Foi-se a euforia do gosto pelas eleições
livres, para não nos sentirmos – os mais esclarecidos - joguetes de um sistema
estabelecido, como era o caso das eleições nos tempos da União Nacional,
ovelhas pastoreadas e obedientes à voz do dono, apenas um candidato, outro que
aparecesse, que se cuidasse. O certo é que pouco se votava, para mais as
mulheres nem eram necessárias na função, puro acto ficcional – eleger o que estava
ganho de antemão. Veio a democracia e o sonho de equiparação com a gaivota de
voo livre desfez-se. As nossas reivindicações libertárias foram abafadas pelo
comodismo da pretensa desilusão. Não temos cultura política, que se reduz à
constatação de que “os políticos são todos iguais” já o “Malhadinhas” tinha
convicções parecidas. De muito desprezo pelos chefes. Todos iguais. Tá-se melhor na praia.
escolha, poucos
votos /premium
Os
políticos que temos não são diferentes do povo que temos. São a imagem da
sociedade que somos. Inactiva, sem impulso criativo, maledicente.
OBSERVADOR, 21 SET
2021
Entrámos
na última semana de campanha eleitoral. Estes são os dias do tudo ou nada. Os
discursos dramatizam-se e os argumentos enfatizam-se. De repente passamos pelos
noticiários e ficamos com a sensação de que tudo o que é importante depende do
resultado das eleições de domingo.
Entretanto,
numa rua ali ao lado vive-se noutro mundo. Eleições? Para quê? Ah é para a
Câmara? Não sabia, eu não ligo nada a isso. São todos iguais. Não, eu não
vou lá.
Na
praça, um pouco mais à frente, o Primeiro-Ministro faz o anúncio: podem
respirar, o hospital que esperam há 20 anos está pronto daqui a três meses.
Eleitoralismo! Grita o líder da oposição numa autarquia a umas
centenas de quilómetros de distância.
Logo
à noite, na televisão, vamos ouvir os comentadores dizerem que isto não está
certo, o Primeiro-Ministro tem que saber separar as águas.
Há
muitos anos que é assim. O país político organiza a campanha na sua bolha. O
país real põe tampões nos ouvidos e agarra-se à Netflix. Não vale a pena ligar
a televisão por estes dias. É mais do mesmo.
Se
isto reflectisse um eleitorado maduro que não vai em conversas, seria bom. Mas
o drama é que o eleitorado maduro, que exige um outro nível à classe política,
não vota. Desiste de jogar porque os meninos fazem batota. Resultado: o
jogo joga-se com quem está e votam os que beneficiam directamente dos favores
políticos.
É
esta a história de que se fazem os nossos actos eleitorais ano após ano. Não
gostamos dos políticos, mas também não temos disponibilidade nem vontade de
ajudar quem chega com outro chip. Preferimos ficar a dizer mal no nosso grupo
de amigos. E votar? Não, não estamos para isso.
Um
estudo publicado recentemente diz que em eleições autárquicas o incumbente
leva à partida 15 pontos percentuais de avanço. Se isto correspondesse à
satisfação das pessoas com os seus representantes políticos era uma excelente
notícia. Mas o problema é que não é esse o caso. Na realidade, o que
isto quer dizer é que quem quer mudanças não participa e os incumbentes já têm
o seu sindicato de voto conquistado.
Os
políticos que temos não são diferentes do povo que temos. São a imagem da
sociedade que somos. Inactiva, sem impulso criativo, maledicente.
Se
teve paciência para me ler até ao fim, faça um favor a si próprio, vá votar no
domingo. A escolha é sua, não é de mais ninguém. E essa escolha pode mesmo
fazer a diferença.
AUTÁRQUICAS
2021 ELEIÇÕES POLÍTICA
COMENTÁRIOS:
Fernando E: Na mouche. Parabéns. Precisamos de políticos como a Senhora!
Maria Cordes: Raquel, é tudo verdade, mas tem de concordar que a escolha é pouca. O.
figurino do CENTRÃO é muito semelhante, e os independentes, onde estão?
Português indignado: Tem 100 % de razão. Portugal cada vez mais pobre face a todos os países
europeus mas os portugueses querem saber é de futebol, big brother e dizer mal
por desporto. A falta de literacia e exigência cívica tem consequências reais e
duras. Os portugueses têm os políticos miseráveis que merecem.
bento guerra: "Antes ser espanhol. Pim!"
Laurentino Cerdeira: Segundo artigo consecutivo a apelar ao voto! Obrigado pela clarividência.
Nuno Pê: A Raquel idolatra é aqueles políticos sérios e visionários que assinam
acordos com a Igreja para a Universidade Católica ter total isenção de impostos
enquanto compete com outras universidades privadas que arrotam impostos à
grande. Mesmo a ganhar milhões de euros com propinas de um curso de medicina,
paga zero. Esses (Cavaco e afins) são os visionários.
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