É como ficámos, após a leitura deste texto do biólogo marinho – JOSÉ MANUEL MARQUES: A queda de um muro e o recomeço das perigosas forças de domínio? Uma estranha história de alerta para a nossa ignorância insana. As lágrimas de Portugal resultarão não mais do mar salgado mas da sua perda definitiva… Uma história de poder e de estranhas alianças russo-germânicas, que nos interessaria investigar, tal como a outros parceiros a quem o mar ainda favorece, mas sob ameaça de novo poderio controlador a erguer-se… Mas não era da China que devíamos suspeitar?
Da queda do muro ao controlo
do mar
Se a Comissão Europeia conseguir
transformar o mar de todos no Mar da União, uma de duas coisas deixará de ter
sentido: não fará sentido Portugal permanecer na UE ou Portugal deixará de
fazer sentido.
JOSÉ MANUEL
MARQUES, biólogo marinho
01 set 2021
A conservadora Margaret
Thatcher, nas vésperas da queda do muro de Berlim, foi a Moscovo
tentar convencer Gorbatchov a impedir a derrocada de tão icónica construção. Em Paris, o socialista Mitterrand partilhava das mesmas preocupações e chegou mesmo a
comentar que gostava tanto da Alemanha que preferia ter duas. Reino Unido e França sentiam um
óbvio desconforto pela reunificação da Alemanha. Mas um pouco por toda a Europa
ocidental a apreensão era também grande. Thatcher
terá dito a Gorbatchov
que uma Alemanha unida levaria a uma mudança nas
fronteiras do pós-guerra e isso prejudicaria a estabilidade de toda a situação
internacional e colocaria em risco a segurança do próprio Reino Unido. Gorbi
chutou para canto. Helmut
Kohl, chanceler alemão, já tinha negociado com ele, e à revelia de todos
os aliados, a reunificação da Alemanha.
Assim, pela primeira vez na sua
história, a Alemanha, agora reunida, consegue ter à sua disposição um quadro
político que lhe permite cumprir a sua vocação imperial sem a
necessidade de utilizar exércitos. As fronteiras da União Europeia, e o seu
quadro legal, garantem um território estável e seguro. Território, outrora inacessível à Alemanha dividida, mas que hoje
está disponível e à mercê de um IV Reich que se adivinha.
Trinta
anos decorreram desde a conversa entre Margaret e Gorbi. Três décadas de praxis
e pensamento germânico na UE, foram o suficiente para o Reino Unido carimbar Brexit
no passaporte e deixar a UE sem um terço da sua capacidade militar. Não foi uma
saída súbita e irresponsável, como em jeito de dogma de fé se proclamou. Nem
tão pouco o resultado de habilidosos algoritmos que fintaram o eleitorado
britânico, como em tempos o fez Maradona à selecção inglesa. Foi antes um
processo longo que se iniciou logo após a queda do muro de Berlim, com avanços
a diferentes velocidades. Um dia a história o demonstrará.
Em Paris, 30 anos após a queda do
muro, a percepção é a de que a UE está ferida, talvez de morte. Mitterrand sabia que o projecto europeu era um projecto
franco-alemão, mas franco-alemão dividido, não franco-alemão reunificado. E hoje
está claro para França que o projecto franco-alemão é cada vez mais alemão e
menos franco. Os recentes resultados do Eurobarómetro da Primavera do
Parlamento Europeu são claros: os cidadãos franceses são os que menos se revêem
na actual UE (apenas 15%), são os mais cépticos (35%) e são também os que mais
querem estar fora da UE (9%). E a tendência é para estes números se agravarem. Um sentimento de inveja começa a
ressurgir quando os Franceses olham para o lado de lá do Canal da Mancha.
Começa
a ser visível e notório, sobretudo em França, que os tratados da União foram talvez longe demais e que a
Alemanha ameaça a Europa numa guerra económica que poderá escalar, após Berlim se ter entendido com Moscovo para ser o hub
energético da UE. Mas como não bastasse a latitude e largueza de
perímetro dos tratados, a Comissão
Europeia ainda assim os acha curtos e continua a alimentar uma certa apetência
para os driblar, adquirindo competências através de práticas que se vão
consolidando sem que alguém as conteste, através dos confortáveis “silence procedures”.
Entre as competências que a Comissão
Europeia quer, e que não estão previstas nos tratados, existe uma
que deve preocupar Portugal: a de
querer ser “Estado” costeiro. A tarefa até nem é difícil; após o Brexit,
a UE acabou por ficar sem patrão-de-costa e a grande maioria dos Estados-membros
está-se nas tintas para o mar. Ao que acresce uma multitude de
pequenos Estados (para cima de uma dúzia) que, sem dimensão nem músculo, são
totalmente incapazes de impor agenda quando assumem a presidência da União.
A
Alemanha conta com grande apoio da Suécia e da Espanha em tudo o que respeita
ao mar e com a indiferença da grande maioria dos Estados-membros. A Comissão Europeia agradece e, alinhada
com a chancelaria de Berlim, vai aos poucos anulando as nações marítimas e
fazendo o transbordo das competências dos Estados costeiros para si própria. E
fá-lo de maneiras bem mais eficazes que os U-Boot de Karl Dönitz.
A Comissão começou a socorrer-se do
condicionamento à liberdade de participação dos Estados-membros nas diversas
convenções marinhas internacionais, usando os apropriados subterfúgios
burocráticos. Mas a Política Comum de Pescas é a estrela. A ideia é transformar a Política Comum
das Pescas numa política comum de mar, lendo nessa lei o que lá não está e
esforçando-se por abrigar nela quase tudo o que são os assuntos relacionados
com a governança dos oceanos. Nos assuntos do mar, Portugal, Irlanda e Dinamarca no
Atlântico e Itália e Grécia no
Mediterrâneo têm a “vida marítima” cada vez mais dificultada.
Se
a Comissão Europeia conseguir ser o “Estado” costeiro da UE e transformar o mar
de todos e de cada um dos Estados-membros no Mar da União, uma de duas coisas
deixará de fazer sentido: ou não fará sentido Portugal
permanecer na UE, ou será Portugal a deixar de fazer sentido. É bom que
os Portugueses vão tomando disso consciência e que se perceba que a queda do muro de Berlim poderá resultar num enorme
cachapão no mar português, afundando o salvo-conduto da nossa soberania. Saberá
Portugal evitar, uma vez mais, as tropelias das intenções continentalistas?
Esperemos que sim e que continuemos a navegar, honrando a memória dos heróis
que nos permitiram aqui chegar.
UNIÃO EUROPEIA EUROPA
MUNDO
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MEDITERRÂNEO
COMENTÁRIO
Ahmed Gany: Com o PS no
poder não vai ser incontornável até, porque, há muito que a Alemanha nos
anexou.
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