quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Manda quem pode


E a conclusão: Lá como cá. Mas ainda bem que José Milhazes nos mostra os cordelinhos que, se em todos os tempos atam as ânsias do poder, nestes nossos têm o seu carisma próprio, que nos poderia alertar. Alguns comentadores esclarecem.

Rússia: a Leste nada de novo /premium

A União Europeia deve elaborar urgentemente uma estratégia séria na sua política face a Moscovo. Isto é tanto mais importante, quando os EUA ou a Grã-Bretanha se viram para outras paragens.

JOSÉ MILHAZES, Colunista do Observador. Jornalista e investigador

OBSERVADOR, 22 set 2021

Pode-se afirmar com segurança que os resultados das eleições parlamentares russas estão conforme a frase “a Leste nada de novo”, mas já o mesmo não se pode dizer em relação ao futuro da Rússia. O mais provável é que continuemos a observar um endurecimento do regime ditatorial de Vladimir Putin.

No que respeita à transformação das eleições num autêntico circo, o Kremlin começou por impedir a participação de “palhaços perigosos”, não só da oposição extraparlamentar, mas também da oposição obediente. Desta vez, o filtro foi mais apertado do que em quaisquer eleições anteriores.

Mas para que nada falhasse, o escrutínio decorreu de-forma a que tudo ficasse na mesma: a Rússia Unida de Vladimir Putin vence com maioria constitucional. Para isso, recorreram-se aos tradicionais meios de organização do escrutínio: organização de sorteios com valiosos prémios entre os votantes, pressão sobre os funcionários públicos e militares para não se absterem e votarem no partido certo. Essas pressões aconteceram também em empresas privadas que não se querem zangar com o Kremlin.

O exemplo mais flagrante ocorreu no seio das Forças Armadas da Rússia, onde a afluência às urnas foi de 99,8%. Mas há mais: na Chechénia, região do Cáucaso governada pelo ex-terrorista Ramzan Kadyrov, a Rússia Unida conseguiu 96,13% dos votos, tendo todos os restantes 14 partidos participantes nas eleições ficado abaixo de 1%.

O caso misterioso da votação electrónica em Moscovo é também sintomático. As autoridades russas decidiram organizar votação electrónica parcial nalgumas regiões da Rússia, nomeadamente na capital. Se os resultados nas outras regiões foram publicados logo a seguir ao fecho das urnas, os de Moscovo foram na tarde do dia seguinte e surpreenderam. Segundo a votação tradicional, os candidatos da oposição venciam em grande parte nos círculos uninominais, mas quando juntaram os votos electrónicos, todos eles saíram derrotados.

Os comunistas recusam-se a reconhecer esses resultados, mas esses protestos morrerão nos tribunais, se lá chegarem.

(Isto acontece, porque a política dos comunistas russos em relação ao Kremlin tem semelhanças com a relação entre o PS e o Governo Português, por um lado, e o Partido Comunista Português, por outro: o PCP critica, mas acaba por apoiar muitas das iniciativas de António Costa. Falta apenas descobrir

omo se traduz geringonça para russo).

Fim do Direito Internacional

Estas eleições mostram também que a Rússia continua a violar abertamente o Direito Internacional. Ao organizar eleições nas regiões separatistas de Donetsk e Lugansk online, em que participaram 152.610 pessoas, Moscovo dá mais um passo para a integração desses territórios. Além disso, foram enviados 825 autocarros e 12 comboios para transportar eleitores das regiões separatistas para o distrito de Rostov, que faz fronteira com a Ucrânia. Como os eleitores deveriam ter passaporte russo para votar, estes foram concedidos em horas ou dias. Ora, imagine-se Portugal a organizar semelhante manobra com os habitantes de Olivença!

E por falar em Direito Internacional, a escrita desta minha opinião coincidiu com a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de responsabilizar a Rússia pelo envenenamento do ex-espião Alexandre Litvinenko e obrigar Moscovo a pagar 100 mil euros de indemnização à viúva.

Moscovo já reagiu, recusando novamente as acusações e certamente que não irá pagar, porque a legislação nacional está acima da internacional e nenhum tribunal russo terá a coragem de julgar os autores desse hediondo crime. Como diz o ditado russo, ireis receber “o buraco da rosca”.

O mais provável é que a política externa russa irá ser mais ofensiva e agressiva. O cada vez menos diplomata Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros eleito deputado da Duma Estatal, certamente não irá aquecer a cadeira na Câmara Baixa do parlamento russo, mas continuará no seu cargo. O mesmo sucedendo com Serguei Shoigu, ministro da Defesa.

Mais um sinal de que a União Europeia deve elaborar urgentemente uma estratégia séria e consistente na sua política face a Moscovo. Isto é tanto mais importante, quando os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha se viram para outras paragens.

A nível interno, a repressão irá certamente aumentar e fazer subir o número de presos políticos, que já é maior do que na era do dirigente comunista Leonid Brejnev (1964-1982). E a censura avança a passos largos.

Celebração da vitória

Não é estranho que nenhum dirigente do partido Rússia Unida tenha participado nas celebrações do êxito dessa força política? Vladimir Putin continua isolado no seu bunker a pretexto do surto de Covid-19 no Kremlin. Medvedev, presidente do Rússia Unida, esteve ausente devido a “tosse forte” e Lavrov e Shoigu andam muito ocupados com outros afazeres. Teve de ser Serguei Sobianin, presidente da câmara de Moscovo, a cumprir esse papel.

E aqui acontece outra coisa comum na Rússia: quando a oposição informa o poder de que pretende realizar uma manifestação, é-lhe recusado esse direito a pretexto da pandemia, mas o mesmo não acontece com as manifestações de apoio a Putin e ao seu regime. Embora estes últimos pareçam não estar imunes. O país registou na terça-feira 19.179 novos casos e 812 mortos.

VLADIMIR PUTIN  RÚSSIA  MUNDO  ELEIÇÕES  POLÍTICA

COMENTÁRIOS

PortugueseMan: ...Mais um sinal de que a União Europeia deve elaborar urgentemente uma estratégia séria e consistente na sua política face a Moscovo... Eu de facto acho que caminhamos para uma estratégia diferente face a Moscovo meu caro, mas acho que não vai gostar dela... Vamos aguardar pelo sucessor de Merkel e ver as tomadas de opções da Alemanha. Uma das decisões vem já aí a toda a velocidade. A UE tem que decidir qual o seu plano energético e até onde quer incluir a Rússia, antes que esta decida desviar mais gás para a Ásia. Estou a achar tão curioso ninguém andar a dizer nada aqui no Observador. É que até a Agência Internacional de Energia já anda a fazer declarações que a Rússia podia fazer um pouco mais pela a Europa... até me custa a acreditar no que leio. Mas se a UE quiser estabilidade e segurança energética vai ter que engolir muitos sapos. Porque afinal o gás americano que foi muito falado por aqui, cada vez anda mais afastado das paragens europeias. Assegurada esta estabilidade energética, a UE tem que tomar outra decisão, e que felizmente os americanos e ingleses estão a dar uma séria ajuda. A militarização da Europa. Só tem que cair os tabus acerca da Alemanha e deixar esta crescer militarmente. Uma militarização da Europa não representa uma ameaça para a Rússia. Os mísseis americanos colocados na Polónia é que são. A crescente militarização da Europa, irá passar também com o fecho de bases americanas na Alemanha. E com isto diminuirá a tensão entre a Europa e a Rússia. A Europa tem que decidir o que é melhor nos nossos interesses. Uma Rússia virada para a Europa ou uma Rússia virada para a China. E eu acho que há muita gente (eu incluído) que não quer uma Rússia virada para a China. Prepare-se meu caro, entramos na década das mudanças.

Carlos Soares: A Rússia acabará por ocupar os países bálticos e anexar a Ucrânia. Ninguém lhe fará frente. A UE continuará a ladrar e o urso passará.

Cabral Paula: É melhor uma estratégia para apaziguar a Rússia, a Eu não vá o Sr. Putin decidir fechar as torneiras, em prol da Greta, e em resposta às sanções navalni... A UE começa a parecer pobre, irrelevante e mal-agradecida, a pagar o gaz com os euros especulativos da Sra Lagarde, e sem grande coisa para oferecer a não ser marxismo, é esse os russos já vomitaram.

mamadorchulo dostugas: Não tínhamos hipótese de organizar o mesmo em Olivença, quando os passaportes fossem emitidos já as eleições se teriam realizado há muito tempo, nem a população alinhava.

Carlos Quartel: Oportuno o aviso de Milhazes. Putin vai ter rédea solta para o seu expansionismo e vai ser aliviado da pressão quanto a direitos humanos na Rússia. Novo inimigo se levanta, a Oriente, e os USA só estão para aí virados. Boris está mais interessado numa associação com americanos do que em proteger as fronteiras da Ucrânia, dos Bálticos ou da Polónia. O fardo vai cair na Alemanha (dependente do gás russo) e na França, mais propensa à conversa que aos actos. Bons ventos para Putin ......

  

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