quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A consciência do impossível

 

Não, o Pai Natal não existe. Por isso, embora agradecendo o esforço despendido pela boa vontade de Helena Garrido na sua revisão de dados e de factos, que ela sabe inultrapassáveis, prefiro desviar-me para esses poetas do não irremediável, tão aplicável, subjectivamente a si próprios, como objectivamente, nas suas variantes interpretativas, a outros mundos mais positivos – o nosso em especial. O resultado sentimental é idêntico, embora mais grave – porque mais universal – o íntimo pessoano, habituados que estamos, afinal, à banalidade da nossa corriqueira frustração:

Natal... Na província neva.

Nos lares aconchegados,

Um sentimento conserva

Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,

Como a família é verdade!

Meu pensamento é profundo,

Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

 

Carta ao Pai Natal. Simplificar e melhorar a justiça

Sim, sabemos que o Pai Natal não existe. Mas uma carta é sempre um bom pretexto para manifestar desejos.

HELENA GARRIDO

O primeiro pedido é, obviamente, o fim da pandemia. Temos de nos reconstruir individualmente e colectivamente. Na sociedade, na economia, mas especialmente no equilíbrio de cada um. Entre os mais jovens o desequilíbrio atinge já, se não a maioria, uma boa parte deles, como quem contacta com eles facilmente vai verificando. Os mais velhos dos mais velhos enfrentam uma solidão ainda mais grave. Têm sido dois anos brutais para todos, com efeitos que só mais tarde vamos perceber em toda a sua dimensão.

A caminho de eleições legislativas, os principais pedidos ao Pai Natal têm forçosamente de estar relacionados com o novo Governo que teremos algures no início de Fevereiro. António Costa ou Rui Rio serão os líderes desse executivo que, neste momento, se perspectiva como pouco duradouro. Embora, verdadeiramente, ninguém saiba.

Um pedido geral. Seja qual for o modelo, ao Pai Natal o que se pede é que inspire a governação de bom senso e pragmatismo. Que, perante cada problema, se perguntem: qual a melhor solução, qual a solução que melhor serve as pessoas? Em vez de, como por vezes acontece, irem primeiro ver o que diz a sua bíblia e depois escolherem um caminho que, embora nada solucionando, segue os seus dogmas.

Um pedido de esquecimento. Para o Pai Natal fica também o pedido que faça esquecer a Regionalização, que tem potencial para criar mais problemas do que para os resolver. Mais importante do que regionalizar é descentralizar e entregar mais poderes às autarquias. Isto sim, criava condições para se gerirem melhor os recursos escassos que a administração pública tem. Porque o que vemos em muitas autarquias é que têm dinheiro a mais para as funções que desempenham, razão pela qual as vemos a gastar dinheiro em iniciativas e projectos discutíveis. Já se fez algum trabalho nesse sentido na Educação. Mas é preciso ir mais longe na Saúde, para não vermos os centros de saúde no estado em que alguns estão, ou até na segurança, que permitiria dar melhores condições de trabalho à polícia.

Um pedido para a prioridade das prioridades. Todos sabem que o grande desafio está no aumento da produtividade. Face ao que vamos observando, há medidas que poderiam ter aquele efeito de 20% de esforço para 80% de impacto, porque hoje o “diabo está nos detalhes”. Prioridade das prioridades deve ser, por isso, simplificar as regras que enquadram o funcionamento das empresas e garantir a sua estabilidade. É um exercício que se pode fazer com as associações empresariais, que deviam estar bastante preocupadas com este tema.

A simplificação passa por revisitar a legislação e os mil e um regulamentos que as entidades autónomas agora também definem e perguntar para que servem, que custos têm para as empresas e que benefícios trazem para a comunidade. E fazê-las desaparecer sempre que não se identifiquem benefícios. Esta simplificação deve igualmente abranger sectores como a Educação e a Saúde. Quem tem memória de como se trabalhava, sabe que o Estado exige hoje o preenchimento de tanta papelada, no ensino como na saúde, que acaba por ocupar boa parte do tempo dos profissionais nessas tarefas burocráticas quando deviam estar com os alunos ou com os doentes.

Finalmente a JustiçaOs casos mediáticos têm gerado uma imagem lamentável da Justiça. É fácil responsabilizar procuradores e juízes, mas antes de avançarmos por aí valia a pena perceber que condições têm para trabalhar e para fazerem de facto a Justiça funcionar. As condições passam por recursos humanos e por legislação que equilibre melhor a balança entre os direitos dos arguidos e a eficácia da Justiça. Aquilo a que assistimos neste momento parece indicar que os arguidos com dinheiro têm demasiadas possibilidades de recursos, empatando os processos, o que acaba por fazer com que se culpe procuradores e juízes.

Dentro da Justiça há uma área que devia ser eleita como prioridade, caso se queira levar a sério o desafio de crescermos mais. São os tribunais administrativos e fiscais. É urgente perceber o que é preciso fazer para resolver esse problema.

A Regionalização, que esperemos que o Pai Natal consiga que caia no saco das promessas não cumpridas da classe política, é exactamente o oposto do que precisamos de fazer. Com a Regionalização virá mais um nível de autorizações, procedimentos e papéis para preencher.

Quando se completou a autoestrada entre Lisboa e Porto, o transporte de mercadorias entre as duas cidades, que se tinha de fazer em dois dias, passou a poder realizar-se num dia. Imaginam o salto de produtividade que isso gerou? Pois bem, temos agora a oportunidade de dar um novo salto, se libertarmos as empresas e as pessoas em geral de regras, procedimentos e papéis desnecessários. Perguntem a qualquer pequeno empresário, sem contactos nos corredores do poder, que ele explica – se não tiver medo de represálias dos organismos onde precisa de ir para tratar das “autorizações”.

Há muitas outras matérias que mereciam um pedido ao Pai Natal. Mas estas parecem ser as fundamentais. Se conseguirmos simplificar a legislação económica e fiscal e pôr os tribunais administrativos e fiscais a funcionarem mais rapidamente daremos seguramente um salto em matéria de produtividade. Basta pensar no tempo e dinheiro que se vai libertar, que poderá ser usado para realizar outras tarefas, para perceber como só estes pequenos passos podem fazer aumentar a produtividade, gerando mais crescimento e criando condições para a subida dos salários.

E aqui ficam os desejos de Boas Festas!

JUSTIÇA   REGIONALIZAÇÃO   PAÍS   EMPRESAS 

COMENTÁRIOS:

joão Melo: Keep on dreaming.... A senhora jornalista já tinha idade para ter juízo. Onde eles puderem complicar, acredite, ainda vão complicar mais. Não conhece o seu país? Ainda acredita no pai Natal?           Manuel Martins: Sem uma justiça eficaz não há como ter segurança,  uma economia a funcionar,  investimento. Em minha opinião,  só retirando aos deputados/advogados a elaboração  das leis da justiça (pedindo antes aos juízes,  procuradores, polícias,  universidades,  associações civis que as elaborem) é que se conseguem leis funcionais           Joaquim Moreira: Embora me encontre mais vezes na situação de Pai Natal, do que propriamente na condição de beneficiário, deste personagem lendário, não posso deixar de, na circunstância, lhe fazer um pedido com substância! Que o próximo PM de Portugal, seja capaz de satisfazer este pedido de HM ao Pai Natal. E devo dizer, sem receio de errar, que só Rui Rio é capaz de o executar! Por isso, e antes de mais, peço ao Pai Natal que deixe já claro que a 30 de Janeiro é ele que vai ganhar. E, já agora, que o faça de forma tal que não precise do PS para governar. Já que este, depois de perder, não vai voltar a aliar-se à esquerda para ser poder! E por uma simples razão: o muro que antes foi “derrubado”, voltou a ser levantado. E o responsável por o ter “derrubado” agora só está preocupado, em arranjar um lugar noutro lado. Até porque sabe muito bem a difícil situação em que deixou o Estado!            Dra  Helena: Artigo  excelente .   Obrigado         Maria Rita Menezes: Muito bem! M Cpts e muito obrigada. Boas-festas também para a HG. E o meu pedido ao pai natal que respeita aos opinion makers é mais singelo. Que tenham ao menos o bom senso de deixar de fazer balanços no meio de uma pandemia. Ainda por cima redundantes. Já todos sabíamos - como o pp Obs nunca se cansou de noticiar - que o SNS já estava cair de podre antes da pandemia. De modo que a opinarmos alguma coisa sobre o SNS, só se for para agradecer o autêntico milagre. Lá fora não se vê nenhuma saúde sobrelotada. Quanto aos Tribunais Administrativos e Fiscais além de não serem de longe o maior problema da Justiça, até a HG já teve oportunidade de comentar aqui a reforma em curso via bazuca. Assim como os seus benefícios para a economia real. Mas hoje o maior problema da Justiça em Portugal são os tempos da Justiça Penal. Com implicações para a própria Democracia. E da minha parte já ficava satisfeito se todo os operadores judiciais fossem obrigados a cumprir os prazos estipulados no CPP e na lei em geral. Para acabar com os pelourinhos de uma vez por todas em pleno Sec. XXI.           josé maria: Concordo e subscrevo.            maria ribeiro: Condenar em dez minutos através da aliança com os media, e julgar dez anos depois.       maria ribeiro: O Ded Moroz é um troll que vive nas montanhas entre a Carélia e a Lapónia, leia-se o poema épico finlandês Kerala , de Elias Lonnrot. Entra nos tupis dos samis pela abertura central por onde saem os fumos da fogueira, onde estão a secar as meias húmidas. Os xamãs usam o Amorita muscata como psicotrópico. por isso o seu trenó voa no céu.           Miguel Eanes: Quando temos a justiça a fazer politica, tudo se espera. Investigações de crimes com 15 anos de duração; construção de mega processos, com toneladas de papel e centenas de envolvidos; arquivamentos céleres de processos com provas irrefutáveis. Esta é a política da justiça em Portugal.           Troca Tintas: Olha, olha, ainda acredita no pai natal. Ahahahahahhahahaahah           Clarisse Seca: O nosso sistema de justiça ainda é medieval citando Nuno Garoupa na Radio Renascença. Privilegiam-se os "Doutores" sejam eles com altos cargos na justiça ou fora dela". Os garantismos para os prevaricadores são imensos prejudicando-se a vítima. É Kafkiano,  e parece que a justiça não sabe o quanto custa a vida com calhamaços e calhamaços de papel enviados ao cidadão coitado, a  demorar mais de 10 anos para um simples caso ou mentira de um "doutor" que se transforma em culpa para o coitado do cidadão comum. Há que mudar de-alto-a-baixo, incluindo mentalidades. Não pode a mentira e a lentidão, prevalecer, para nada se resolver ou se culpar a vítima. É difícil? É, mas assim não há justiça. Também é possível haver ciladas, difíceis de provar, quando a ética e a moral não é levada em conta na justiça, citando a Dra. M.J. Morgado. Assim ganha quem não tem escrúpulos.          Pontifex Maximus: Por paradoxal que pareça, simplificar a justiça é simultaneamente a coisa mais fácil e a mais difícil do mundo. Difícil porque há um lobby que nunca o permitirá pois os atalhos e as complicações são o seu ganha-pão; fácil pois basta copiar e adaptar o que de bom existe por aí. Mas isso também é uma ilusão, basta-me lembrar de em 1986 (!!!) ter ouvido o Figueiredo Dias em duas conferências dizer, a propósito do ante-projecto do Código de Processo Penal da sua autoria que entre muita gente falou com um professor catedrático holandês que lhe disse que o Código de lá tinha pouco mais que 150 artigos e perante uma pergunta óbvia da plateia não foi capaz de dar uma explicação racional para o facto de o nosso vir a ter quase 600… Nunca mais me esqueço da expressão dele perante a resposta do holandês “e icho funchiona?”, disse ele que perguntou ao holandês, que respondeu “claro que funchiona!”…                  Francisco Tavares de Almeida: De uma mais frequente discordância com os artigos de Helena Garrido, tenho-me visto a uma mais frequente concordância nos últimos tempos. Eu sou demasiado velho para ter mudado, por isso... Susbcrevo a 110% o pedido de esquecimento da regionalização e concordo na generalidade com a ideia de descentralização baseada nos municípios que temos e que são a tradição histórica nacional. Apenas acho que a perspectiva financeira é importante mas insuficiente e algo teria ser feito na transferência de quadros. Por exemplo, dada a enorme quantidade de juristas e mesmo advogados desempregados ou subempregados, uma espécie de secretários municipais, fora de nomeações partidárias e controlados eticamente pela Ordem, poderia evitar os infindáveis atropelos legais que alguns caciques locais eleitos, decidem porque sim. Também tenho algum reparo à Justiça. Tudo bem com os Tribunais Administrativos que é o que mais importa às empresas, também com a mediática justiça penal que, sabemos, é garantística para os acusados mas esquece frequentemente as vítimas. Só esqueceu a justiça cível que é hoje outro pesadelo temporal e, na prática, uma ditadura casuística e imprevisível de juízes. A mero título de exemplo, ganhei na maior parte um processo cujos factos remontavam a 1991/1993 mas que por razões técnicas só pôde ser instaurado em 2000. O Acórdão do STJ saíu em Março de 2021 e recebi (estava há anos depositado no Tribunal) em Outubro.           José Tomás: "É urgente perceber o que é preciso fazer para resolver" o problema dos tribunais administrativos e fiscais. Fico estupefacto quando vejo uma jornalista prestigiada fazer esta pergunta. Não conhece nenhum juiz, advogado ou escrivão de direito que a pudesse ter informado? É que qualquer um lhe diria que os processos duram décadas nos tribunais administrativos e fiscais porque estes não têm quadros. O Estado, ciente que perde 75% ou mais dos processos que correm nestes tribunais, intencionalmente, mantém os quadros de juízes e funcionários muito abaixo do necessário para as causas serem decididas em tempo útil. Enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. E, como se isso fosse pouco, acresce, agora, o negócio da arbitragem administrativa e fiscal, que, obviamente, tendo um custo muito maior, só tem mercado porque um processo no CAAD, em vez de durar dez anos, dura um.           Clarisse Seca > José Tomás: Só de pensar que  o caso Sócrates ainda não foi julgado, dá arrepios sobre o mau sistema de justiça. Sendo leiga, para que serve instrução, ou coisa que o valha e não se vai ao assunto directamente para dar emprego a advogados que safam os grandes  com os buracos ou falta de algum formalismo na lei? Para que servem dezenas e dezenas de testemunhas, por vezes até que nada sabem,  e perdem dias de trabalho, sem estarem ligadas ao assunto, sendo só para fazer número e atrasar processos?            bento guerra: E os advogados, classe que domina a nossa sociedade, de que viviam?  FernandoC: Boas festas e feliz natal para si e os seus. 3h. ONU quer pagar milhões aos talibã por protecção.

 

Nenhum comentário: