discurso da multiplicação de estruturas e, seguramente, vai conseguir ter igual sucesso. Portugal é, de facto, um milagre e um exemplo para o mundo. maldekstre estas kaptilo: O diagnóstico (que é 50% da cura) da grave doença de que padecemos está correctíssimo (apesar de não ser novidade e de essa doença cancerígena-parasitária ter um nome: socialismo-comunismo) mas o tratamento prescrito deixa-me perplexo. Então as nossas autarquias são ‘disfuncionais’ e ‘dramaticamente um distanciamento em relação aos problemas dos cidadãos e uma enorme irracionalidade nas prioridades de despesa’ e a cura ou solução é ainda mais ‘transferência de competências’??? Portanto, não querem saber dos problemas, gastam cada vez mais dinheiro que não têm em coisas de que não precisamos e o melhor a fazer é darmos mais poder e mais dinheiro. Escapa-me a lógica, deve ser por eu ser muito b u r r o. Ferraz Rui José: "Mas fez obra" ouve-se dizer! O sistema, com raras e honrosas excepções, o exercício do poder tem como primeiro objectivo a continuidade e para tal o aumento dos protegidos e "obra que se veja", o bem-estar das populações não está no menu!           Nuno Jacinto: Junto a essas preocupações as dos concelhos ultra ameaçados pelas alterações climáticas, como Aveiro, ou Almada, nos debates nem uma palavra como se vai gerir esse drama já aí ao virar da porta com o mar a comer ou inundar território todos os dias.              bento guerra: O poder local é um dos mal-entendidos do pensamento de "esquerda". Expandir gastos e compadrios, com base no jogo de arruadas e papelinhos nas urnas Francisco Garcia: Ora ora, falta de casas para a classe média! Já nos anos 60 se ia comprar casa em Odivelas, Massamá, Corroios. Como é que nasceram os subúrbios? Nuno W: Muito bem, os nossos autarcas são regra geral o resultado da ineficiência e da ineficácia de grande parte das políticas públicas do governo central. Fazem-se hospitais nos locais mais convenientes para os políticos, criam-se cursos superiores para colocar o corpo docente, o tribunal onde dá jeito, a loja do cidadão, a creche e, claro, a rotunda, a piscina e o pavilhão multiusos, Nos grandes centros a moda é nacionalizar o espaço público e colocar batalhões de polícias municipais (ainda não percebi a utilidade) e um conjunto de servidores de bloco na mão a multar tudo o que mexe. Tudo isto com a população a decrescer preocupantemente e com a emigração dos jovens mais qualificados. Até já mandamos fazer carruagens! Vamos de mal para pior                mamadorchulo dostugas: Não há falta de elementos das forças de segurança, uma boa parte está a fazer serviços burocráticos.

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