sábado, 25 de setembro de 2021

Faz finca-pé


Na questão da Covid, Alberto Gonçalves, mas quem extrema posições, é também ele próprio, desejando atingir essencialmente este povo medroso, obediente e ignaro, que para mais se educa na permissividade mimosa e atrevida, sem consciência do que é a noção de responsabilidade. O certo é que, quem estudou em universidades estrangeiras, ou mesmo quem daqui foi trabalhar, fora deste cantinho de beira-mar, sabe como é ali diferente o comportamento em termos de responsabilidade e de outros conceitos meritórios em que falhamos, pequenos que somos, de uma bondade lamechas, sem horizonte, excepto, é claro, todos os que se movem mais racionalmente, e mais responsavelmente.

Os feitiços da esquerda em defesa da “ciência” /premium

Ao que sei, o “movimento” resume-se a um juiz que apareceu nas notícias a discutir com a polícia e a um punhado de transeuntes que destrataram o dr. Ferro por motivos em nada ligados à Covid.

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do Observador

OBSERVADOR 25 set 2021, 00:122

Na quinta-feira, aconteceu uma coincidência de dimensões cósmicas: a “Sábado” e a “Visão” dedicaram as respectivas capas a reportagens sobre o que a primeira revista chama “movimento negacionista”, e a segunda “milícias negacionistas”. Ambas as revistas declaram ter infiltrado repórteres no submundo do “negacionismo” nacional, tão secreto que até agora ninguém dera por ele. Aliás, é possível que esse submundo nem exista de todo, e se limite apenas a estagiários de jornalismo que se espiam uns aos outros.

Ao que sei, o “movimento”- ou as “milícias” – resume-se a um juiz que apareceu nas notícias a discutir com a polícia e a um punhado de transeuntes que destrataram o dr. Ferro por motivos em nada ligados à Covid. Ouvi ainda falar nuns pequenos jantares onde algumas pessoas se mostraram irritadas com a prepotência instalada a pretexto do vírus chinês. E só. A “Sábado”, a “Visão” e a vasta maioria dos “media” andam com falta de assunto. Em compensação, andam desesperadas por inventá-lo. No mesmo dia, o editorial do “Público” cita a “Pasionária” da praxe para jurar que, naquelas páginas, o “negacionismo” (que junta à “superstição” e às “teorias da conspiração”) não passará. E os noticiários televisivos estão repletos de “especialistas”, subsidiados ou não pela Pfizer, a exigir a proibição sumária das “ideias negacionistas”, cuja divulgação consideram um crime e um ataque à saúde pública.

A saúde alheia é a menor das preocupações desta gente. A maior é desvalorizar o adversário sem precisar de argumentos, exibição de preguiça que serve um de dois propósitos. Alguns dos que recorrem às acusações de “negacionismo” são simplórios, pobres diabos que repetem o que vêem nos “telejornais” e se convencem de que insultar o semelhante os eleva de imediato a um patamar de discernimento e iluminação. O problema são os restantes, os que usam a ladainha do “negacionismo” não para impedir a progressão da Covid, mas para calar as dissensões face ao poder político. Embora primitivo, o clássico método da difamação costuma funcionar.

O método consiste em atribuir ao contestatário, no caso ao “negacionista”, uma série de crenças avulsas, bizarras e falsas, que logo à partida o desqualificam de possuir uma opinião ponderada acerca do tema em questão. Se um maluco julga que a Terra é plana, o que o habilita a discordar do açaime nos supermercados? Sucede que, entre os meus amigos, todos candidatos ao rótulo de “negacionistas”, nem um ignora que a Terra é esférica, que o vírus chinês pode matar, que as vacinas talvez moderem um risco praticamente restrito a certos pedaços da população. Como eu, os meus amigos só desejariam que as costas da Covid não fossem largas a ponto de justificar as falências, a indiferença às demais maleitas, a supressão da democracia e a opressão generalizada. Eles, como eu, só querem reduzir a Covid ao cantinho esconso que a Covid merece. E a mania de uns chatos pensarem pelas próprias cabeças não compromete a saúde pública: aborrece as nossas estimadíssimas autoridades ou, no léxico da “Visão” e do prof. Salazar, a “ordem estabelecida”. Dado que agitar o conceito de “obediência cega” não é de bom tom, os lacaios da propaganda preferem legitimar-se com a “ciência”.

Não mencionarei o fervor de muitos destes “cientistas” em prol da homeopatia, da acupunctura e de avanços similares. Ou a raiva com que recusam os benefícios da energia nuclear. Ou a leviandade com que rejeitam as determinações biológicas dos “géneros”. Ou a convicção com que alertam para o carácter nocivo dos alimentos transgénicos. Ou a inclinação para, das alunagens ao 11/9, engolirem tretas conspirativas que deixariam às gargalhadas uma criança de 10 anos.

Não é preciso. Basta notar que quem aponta o dedinho aos “negacionistas” é, por regra não exaustiva, esquerdista. E isso sim, exclui qualquer um da obrigação de interpretar a realidade com um mínimo de lucidez. É assaz ridículo condenar o “obscurantismo” enquanto, por exemplo, se leva a sério o sr. prof. dr. Louçã, um poço de dogmas medievais, ou o dr. Costa, a incarnação do atraso de vida, ou o prof. Marcelo, que é o prof. Marcelo. E é engraçado que a firme objecção a superstições de que fala o director do “Público” não se estenda a superstições bem mais mortais do que a Covid: tenho a impressão de que o diário nunca se coibiu de publicar apologias do marxismo e bruxedos afins. Críticas ao “certificado de vacinação”? Não passarão! Elogios ao sistema que organizou o Gulag? Sintam-se em vossa casa! A credibilidade científica de semelhante rapaziada rivaliza com a do professor Bambo.

Em suma, desconheço se há “terraplanistas” ou “criacionistas” nos perigosos gangues infiltrados pela “Sábado” e pela “Visão”. Porém, sei duas ou três coisas divertidas. Sei que não cola colar os gangues à “extrema-direita” e ao Chega, o qual esteve ano e meio indiferente aos abusos perpetrados pêlos senhores que mandam. Sei que boa parte da resistência à vacinação nos EUA não vem dos caipiras brancos da lenda e sim do Black Lives Matter (que decretou a vacina “racista”). E sei que a conversa do “negacionismo” é o típico monstro imaginário, criado para desviar a atenção dos monstros que de facto ameaçam os portugueses: a ignorância, a crendice, a trafulhice, a submissão, o oportunismo. E contra isto não há testes que cheguem, vacinas que valham ou máscaras que disfarcem.

CORONAVÍRUS  SAÚDE PÚBLICA  SAÚDE

COMENTÁRIOS:

André Ondine: Eu condeno fortemente o Juiz Hulk Hogan e os cobardes que fizeram bullying ao Sr Ferro Rodrigues (pessoa, aliás, de quem não gosto nada e que representa o socialismo habilidoso no seu pior) e não sou de esquerda. Sou de direita. O que tem uma coisa a ver com a outra? Nada. A não ser que os socialistas habilidosos são como os populistas de direita e como os militantes dos movimentos anti-vacinas...poluem as redes sociais e estes espaços de comentários com mentiras, ofensas, insultos e uma tolerância inaceitável. Sinceramente, não entendo Alberto Gonçalves. É um observador sagaz da nossa sociedade. Tem um sentido de humor extraordinário, uma capacidade de ironizar cáustica e um sentido de oportunidade invulgar. Mas parece perder essas capacidades nas questões associadas à pandemia de uma forma que me deixa perplexo (e lá vêm os profissionais das redes e dos comentários com os seus insultos frustrados...). Na minha opinião, os seus textos sobre a pandemia foram lamentáveis. Mas tinha esperança que AG concentrasse a sua escrita onde é, de facto, brilhante. Na denúncia desta “elite” que invadiu, conquistou e poluiu o nosso Estado Social, fragilizando a nossa democracia de forma particularmente perigosa. Mas cá está, de regresso à pandemia e relativizando o comportamento primitivo, ofensivo e até selvagem de uns arruaceiros que são tão intolerantes como os que criticam. O Juiz Hulk Hogan virava-se para um polícia e dizia “estou acima de si...você está abaixo de mim”. No fundo, dizia de forma selvagem e inaceitável aquilo que pensa o Habilidoso. Esta gente, seja de esquerda ou de direita, deve ser identificada, denunciada e criticada. Sem minimizar os perigos de dar poder a gente deste calibre. É possível ser anti-vacinas sem se ser primitivo e bully. É possível ser socialista sem se ser habilidoso (apesar de se correr o risco de ser silenciado). É possível ser de direita sem se ser populista radical. É preciso é denunciar sem medo da turba das redes sociais os comportamentos atentatórios de uma vivência em comunidade minimamente saudável e tolerável.

Liberdade e Democracia: Betinho, muito obrigado pela colaboração prestada à causa dos negacionistas que permitiram que Portugal seja neste momento o País do mundo com mais população vacinada. Os quatro por cento que representa, diz bem da sua inteligência e sabedoria.

Carlos Dias: É a vida Talvez seja uma forma simplista de comentar o artigo Mas a vida são escolhas As escolhas são fruto da percepção e da interpretação da vida Parabéns pela análise Alberto Gonçalves Não estás sozinho Mas se calhar ficas porque poucos sensatos restam com pachorra para ser D Quixote em terra de Sanchos Panças.

Mario Almeida: Mais uma vez certeiro. O problema da “ordem estabelecida” não é os negacionistas não acreditarem no SARS-COV2, é os negacionistas não acreditarem no PS.

josé maria: Alguém ensine ao Alberto o que é uma pandemia, uma ECMO, uma UCI e 300 mortos/dia.


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