De Diana Soller que historia os factos, com, parece-nos, bastante
clarividência, acompanhada de comentários vários de gente interessada. Novos blocos
se estarão formando, para um terceiro conflito internacional… Deus nos guarde
dessa monstruosidade.
A lebre a e tartaruga /premium
Não é possível deixar de notar na
lentidão e hesitação europeia e na rapidez e assertividade destas novas
parcerias de segurança na Ásia. Mas neste conto, a lebre não pára para
descansar nem adormece.
DIANA SOLLER,
OBSERVADOR, 17 set
2021
Um dia depois
de Ursula von der Leyen ter feito o discurso anual do Estado da União, desta
vez dedicado à saúde pública e à defesa, a Austrália, os Estados Unidos e o Reino Unido anunciaram um novo pacto de
defesa, com o aplauso de outros países da Commonwealth e do Quad. Os dois actos
revelaram profundas divergências na forma de fazer política.
Concentremo-nos
na defesa, o elemento comum às duas iniciativas. Von der Leyen fez três propostas e usou o púlpito para anunciar subtis mudanças
estratégicas. Em
primeiro lugar, ressuscitou a ideia de uma força europeia de resposta rápida
(subentende-se independente). Esta ideia emerge cada vez que a Europa se
confronta com a sua impotência como aconteceu no Afeganistão. Em segundo lugar, propôs um Centro Comum de
Conhecimento da Situação, uma espécie de sede para os encontros das informações
das agências europeias, para fazer face às novas ameaças híbridas. Disse que era preciso, para que os Europeus pudessem tomar decisões
informadas numa hipotética Comunidade de Defesa, que, se existe, anda arredada
dos olhares públicos. Finalmente, anunciou que a Europa irá ter uma nova estratégia internacional, a Global Gateway, de que nada se sabe ainda a não ser que pretende lidar com o “mundo em transição”, desenvolver um
conjunto de parcerias internacionais e que será anunciada na presidência
francesa do Conselho da União Europeia, que terá lugar no primeiro semestre de
2022, com o alto patrocínio de Emanuel Macron, sempre empenhado nestas matérias.
Desta vez, von der Leyen não falou da já famosa “autonomia estratégica”. Ainda que tenha referido que a Europa percebeu a sua
dependência em muitas frentes vitais, lá acabou por dizer que o aliado mais
importante da União são os Estados Unidos e que a China é um “competidor” ao
qual é preciso fazer face no seu centro nevrálgico – as Rotas da Seda. Aqui, a Europa vê-se obrigada
a seguir os Estados Unidos na resposta com um plano de infra-estruturas (não
especificado) que contrarie o cerco chinês.
Tirando a
ideia irrealista de uma força europeia autónoma da Aliança Atlântica, nada do
que von der Leyen disse está errado. Pelo contrário. No entanto, não passa de um
conjunto de intenções – ainda que algumas tenham calendário –, que, pela
natureza do bloco europeu, levarão algum tempo a ser implementadas. O que parece que a Europa
ainda não percebeu, ou simplesmente não consegue fazer face, é a necessidade de
transformar intenções em realidades em tempo útil. A Europa está longe de partir
da pole position e o mundo não
espera pelas mudanças de presidência do Conselho. Menos ainda nas questões tecnológicas, em que o
atraso face aos EUA e à China é clamoroso. E, sem isso, por melhores que sejam as intenções,
haverá sempre dependência.
Entretanto, e sem avisos prévios, a Austrália, os Estados Unidos e o Reino Unido anunciaram ontem, um dia
depois do discurso de von der Leyen, um pacto de defesa sem precedentes. O AUKUS, como vai ser chamado o pacto que deverá ser assinado
poucos dias antes da primeira reunião presencial dos chefes de Estado do Quad (Estados Unidos,
Austrália, Japão e Índia), tem como objectivo
principal a criação de uma frota de submarinos nucleares australiana (não
armados), com o objectivo assumido de conter Pequim na suas incursões no Mar do
Sul da China e nas suas ameaças a Taiwan. Joe Biden afirmou que este pacto reforça
“mais de 100 anos de alianças entre as três nações”, que precisa de evoluir,
uma vez que todos “reconhecem o imperativo de assegurar a paz e a estabilidade
no Indo-Pacífico”. Foi secundado pelo primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, e britânico, Boris Johnson, que, afirmaram que era
preciso uma nova forma de relacionamento naquela zona devido à complexificação
das relações de segurança. Os
parceiros vão ficar também comprometidos a partilhar informação, incluindo na
área da tecnologia de defesa. Além do pacto de segurança com os parceiros da
Commonwealth, a Austrália anunciou o reequipamento da sua marinha, exactamente
com os mesmos objectivos.
As reacções não se fizeram
esperar: a
França revoltada com o cancelamento da compra de submarinos por parte da Austrália
(falaremos deste assunto noutro artigo). Camberra opta, assim, por embarcações de tecnologia mais
avançada; manifestaram-se também as
autoridades japonesas e taiwanesas pelo passo importante para garantir a
segurança do Indo-Pacífico, não só pelo rearmamento da Austrália, mas pelo
envolvimento da Grã-Bretanha; e zangou-se a China, acusando os novos aliados de construírem blocos que
excluem terceiros, devido a “preconceitos ideológicos” e à “mentalidade de
Guerra Fria”.
A verdade é que os países da
Commonwealth e do Quad (alguns sobrepõem-se) estão a formar uma parceria de
segurança cada vez mais forte. Há uma
urgência na contenção de Pequim que tem despoletado mudanças fundamentais no
quadro de segurança do Indo-Pacífico que, se continuadas, poderão alterar
profundamente a geopolítica internacional. E, neste aspecto, o AUKUS bem poderá
ser um marco histórico. E a Europa não se consegue impor perante a celeridade
política e tecnológica destas mudanças.
Evidentemente, um discurso, por mais importante que seja, não tem o mesmo
impacto internacional que um pacto de defesa na região mais disputada do mundo. Mas não é possível deixar de notar a lentidão e hesitação europeia (a
Europa vai criar, vai anunciar, vai fazer num futuro incerto, mas já atrasado)
e a rapidez e assertividade destas novas parcerias de segurança na Ásia. Faz lembrar a história da
lebre a da tartaruga. Mas no conto desta nova realidade, a lebre não fica a
descansar nem adormece. A tartaruga pode até ser persistente, mas falta-lhe
capacidade de agir num sistema internacional em que parar para reflectir deixou
de ser um luxo para quem quer ser uma grande potência.
COMENTÁRIOS:
Nuno Fonseca: Não me parece haver propriamente uma corrida como a articulista diz. As
realidades são muito diferentes nos dois pontos do globo. Tranquila, a UE tem
estado bem com a sua dinâmica própria. Mudanças súbitas são o caminho para
tensões e problemas. miguel cardoso: O que tem de ser tem muita força... A Europa já era,
ou de facto nunca foi após o pacto suicidário de transformação em UE. Não se
espantem se a Rússia aderir informalmente ao AUKUS, dado o seu natural
interesse em enfraquecer a China, e a Alemanha busque uma nova união no arco
dos seus Países satélites tradicionais. As ilusões pagam-se caro e já
Camões dizia que servem para "povoar o pensamento" e pouco mais. Pontifex Maximus: Chegou a hora das grandes
opções para a Europa: quererá continuar a ser um espantalho comandado a partir
dos EUA ou assume que a Rússia (esqueçam o comunismo, isso morreu em 1989) é o
seu parceiro natural e a integra, se não formalmente, o que é difícil para não
dizer impossível com os actuais tratados, pelo menos num amplo tratado
económico e militar e ganha relevância mundial, ou resigna-se a uma relevância
menor que a África do Sul, do Brasil ou da Indonésia. Para isso, a Alemanha tem
que perder a vergonha e os complexos do pós guerra de 1939/45 e assumir sem
preconceitos que com as matérias-primas e a energia russas e as competências
industriais e digitais da Europa seremos uma superpotência: claro, gastando por
cá o dinheiro necessário a formar umas forças armadas com capacidade nuclear
(que não veja as da Rússia como inimigas mas parceiras) de se projectar nas
suas áreas de influência natural, ou seja, toda a África, as Américas Latina e
Central e parte do grande indo-pacífico. Martelo de Belem ....: A inutilidade da UE está à
vista. Já fui pro mas só um cego não se apercebe da inutilidade desta união
política. Francisco
Tavares de Almeida: Desde que Trump escolheu como adversário principal a China, que a
importância do Atlântico diminuiu fortemente e a do Índico-Pacífico subiu.
A Europa teve cinco anos
completamente perdidos para essa mudança de cenário e é duvidoso que possa
recuperar. Como já por aqui disse, na actual Europa, só a Alemanha tem condições
económicas para criar uma força de intervenção eficaz. E, primeiro, não
acredito que a Alemanha sustente uma força de intervenção entregando comando e
decisão a órgãos europeus. Segundo, não acredito que se a Alemanha criar uma
força de intervenção, a França não agrave o isolacionismo militar que sempre
escolheu. Como já observado na caixa de comentários, cresce a a probabilidade de a
Europa se dividir em dois blocos ou, mais simplesmente, regressar ao que não
deveria ter deixado de ser, um espaço de livre circulação de bens e serviços.
Por outro lado, eram os
americanos que sustentavam a NATO e isso acabou. Tenho muita curiosidade em ver
quais as escolhas dos governos europeus, particularmente do português: vão
gastar mais dinheiro em armamento, à custa do investimento público e do estado
social?... Ou vão arriscar deixar as forças armadas ultrapassar o limite do
descontentamento por falta de meios? L.
Perry: Ao ler este artigo
uma pessoa quase se esquece que a Alemanha andou a cozinhar acordos com os
inimigos do ocidente: Nordstream 2 com a Rússia e os acordos associados ao
acordo EU-China com a China. Cada vez mais se torna claro que o
"ocidente" se está a partir em dois. Num lado temos os Estados Unidos
e seus aliados da Commonwealth e do outro a Alemanha e as suas dependências do
seu Império Europeu. Eu sugeria que Portugal ponderasse sair da UE para o Espaço Económico
Europeu de forma a autonomizar-se do conflito nascente entre as duas partes.
Desta forma permanecia no mercado comum, mas fora do Estado Imperial Alemão.
Se nós formos
obrigados a tomar um partido, corremos o risco de ficarmos na linha da frente
do conflito entre as potências. Corremos o risco de perder os Açores. bento guerra: A Europa não faz parte do filme, está preocupada com
números e faz o papel de boazinha democrática, até porque não tem estratégia de
poder mundial. A aliança USA-UK e Austrália para ocupação do Pacífico chinês é
uma jogada arriscada. A China pode impor-se ,por uma vez ,em Taiwan e depois os
States vão lá fazer uma guerra? mamadorchulo dostugas: Esta tartaruga está mais
preocupada com os assuntos lgbtq klaus muller > mamadorchulo dostugas: Bem visto. PortugueseMan: ....Mas não é possível deixar de notar a lentidão e hesitação europeia (a
Europa vai criar, vai anunciar, vai fazer num futuro incerto, mas já atrasado)
e a rapidez e assertividade destas novas parcerias de segurança na Ásia...
É claro que
haverá sempre lentidão. Estamos a falar de uma união de países, onde há
divergências dos caminhos a tomar. Agora comparar isto, com um anúncio de vendas de
submarinos nucleares para a Austrália... Quais sãos exactamente os submarinos nucleares que vão
ser construídos para eles...? Daqui a quanto tempo é que estarão disponíveis...?
Quanto tempo vão os australianos demorar a lidar e adquirir experiência com
submarinos nucleares? Custos para a Austrália em operar este tipo de embarcações? Digo-lhe já o primeiro custo
desta medida. Ainda antes de receberem os tais submarinos que estou muito
curioso para ver como vai ser este negócio, os chineses vão garantir que não
será com o dinheiro deles que os vão comprar. Sendo para a Austrália, a
China, o seu maior parceiro económico, a China vai colocar um grande e caro
sorriso amarelo nos Australianos. Comparar uma venda agressiva americana de armamento,
que só não vendem submarinos convencionais porque eles não os constroem, quando
estes estão a ver que cada vez vendem menos aos europeus e sauditas, a um
crescimento da estrutura militar europeia... Sim, quero ver esse tal seu
próximo artigo. klaus
muller > PortugueseMan: Man, vives amargurado com essa tua obsessão com os
americanos. Que prefiras os russos aos americanos, não deixa de ser esquisito, mas admite-se,
pronto. Mas preferir os chinas aos States, por amor da santa, poupa-nos.
Tenho ido ao teu blogue e vejo
que nem a RT é assim tão obcecada. PortugueseMan > klaus muller:...Mas
preferir os chinas aos States... Mas como raio chegas tu a uma conclusão destas...?...Tenho ido ao teu blogue e vejo que nem a
RT é assim tão obcecada... O meu blogue explica logo a quem o lê, o que lá vai
encontrar. Não é uma questão de obsessões. Há quem acompanhe futebol, estes sãos os
meus temas preferidos. Se andas a ver o blogue, encontraste alguma incongruência? mentiras?
Ou simplesmente não gostas do
que estás a ler? Preferes a conversa do José Milhazes. klaus muller> Portuguese Man: Sim, prefiro o Milhazes, mas fico
banzado com a quantidade de informação que o teu blogue tem sobre a Rússia. PortugueseMan > klaus muller: Claro que tem que ter. É o meu foco principal.
O Milhazes anda há anos a falar
em declínio económico, que estão dependentes da exportação de matérias primas.
Muitas vezes acuso-o de fazer
afirmações sem suporte de dados que é a coisa que mais me irrita. O blogue nasceu pelas
discussões geradas no blogue dele e houve alguém que me sugeriu que criasse um.
Se fores ao 2º artigo de 2009,
acerca da Geórgia, ele também está publicado no blogue do Milhazes. Muitas discussões/troca de
opiniões tive com ele ao longo destes anos. Temos uma visão completamente diferente do rumo do
país. Eu continuo a achar que estou certo. Ele também. André Pedro Oliveira: Sinto que a escrita da Diana é
clara como a água. Boa!
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