quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Não merecem o sacrifício da deslocação e da fila


Foi-se a euforia do gosto pelas eleições livres, para não nos sentirmos – os mais esclarecidos - joguetes de um sistema estabelecido, como era o caso das eleições nos tempos da União Nacional, ovelhas pastoreadas e obedientes à voz do dono, apenas um candidato, outro que aparecesse, que se cuidasse. O certo é que pouco se votava, para mais as mulheres nem eram necessárias na função, puro acto ficcional – eleger o que estava ganho de antemão. Veio a democracia e o sonho de equiparação com a gaivota de voo livre desfez-se. As nossas reivindicações libertárias foram abafadas pelo comodismo da pretensa desilusão. Não temos cultura política, que se reduz à constatação de que “os políticos são todos iguais” já o “Malhadinhas” tinha convicções parecidas. De muito desprezo pelos chefes. Todos iguais. Tá-se melhor na praia.

 escolha, poucos votos /premium

Os políticos que temos não são diferentes do povo que temos. São a imagem da sociedade que somos. Inactiva, sem impulso criativo, maledicente.

RAQUEL ABECASIS, Jornalista e ex-candidata independente pelo CDS nas eleições autárquicas e legislativas

OBSERVADOR, 21 SET 2021

Entrámos na última semana de campanha eleitoral. Estes são os dias do tudo ou nada. Os discursos dramatizam-se e os argumentos enfatizam-se. De repente passamos pelos noticiários e ficamos com a sensação de que tudo o que é importante depende do resultado das eleições de domingo.

Entretanto, numa rua ali ao lado vive-se noutro mundo. Eleições? Para quê? Ah é para a Câmara? Não sabia, eu não ligo nada a isso. São todos iguais. Não, eu não vou lá.

Na praça, um pouco mais à frente, o Primeiro-Ministro faz o anúncio: podem respirar, o hospital que esperam há 20 anos está pronto daqui a três meses.

Eleitoralismo! Grita o líder da oposição numa autarquia a umas centenas de quilómetros de distância.

Logo à noite, na televisão, vamos ouvir os comentadores dizerem que isto não está certo, o Primeiro-Ministro tem que saber separar as águas.

Há muitos anos que é assim. O país político organiza a campanha na sua bolha. O país real põe tampões nos ouvidos e agarra-se à Netflix. Não vale a pena ligar a televisão por estes dias. É mais do mesmo.

Se isto reflectisse um eleitorado maduro que não vai em conversas, seria bom. Mas o drama é que o eleitorado maduro, que exige um outro nível à classe política, não vota. Desiste de jogar porque os meninos fazem batota. Resultado: o jogo joga-se com quem está e votam os que beneficiam directamente dos favores políticos.

É esta a história de que se fazem os nossos actos eleitorais ano após ano. Não gostamos dos políticos, mas também não temos disponibilidade nem vontade de ajudar quem chega com outro chip. Preferimos ficar a dizer mal no nosso grupo de amigos. E votar? Não, não estamos para isso.

Um estudo publicado recentemente diz que em eleições autárquicas o incumbente leva à partida 15 pontos percentuais de avanço. Se isto correspondesse à satisfação das pessoas com os seus representantes políticos era uma excelente notícia. Mas o problema é que não é esse o caso. Na realidade, o que isto quer dizer é que quem quer mudanças não participa e os incumbentes já têm o seu sindicato de voto conquistado.

Os políticos que temos não são diferentes do povo que temos. São a imagem da sociedade que somos. Inactiva, sem impulso criativo, maledicente.

Se teve paciência para me ler até ao fim, faça um favor a si próprio, vá votar no domingo. A escolha é sua, não é de mais ninguém. E essa escolha pode mesmo fazer a diferença.

AUTÁRQUICAS 2021  ELEIÇÕES  POLÍTICA

COMENTÁRIOS:

Fernando E: Na mouche. Parabéns. Precisamos de políticos como a Senhora!

Maria Cordes: Raquel, é tudo verdade, mas tem de concordar que a escolha é pouca. O. figurino do CENTRÃO é muito semelhante, e os independentes, onde estão?

Português indignado: Tem 100 % de razão. Portugal cada vez mais pobre face a todos os países europeus mas os portugueses querem saber é de futebol, big brother e dizer mal por desporto. A falta de literacia e exigência cívica tem consequências reais e duras. Os portugueses têm os políticos miseráveis que merecem.

bento guerra: "Antes ser espanhol. Pim!"

Laurentino Cerdeira: Segundo artigo consecutivo a apelar ao voto! Obrigado pela clarividência.

Nuno Pê: A Raquel idolatra é aqueles políticos sérios e visionários que assinam acordos com a Igreja para a Universidade Católica ter total isenção de impostos enquanto compete com outras universidades privadas que arrotam impostos à grande. Mesmo a ganhar milhões de euros com propinas de um curso de medicina, paga zero. Esses (Cavaco e afins) são os visionários.

 

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