É o que, em minha opinião de leiga, Angela
Merkel
sempre aparentou ser. Oxalá os seus seguidores mantenham o mesmo carisma. Mas se
a Alemanha, segundo o autor da crónica, André Abrantes Amaral, prossegue como “o
pilar da EU”, que “mantém
todos os cenários em aberto relativamente à Rússia, continua com uma base
financeira extremamente sólida e o seu eventual sucessor do SPD quer continuar
as linhas gerais da governação de Merkel”, que mais pode ela desejar
para a sua projecção? Embora - concordamos – a fragilidade e a fugacidade sejam
características de tudo, na vida, incluindo estas coisas da política.
Mas ela própria, que tanto deu de si, poderia
cantar como a nossa Simone de
Oliveira, com voz forte e impaciente, ciente de que um dia o seu valor de mulher
não arrogante nem altiva, mas eficiente e trabalhadora será reconhecido:
Que mais te posso dar?
Que mais queres tu de mim?
De mim, nada mais há
Já tudo é teu
Saudades são de ti
Ciúmes também são
E até p'ra eu chorar
Me dás razão
Ternura, amor e ódio
Tudo é teu!
Desprezo e esperança
Tudo é teu!
E os meus sonhos mortos
Pelo teu desdém
(Ai de mim)
São teus também
Que mais te posso dar?
Que mais queres de mim?
Eu só tenho de ti
Mentiras tuas
Se tu ainda queres mais
Os restos aí vão
Só tenho p'ra te dar
O meu perdão (De degrau em degrau)
Merkel, ou a arte do possível /premium
A sobrevivência política de Angela
Merkel a sucessivas crises permitiu-lhe uma governação longa. Se o legado é
positivo ou se limitou a ganhar tempo, só daqui a uns anos saberemos.
ANDRÉ ABRANTES
AMARAL OBSERVADOR, 26 set 2021
Henry Kissinger tinha por hábito encarar os desafios internacionais
numa perspectiva de longo prazo. Quais seriam os objectivos dos EUA a
10, 15 anos? Foi esta
pergunta que apresentou à Administração Kennedy aquando da crise de Berlim. O
que é que seria melhor para a América, não naqueles dias de Agosto de 1961, mas
no final da década?
De
acordo Walter Isaacson, que em
1992 escreveu a biografia de Kissinger, Kennedy não
teve tempo para seguir o seu conselho pois o Muro começou a ser construído três
dias depois da sugestão de Kissinger. Um
dos grandes problemas na política é precisamente esse: as
inúmeras crises que puxam as decisões para o imediato e impedem uma visão a
longo prazo. Kissinger, que tinha um profundo conhecimento da
história, não só pelo estudo mas também derivado da sua experiência pessoal,
nunca perdeu esse fio condutor do longo prazo. Apenas
alguns líderes políticos conseguiram esse feito e tornaram-se estadistas. Entre eles, pensamos em Churchill, Thatcher,
De Gaulle e Adenauer. Será que
o futuro vai juntar Angela Merkel a este distinto grupo?
A
pergunta é pertinente porque, como é referido neste texto,
o tempo de Merkel foi marcado por sucessivas crises
que tiveram o efeito dramático de moldarem a Chanceler à realidade do terreno. A crise financeira de 2008, a crise do
euro, Vladimir Putin, a crise dos refugiados, Donald Trump, a crise climática
e, finalmente, a pandemia. Merkel não teve descanso. Foram 16 anos de constantes convulsões, umas a
seguir às outras, que encobriram os seus planos iniciais e entristeceram os
seus mandatos.
O texto no Der Spiegel considera que,
perante cada uma das crises, Merkel suspendeu as suas convicções e assumiu a
necessidade de as ultrapassar o mais rapidamente possível, nem que para isso
tivesse de se aliar com os adversários.
Desta forma nunca foi demasiado dura com Putin, fechou acordos com Erdogan, fez o que pode para que a suspeição da América
por Pequim não
interferisse com os negócios das empresas alemãs na China ao mesmo tempo que tornou suas algumas das bandeiras
políticas do SPD. Em jeito de conclusão, o texto refere que o balanço
não é positivo, pois a Alemanha não está melhor que em 2005, a UE está mais
enfraquecida e os desafios climáticos continuam por resolver. De acordo
com o autos do texto a marca de Merkel reduz-se à longa duração da sua
chancelaria. À imagem de uma governante que não resolveu crises, mas que se
limitou a passar por cima delas.
É aqui que entra a perspectiva de
longo prazo de Kissinger. Se a
adoptarmos, não será em 2021 que encontramos a resposta ao legado de Merkel,
mas daqui a 10, 20 anos. Vejamos o
seguinte: um dos grandes estadistas alemães foi Otto von Bismarck
que, por sinal, Kissinger admira. Bismarck mudou a face da Alemanha (de certa
forma, criou-a) e da Europa. Enfraqueceu a França, encostou a Rússia ao seu
canto, pôs o Império Austro-Húngaro no bolso e equiparou a Alemanha à
Grã-Bretanha. O seu legado foi imenso, mas
dramático. Os seus sucessores não conseguiram manter os precários equilíbrios
internos e externos que Bismarck deixara. O mais certo é que nem Bismarck fosse
capaz pois a sua estratégia de usar o poder ruidoso das massas a favor das
instituições conservadoras tornava-se cada vez mais difícil. É verdade que as tragédias do século XX não se
devem apenas à incapacidade da Alemanha lidar com o legado de Bismarck, mas a
inaptidão dos governos alemães também não ajudou. Nesta perspectiva de longo
prazo é duvidoso que o legado de Bismarck seja positivo.
Não há dúvidas que a Alemanha de
2021 está pior que a de 2005. Sucede
que esse não é um problema unicamente alemão. Diz respeito a todo o Ocidente.
Apesar de tudo o que sucedeu de então para cá, a Alemanha continua a ser o
pilar da UE, mantém todos os cenários em aberto relativamente à Rússia,
continua com uma base financeira extremamente sólida e o seu eventual sucessor
do SPD quer continuar as linhas gerais da governação de Merkel. Se olharmos para as crises dos últimos 16 anos, Merkel
fez o possível. Esta é a única conclusão que podemos tirar no momento em que se
prepara para sair do governo. Tudo o mais necessita de tempo. De perspectiva.
Do tal longo prazo que Kissinger sugeriu a Kennedy e que este não esteve
disposto a aceitar.
ELEIÇÕES NA
ALEMANHA ALEMANHA EUROPA MUNDO ANGELA MERKEL
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