As nossas disfuncionais autarquias /premium
Os debates expõem dramaticamente um
distanciamento em relação aos problemas dos cidadãos e uma enorme
irracionalidade nas prioridades de despesa. A transferência de competências
pode ser uma solução.
HELENA GARRIDO OBSERVADOR, 14 set 2021
Quando o óbvio ficou praticamente
concluído, como as infra-estruturas básicas de saneamento, os autarcas parecem
ter ficado sem saber bem o que fazer ao dinheiro. É mais ou
menos a partir dessa altura que começamos a ver disparates. Cada concelho quis ter o seu centro cultural e a
sua piscina, o que resultou, regra geral, na falta de massa critica para
espectáculos ou a termos estruturas de desporto que se degradaram ou partiram
logo com uma enorme falta de qualidade.
Paralelamente
assistiam-se a “obras de arte”, que merecem mesmo aspas, em rotundas. E hoje em dia, apesar das juras em defesa do
ambiente, assistimos a rotundas com relva quando temos um problema de escassez
de água. E fomos
vendo fontes, invariavelmente iguais em vários concelhos, como se houvesse uma
espécie de catálogo que percorria o país com o mesmo fornecedor. A grande moda
destas autárquicas parece ser construir o nome da cidade ou da vila em letras
garrafais.
Também
em cada ciclo eleitoral vivemos o mesmo inferno de estradas de pantanas. E o
inferno ainda mais grave de assistirmos à eliminação de árvores que, quando são
substituídas, padecem do habitual erro de poupar onde não se deve, comprando
quase arbustos que frequentemente não resistem. E lá vemos as praças e os
passeios à torreira do sol.
Enquanto
se atira literalmente dinheiro para a rua, as necessidades essenciais ficam
esquecidas. É vulgar
andarmos pelas vilas e cidades e ver o Centro de Saúde ou a esquadra de
polícia degradados, as escolas, hoje menos esquecidas, mas que podiam estar
muito melhor. E faltam médicos
e enfermeiros, faltam polícias, enquanto a autarquia vai empregando cada vez
mais pessoas.
Bairros por onde ninguém passa vão sendo
deixados ao abandono, com passeios que são armadilhas, estradas esburacadas ou
lixo que se espalha porque as estruturas são insuficientes. Em Lisboa, basta
sair dos circuitos turísticos para perceber quem são os esquecidos. Fora de
Lisboa, assim que se sai do centro acontece o mesmo.
Quando andamos pelo país, percebemos
bem onde falta o dinheiro e onde há dinheiro a mais. Percebe-se bem que há
políticas públicas básicas, na segurança, na saúde, na educação e na habitação
que falharam.
Olhemos
para duas questões fundamentais: a
saúde e a habitação.
Na
saúde, ainda hoje
vemos pessoas em filas naqueles que deviam ser os centros de prevenção da
doença e alívio dos hospitais. Pode ser que o Plano de Recuperação e
Resiliência dê um contributo. Mas se se limitar à construção, teremos mudado apenas
o edifício. É preciso médicos e enfermeiros e isso exige uma
política de melhores salários e de mais licenciados. Vamos ver se há coragem para pagar melhor – a
exclusividade dos médicos corre o risco de criar mais problemas ainda. Para já
parece existir
coragem de quebrar as barreiras
à entrada na profissão, que a Ordem dos Médicos tem conseguido manter há
décadas.
Em
termos gerais, alguns dos
problemas que temos na organização da saúde pública derivam de escolhas que
tiveram mais como objectivo satisfazer autarcas do partido do governo – estamos
a falar da construção de hospitais – do que nas necessidades dos cidadãos.
Quanto à habitação, um dos problemas mais graves, especialmente para as
gerações mais novas que iniciam a sua vida familiar, os erros têm sido enormes.
Toda a política de oferta de habitação por parte do Estado tem sido um desastre
e os incentivos ligados a outras medidas têm distorcido o mercado. E aquilo
que se ouve nos debates está longe de nos sossegar.
Comecemos pela política de habitação
social. Criaram-se
autênticos guetos um pouco por todo o país. Casas com uma enorme falta de
qualidade, em muitos casos com enquadramentos desumanizados e que em alguns
casos se transformaram em antros de criminalidade. Será que quem o faz ou fez sabia que bairros como o do Restelo
foram construídos para serem “económicos”? A comparação entre os bairros
sociais do passado e os actuais são abismais e susceptíveis, em si, de
perpetuarem a pobreza. É aliás muito difícil de perceber como é que ainda não
foi possível realojar as pessoas que vivem no bairro da Jamaica,
no Seixal.
As
políticas de habitação social têm sido, como se percebe, um desastre. O que é incrível é ver que se insiste no mesmo
modelo, de criar bairros para pobres, quando as autarquias deviam era ter casas
integradas nos bairros das localidades para quem não consegue pagar. Os bairros
sociais, como foram construídos, serão sempre um problema que, um dia, terá de
ser solucionado.
Mas
hoje o problema maior está na falta de casas para a classe média empobrecida em
que nos transformámos. E além de
aumentar a oferta de casas, usando os imóveis que tem – e Lisboa tem muitos
– as autarquias deviam desenhar políticas, com o Governo,
que incentivassem o aumento da oferta dirigida ao país que somos, de baixos
rendimentos.
A
habitação em Portugal tem vivido para o sistema bancário, para que se compre
uma casa. Contrariamente
ao que se possa pensar, uma lei de arrendamento flexível, em que seja mais
fácil despejar quem não paga a renda, aumentaria a oferta de casas e não é nada
amiga dos bancos. É aliás um
paradoxo que um banco consiga despejar mais facilmente uma família que não paga
o empréstimo, do que um senhorio tirar da casa uma pessoa que não paga a renda.
Habitação, saúde, segurança, educação, estas deviam ser as prioridades dos autarcas nesta
nova era. Precisam urgentemente de mais competências, ou
continuaremos a assistir a absurdos desperdícios de dinheiro. E a debates em
que parecem não perceber bem do que precisam de facto os seus munícipes.
AUTÁRQUICAS
2021 ELEIÇÕES POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
Ahmed Gany: Seria uma boa ideia entregar a gestão dos centros de saúde às câmaras
municipais, e pudessem contratar, directamente, o quadro do pessoal. Carlos
Pamplona: Muito bom Nuno Pê: A Helena crê, então, que a manifesta falta de
capacidade do Presidente de Borba para tratar do assunto da estrada que ruiu na
pedreira, seria atenuada se o Presidente tivesse a competência sobre as
estradas e sobre a fiscalização de pedreiras e afins? Acho que a transferência de competências sem ser acompanhada da transferência
do conhecimento técnico vai ser o nosso fim e a morte do artista. As competências vão mas os técnicos
com conhecimentos ficam nos Ministérios a assobiar. Veja a classificação miserável com que nos concursos públicos os
candidatos são admitidos para as autarquias. Uma desgraça pensar que serão
essas pessoas a ficar com as novas e mais exigentes competências. Deus nos livre e guarde da incompetência e compadrio
dos municípios. Harry Dean Stanton: Mais um bocadinho e a HG hoje
acabava a coluna a cantar Sérgio Godinho. Alguma coisa não está bem e não deve
ser só nas autarquias. Digo eu. Sérgio Coelho: As autarquias e JF são um
albergue de boys e girls e amigos e famelga e todo tipo de parasitas pagos pelo
erário público... João Das Regras: Se, como diz a HG, as
autarquias são medíocres na gestão e um apanágio de compadrios e outras
ineficiências... Gostava de saber qual a opinião da articulista para o que a
esquerda se prepara para fazer já, com a descentralização, e mais tarde chegar
á Regionalização acrescentando diversas camadas de burocracia e tachos pelo
caminho. Vai ser uma festa. Em cada comissão regional teremos um ou vários
Césares a dar emprego a toda a família e a contratar as empresas
"amigas" do Partido. Francisco Correia: As autarquias, regra geral,
estão a tornar-se num sorvedouro de dinheiro, entregando pouco e de má
qualidade ao munícipe pagador de impostos, taxas e taxinhas. Cada vez parecem mais agências de emprego onde a burocracia aumenta a cada
dia para justificar o pouco trabalho que cada funcionário, em média, realiza. Joaquim
Rodrigues > Francisco Correia: Não diga asneiras. Os números e a realidade provam
precisamente o contrário quando a comparação é feita, em racionalidade e
rentabilidade da despesa pública, com o Governo Central. Antonio
Mello: Bem dito e
preocupante, pois com esta governação central, a alimentar o status quo de
décadas dum poder local disfuncional e medíocre, tudo ficará na mesma como à
lesma… tristeza Ediberto Abreu: Palavra que pensei que fala de Aveiro... Hugo
c: e pra isso é
preciso Capital, empreendedorismo, criatividade. se os partidos com assento
parlamentar demonizam esse Capital, como podem investimentos proceder? Mario Areias: Muito bom texto. Parabéns. Maria Madeira: Excelente artigo. Joaquim
Rodrigues: Em Portugal o que
temos é uma amálgama de competências,
atribuições e funções com total concentração e opacidade do "orçamento de
estado" à conta do Governo Central, que abre caminho a toda a corrupção
subalternizando o poder Local e ignorando o poder Regional. Não é por acaso que os Níveis
de Poder que a Prática Política das Democracias Liberais Avançadas Consagrou
foram os Nacional, Regional e Local. O "Princípio da
Subsidiariedade", consagrado no Tratado da UE a que Portugal está
vinculado, estabelece que se uma determinada função ou competência pode ser
exercida ao nível local, então deve ser exercida ao nível local, se pode ser
exercida ao nível Regional, então deve ser exercida ao nível Regional e se pode
ser exercida ao nível nacional então deve ser exercida a nível Nacional. E só
quando não pode ser exercida a Nível Nacional é que deve ser exercida pela
União Europeia. Ou seja: por razões de participação e controle públicos, de bom
funcionamento da democracia e de eficácia económica e social, as funções e
competências de Estado devem ser exercidas pelos “Órgãos de Poder” democraticamente
eleitos, que as possam exercer, que mais próximos estejam dos cidadãos
eleitores. --Uma organização político-administrativa racional, necessariamente
envolvendo o nível nacional, regional e local, para uma execução eficiente das
políticas públicas; --Um quadro de funções, atribuições e competências muito
claro, distribuído por aqueles três níveis de poder, à luz do Princípio da
Subsidiariedade; --Um sistema de impostos em consonância com os níveis de poder
e respectivas funções exercidas. São estes os ingredientes necessários para que
os cidadãos sintam que a participação democrática e o controlo das instituições
valem a pena. E quanto maior a participação e controlo democrático das
instituições pelos cidadãos menores as hipóteses de populismo, demagogia,
incompetência e corrupção na gestão da “coisa pública”. Em Portugal até os “Caciques Locais” são escolhidos e patrocinados pelo
Governo Central. L. Perry
> Joaquim Rodrigues: A nossa política macroeconómica
devia ser definida em Lisboa ou em Bruxelas? Subsidiariedade?? Joaquim Rodrigues > L. Perry:
O problema é que Portugal para
além da "Bazuka" (de pólvora seca) e da subsidiodependência não tem
qualquer Política Económica quanto mais "Macroeconómica". L. Perry > Joaquim Rodrigues: Não o incomoda que não possamos
eleger o Presidente da Comissão Europeia ou o Presidente do BCE? Joaquim Rodrigues > L. Perry: Não seja demagogo! Em Portugal você elege o Presidente do Banco de
Portugal? A União Europeia é uma grande instituição mas ainda está em construção.
Lá chegará o dia em que todos
os Presidentes das Instituições Europeias serão eleitos directa ou
indirectamente. josé
maria: O pessoal
político é, na sua enorme maioria, fraquíssimo e a burocracia excessiva ajuda à
desorganização e ao compadrio. Não vale a pena olhar só para a podridão das
árvores da floresta se não se identificar correctamente o problema. A questão é
estrutural: burocracia, ajustes directos e compadrios. Mas nestas teclas
essenciais, a Helena Garrido não toca. Porquê ? Quem cala, consente? advoga diabo: As autarquias são o paradigma
de Abril, inovação, participação, solidariedade, modernidade, conforto,
cidadania. Tivessem os outros poderes evoluído o mesmo Portugal estaria bem
melhor! joaquim zacariasa > dvoga diabo: Estás a falar de que país? De
Portugal não é, pois não? maldekstre estas kaptiloadvoga diabo: Tu bates recordes de comentários absurdos quando não
mesmo totalmente idiotas. E com a concorrência que tens por aqui isso não é
nada fácil, gabo-te o duvidoso mérito. maldekstre estas kaptilojoaquim
zacarias: Ele fala sempre do país das maravilhas, LaLaLand. Tiago Tadvoga diabo: Não percebo de que raio está este indivíduo sempre a
falar. As autarquias são apenas e só o paradigma do Estado central em ponto
pequeno: compadrios, amiguismos, tachos, ineficiências várias e todos os valores
que se oponham ao mérito. Isto é a regra. Felizmente há excepções, mas a norma
é esta. A evolução só existiu graças às bateladas de milhões de euros da UE.
Nada mais. klaus
muller > advoga diabo: Já te tornaste aqui famoso pela torrente inesgotável
de opiniões que tens sobre todo e qualquer assunto. O problema é que nenhuma delas
tem qualquer préstimo, pelo menos até à data. Andrade QB: Houve tempos em que se faziam
reformas administrativas. Depois houve tempos em que se falava de reformas
administrativas no sentido de aumentar o número de lugares e com isso a
entropia e o custo e essas reformas eram implementadas num esfregar de olho.
Depois houve o
tempo em que Portugal assinou com a Troika que iria fazer uma reforma no
sentido de diminuir Câmaras e, esperançosamente (digo eu que sou um crente)
criaram-se as CIM com o objectivo (imagino) de posteriormente se criar uma
estrutura mais próxima tipo Câmara/junta de freguesia em que ficaria um só
nível mais bem dimensionado. Depois a realidade impôs-se e fez-se o arremedo de
fusão de freguesias para ganhar tempo até a Troika ir embora. A Troika foi
embora e, espanto, consolidou-se a multiplicação de estruturas sob o discurso
de as reduzir de forma tão célere como eram aumentadas quando do discurso
anterior de aumentar estruturas. Hoje já voltou o discurso da multiplicação de
estruturas e, seguramente, vai conseguir ter igual sucesso. Portugal é, de
facto, um milagre e um exemplo para o mundo. maldekstre estas
kaptilo: O diagnóstico
(que é 50% da cura) da grave doença de que padecemos está correctíssimo (apesar
de não ser novidade e de essa doença cancerígena-parasitária ter um nome:
socialismo-comunismo) mas o tratamento prescrito deixa-me perplexo.
Então as nossas
autarquias são ‘disfuncionais’ e ‘dramaticamente um distanciamento em relação
aos problemas dos cidadãos e uma enorme irracionalidade nas prioridades de
despesa’ e a cura ou solução é ainda mais ‘transferência de competências’???
Portanto, não
querem saber dos problemas, gastam cada vez mais dinheiro que não têm em coisas
de que não precisamos e o melhor a fazer é darmos mais poder e mais dinheiro.
Escapa-me a lógica, deve ser
por eu ser muito b u r r o. Ferraz Rui José: "Mas fez obra"
ouve-se dizer! O sistema, com raras e honrosas excepções, o exercício do poder
tem como primeiro objectivo a continuidade e para tal o aumento dos protegidos
e "obra que se veja", o bem-estar das populações não está no menu! Nuno Jacinto: Junto a essas preocupações as
dos concelhos ultra ameaçados pelas alterações climáticas, como Aveiro, ou
Almada, nos debates nem uma palavra como se vai gerir esse drama já aí ao virar
da porta com o mar a comer ou inundar território todos os dias. bento guerra: O poder local é um dos
mal-entendidos do pensamento de "esquerda". Expandir gastos e
compadrios, com base no jogo de arruadas e papelinhos nas urnas Francisco
Garcia: Ora ora, falta de
casas para a classe média! Já nos anos 60 se ia comprar casa em Odivelas,
Massamá, Corroios. Como é que nasceram os subúrbios? Nuno W: Muito bem, os nossos autarcas
são regra geral o resultado da ineficiência e da ineficácia de grande parte das
políticas públicas do governo central. Fazem-se hospitais nos locais mais
convenientes para os políticos, criam-se cursos superiores para colocar o corpo
docente, o tribunal onde dá jeito, a loja do cidadão, a creche e, claro, a
rotunda, a piscina e o pavilhão multiusos, Nos grandes centros a moda é
nacionalizar o espaço público e colocar batalhões de polícias municipais (ainda
não percebi a utilidade) e um conjunto de servidores de bloco na mão a multar
tudo o que mexe. Tudo isto com a população a decrescer preocupantemente e com a
emigração dos jovens mais qualificados. Até já mandamos fazer carruagens! Vamos
de mal para pior mamadorchulo
dostugas: Não há falta de
elementos das forças de segurança, uma boa parte está a fazer serviços
burocráticos.
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