Já que de evocação se trata e, em
apoio da tese do Dr. Salles da
Fonseca – a de Angola naturalmente prioritária
para Salazar, por óbvias razões – e, como espaço de mais- valia, bem me
lembro da canção de Santos Braga, que
começara a fazer-se ouvir por essa altura, também lá por Moçambique, onde começou
a ser frequente o espectáculo de tropas a desfilar, vindas da metrópole, e que
íamos ver, com gratidão, nesses treze ou 14 anos mais…:
Da Internet:
«Música
de propaganda feita em Junho de 1961, para motivar a população que a guerra era
precisa (Guerra Colonial)»
……….
"Angola é nossa" gritarei!
É
carne, é sangue da nossa grei
Sem
hesitar, p'rà defender
E
pelejar até vencer.
…………….
Servirá para o gáudio dos que mal aceitarão tais
evocações, de uma justificação para sempre inútil.
Excelente a análise exposta por Carlos Traguelho.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A
BEM DA NAÇÃO, 24.12.21
À VISTA DO IMPERADOR
ou
OS ANÉIS E OS DEDOS
Hoje, a questão é: - Por que razão terá Salazar abandonado o Estado
Português da Índia à voracidade dos seus cobiçosos predadores?
Como
antecedentes imediatos da volatilização do Estado Português da
Índia, há a registar o ataque à
Esquadra da Polícia em Luanda no dia 14 de Março de 1961 e o auto-incêndio
seguido de abandono da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá no dia 31 de
Julho do mesmo ano. Esse
primeiro «horribilis annus» da penúltima fase do processo da dolorosa
descolonização portuguesa fechou com a desistência
da preservação do Estado Português da Índia.
Não
sei até que ponto Francisco da Costa Gomes, então Coronel e Subsecretário de Estado do Exército, já era (secretamente) simpatizante do sovietismo
como se revelou após o 25 de Abril de 1974 mas, na verdade, foi sob a sua orientação
que se realizou o desarmamento da frágil guarnição militar do Estado Português
da Índia.
Em
resultado desse desmantelamento, acentuou-se o contraste entre as Forças
militares em presença num putativo teatro de operações. Sendo este, de problemática defesa tendo em conta a descontinuidade
geográfica do território a defender e o tipo de armamento típico na segunda
metade do séc. XX de que a União Indiana dispunha profusamente no próprio local
das potenciais operações. As forças terrestres indianas especificamente
afectas à extinção do Estado Português da Índia eram constituídas por um
efectivo de 45 mil homens (contando com uma reserva próxima de 25 mil e um
«back support» de um milhão) contando com eficaz apoio aéreo e naval. Ao que Portugal tinha para opor 3500
homens (mal?) distribuídos por Goa, por Damão e por Diu. Devíamos ter pudor em referir o armamento de que
dispunham as nossas tropas mas manda a verdade histórica que refiramos as espingardas
Kropatschek adquiridas na década de 80 do séc. XIX, algumas Mauser que estavam
desactualizadas desde finais da II Guerra Mundial, duas (ou três?)
autometralhadoras, sem apoio aéreo e com apoio naval ao nível do simbolismo.
A
frase de Salazar «para Angola rapidamente e em força» significou
mais do que a mobilização huna a partir da Metrópole. Pelos vistos, tratou-se
também de mobilizar tudo quanto pudesse ser material com algum interesse
operacional. De Goa, para Angola rapidamente e em força! Não é crível que Costa Gomes tivesse desarmado o
Estado Português da Índia contra a orientação de Salazar e tivesse mantido os
cargos militares e políticos que vinha desempenhando.
*
* *
Só se pode concluir que…
- Salazar sacrificou o Estado
Português da Índia para acudir a Angola; a ordem de rendição não foi oficialmente
bradada em Lisboa mas estava implícita nas condições criadas pelo desarmamento
intencional;
- Os discursos políticos que se
seguiram, não passaram de bravata choramingosa para puxar pelo patriotismo dos
desprevenidos e as punições militares não passaram de bravata fardada.
*
* *
Eis,
pois, a visão do «Imperador»: - Vão-se os anéis para que
fiquem os dedos.
Dos «dedos» se encarregou
Costa Gomes treze anos mais tarde e, talvez para alívio da consciência, mandou
reintegrar o General Vassalo e Silva.
Dezembro de 2021
Henrique Salles da Fonseca
NOTA FINAL - Informação
sobre efectivos militares por obséquio do Coronel Pedro Calado Gomes da Silva
Tags: história~
COMENTÁRIOS
Anónimo 25.12.2021 12:56: Hoje, dia de Natal, não é o melhor momento para
tratar deste assunto, que há 60 anos enlutou Portugal e trouxe a angústia a
muitos lares, especialmente aos que tinham familiares no Estado da Índia, em
que houve um blackout informativo, pior ainda, o Regime inventou e divulgou
pela comunicação social combates inexistentes com centenas de mortos e feridos.
Mas como insistes, Henrique, na tua “Lacrimosa”, desta vez não fujo ao tema da invasão.
Independentemente do número de efectivos militares portugueses, Goa seria
sempre indefensável. Como forma de minimizar as baixas, a União Indiana
multiplicaria os seus efectivos, como dissuasor de combates. Era defensável
– e Salazar sabia-o - enquanto o apregoado pacifismo de Nehru se mantivesse.
Ora quando pandita Nehru desaparecesse politicamente, ou quando as condições
internas da União Indiana o exigissem, ou/e quando as condições geopolíticas
permitissem que a invasão se realizasse sem danos de monta para esse rótulo de
pacifista, aquela teria lugar. E foi o que aconteceu. Havia eleições na
União Indiana (e isso soubemos na altura), e o ministro da Defesa Menon, da ala
mais radical do Partido do Congresso, estava a protagonizar a posição de
realizar a invasão. Externamente, a URSS apoiaria a Índia (Brejnev estava lá em
18/12/61 e houve o veto soviético no Conselho de Segurança quando se pretendeu
condenar a invasão em curso). Os não-alinhados também. A NATO não
intervinha, apesar dos Açores. A Grã-Bretanha mantinha a posição
anterior, de 1954, aquando dos enclaves de Nagar e Dadrá, isto é, não intervir
com tropas, apenas tentar persuadir o seu parceiro da Commonwealth a não
invadir, não obstante a invocação, por Portugal, da velha aliança com a
Inglaterra (esta chegou a proibir a utilização de bases suas espalhadas pelo mundo
por Portugal e, creio, que o Egipto impediu a passagem de socorros militares
portugueses pelo Suez). O Secretário de Estado Foster Dulles, que declarara que “Goa era uma província
portuguesa”, já não estava mais em funções e Kennedy, bem como a sua Administração e o seu embaixador em
Deli (Galbraith) eram a favor do fim do colonialismo e viam Goa como “um
enclave numa situação anacrónica”. Quando,
em novembro/61, Nehru é recebido na Casa Branca o tema Goa, ao que parece, não
foi sequer discutido (há uma versão dum biógrafo do pandita que diz que foi
abordado, mas que Kennedy teria dito que não tinha relevância internacional).
Apesar disso tudo, a Diplomacia portuguesa teve uma actividade
frenética e meritória, tendo conseguido que variadas Chancelarias, e nalguns
casos, como o Reino Unido e os EUA também ao mais alto nível, tivessem feito
diligências junto do governo indiano para suster a invasão. Numerosos
jornalistas de vários países foram convidados para ir a Goa. Havia indicação do governo português para a
convocatória do Conselho de Segurança, mas apenas quando a invasão se
concretizasse, e não antes, não fosse o areópago ser utilizado para criticar a
política colonial portuguesa. A sessão precisava de dramatismo inerente
a uma invasão, com mortos e feridos, daí o célebre telegrama de Salazar, a
olhar para a História, que dirigiu ao General Vassalo e Silva – vitoriosos ou
mortos – explicitando que precisava de 8 dias para mobilizar instâncias
internacionais, ao que o General lhe respondeu que 8 dias de resistência só por
milagre. Durou menos do que um dia e meio (26 horas, segundo escreveu Nehru numa carta para
Kennedy, em 29/12). O efectivo militar, que era de 10 mil, quando Vassalo e
Silva lá chegou em 1958, foi sendo reduzido progressivamente, e a última de 6
mil para 3,5 milhares quando da visita de Costa Gomes em dezembro/60, em
virtude do esforço de guerra em Angola e também de alguma perturbação em Timor,
pelo que houve necessidade de alocar aí, em 1959, alguns desses efectivos.
Conta Maria Manuel Stocker, no seu livro “Xeque-mate a Goa” (o qual tenho vindo a seguir, essencialmente) que,
quando em Lisboa, em outubro/61, o comandante militar, brigadeiro Martins
Leitão, reitera ao Governo pedidos de reforços feitos por Vassalo e Silva,
foi-lhe dito que tal não era possível pois Angola exigia tudo, que não era
viável resistir militarmente e só a diplomacia podia evitar a invasão. Que
tenhas um bom dia de Natal. Carlos
Traguelho
Rui Bravo Martins 26.12.2021 12:17: Sempre com temas, já muito falados, mas sempre com uma curiosa interpretação nova e deslumbrante de associação de vários outros factos históricos, bem entrosados e com objetividade de raciocínio. É mais uma versão, que a a firmação popular de que um facto tem sempre várias "verdades", vem mais uma vez confirmar. Gosto desta Verdade Abraço de Parabéns Rui Bravo Martins
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