sábado, 25 de dezembro de 2021

A mania das grandezas

Já que de evocação se trata e, em apoio da tese do Dr. Salles da Fonseca – a de Angola naturalmente prioritária para Salazar, por óbvias razões – e, como espaço de mais- valia, bem me lembro da canção de Santos Braga, que começara a fazer-se ouvir por essa altura, também lá por Moçambique, onde começou a ser frequente o espectáculo de tropas a desfilar, vindas da metrópole, e que íamos ver, com gratidão, nesses treze ou 14 anos mais…:

Da Internet:

«Música de propaganda feita em Junho de 1961, para motivar a população que a guerra era precisa (Guerra Colonial)»

……….
"Angola é nossa" gritarei!

É carne, é sangue da nossa grei

Sem hesitar, p'rà defender

E pelejar até vencer.

…………….

Servirá para o gáudio dos que mal aceitarão tais evocações, de uma justificação para sempre inútil.

Excelente a análise exposta por Carlos Traguelho.

LACRIMOSA - 2

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

 A BEM DA NAÇÃO,  24.12.21

À VISTA DO IMPERADOR

ou

OS ANÉIS E OS DEDOS

Hoje, a questão é: - Por que razão terá Salazar abandonado o Estado Português da Índia à voracidade dos seus cobiçosos predadores?

Como antecedentes imediatos da volatilização do Estado Português da Índia, há a registar o ataque à Esquadra da Polícia em Luanda no dia 14 de Março de 1961 e o auto-incêndio seguido de abandono da Fortaleza de São João Baptista de Ajudá no dia 31 de Julho do mesmo ano. Esse primeiro «horribilis annus» da penúltima fase do processo da dolorosa descolonização portuguesa fechou com a desistência da preservação do Estado Português da Índia.

Não sei até que ponto Francisco da Costa Gomes, então Coronel e Subsecretário de Estado do Exército, já era (secretamente) simpatizante do sovietismo como se revelou após o 25 de Abril de 1974 mas, na verdade, foi sob a sua orientação que se realizou o desarmamento da frágil guarnição militar do Estado Português da Índia.

Em resultado desse desmantelamento, acentuou-se o contraste entre as Forças militares em presença num putativo teatro de operações. Sendo este, de problemática defesa tendo em conta a descontinuidade geográfica do território a defender e o tipo de armamento típico na segunda metade do séc. XX de que a União Indiana dispunha profusamente no próprio local das potenciais operações. As forças terrestres indianas especificamente afectas à extinção do Estado Português da Índia eram constituídas por um efectivo de 45 mil homens (contando com uma reserva próxima de 25 mil e um «back support» de um milhão)  contando com eficaz apoio aéreo e naval. Ao que Portugal tinha para opor 3500 homens (mal?) distribuídos por Goa, por Damão e por Diu. Devíamos ter pudor em referir o armamento de que dispunham as nossas tropas mas manda a verdade histórica que refiramos as espingardas Kropatschek adquiridas na década de 80 do séc. XIX, algumas Mauser que estavam desactualizadas desde finais da II Guerra Mundial, duas (ou três?) autometralhadoras, sem apoio aéreo e com apoio naval ao nível do simbolismo.

A frase de Salazar «para Angola rapidamente e em força» significou mais do que a mobilização huna a partir da Metrópole. Pelos vistos, tratou-se também de mobilizar tudo quanto pudesse ser material com algum interesse operacional. De Goa, para Angola rapidamente e em força! Não é crível que Costa Gomes tivesse desarmado o Estado Português da Índia contra a orientação de Salazar e tivesse mantido os cargos militares e políticos que vinha desempenhando.

* * *

Só se pode concluir que

- Salazar sacrificou o Estado Português da Índia para acudir a Angola; a ordem de rendição não foi oficialmente bradada em Lisboa mas estava implícita nas condições criadas pelo desarmamento intencional;

- Os discursos políticos que se seguiram, não passaram de bravata choramingosa para puxar pelo patriotismo dos desprevenidos e as punições militares não passaram de bravata fardada.

* * *

Eis, pois, a visão do «Imperador»: - Vão-se os anéis para que fiquem os dedos.

Dos «dedos» se encarregou Costa Gomes treze anos mais tarde e, talvez para alívio da consciência, mandou reintegrar o General Vassalo e Silva.

Dezembro de 2021      Henrique Salles da Fonseca

NOTA FINAL - Informação sobre efectivos militares por obséquio do Coronel Pedro Calado Gomes da Silva

Tags: história~

COMENTÁRIOS

 Anónimo  25.12.2021  12:56: Hoje, dia de Natal, não é o melhor momento para tratar deste assunto, que há 60 anos enlutou Portugal e trouxe a angústia a muitos lares, especialmente aos que tinham familiares no Estado da Índia, em que houve um blackout informativo, pior ainda, o Regime inventou e divulgou pela comunicação social combates inexistentes com centenas de mortos e feridos. Mas como insistes, Henrique, na tua “Lacrimosa”, desta vez não fujo ao tema da invasão. Independentemente do número de efectivos militares portugueses, Goa seria sempre indefensável. Como forma de minimizar as baixas, a União Indiana multiplicaria os seus efectivos, como dissuasor de combates. Era defensável – e Salazar sabia-o - enquanto o apregoado pacifismo de Nehru se mantivesse. Ora quando pandita Nehru desaparecesse politicamente, ou quando as condições internas da União Indiana o exigissem, ou/e quando as condições geopolíticas permitissem que a invasão se realizasse sem danos de monta para esse rótulo de pacifista, aquela teria lugar. E foi o que aconteceu. Havia eleições na União Indiana (e isso soubemos na altura), e o ministro da Defesa Menon, da ala mais radical do Partido do Congresso, estava a protagonizar a posição de realizar a invasão. Externamente, a URSS apoiaria a Índia (Brejnev estava lá em 18/12/61 e houve o veto soviético no Conselho de Segurança quando se pretendeu condenar a invasão em curso). Os não-alinhados também. A NATO não intervinha, apesar dos Açores. A Grã-Bretanha mantinha a posição anterior, de 1954, aquando dos enclaves de Nagar e Dadrá, isto é, não intervir com tropas, apenas tentar persuadir o seu parceiro da Commonwealth a não invadir, não obstante a invocação, por Portugal, da velha aliança com a Inglaterra (esta chegou a proibir a utilização de bases suas espalhadas pelo mundo por Portugal e, creio, que o Egipto impediu a passagem de socorros militares portugueses pelo Suez). O Secretário de Estado Foster Dulles, que declarara que “Goa era uma província portuguesa”, já não estava mais em funções e Kennedy, bem como a sua Administração e o seu embaixador em Deli (Galbraith) eram a favor do fim do colonialismo e viam Goa como “um enclave numa situação anacrónica”. Quando, em novembro/61, Nehru é recebido na Casa Branca o tema Goa, ao que parece, não foi sequer discutido (há uma versão dum biógrafo do pandita que diz que foi abordado, mas que Kennedy teria dito que não tinha relevância internacional). Apesar disso tudo, a Diplomacia portuguesa teve uma actividade frenética e meritória, tendo conseguido que variadas Chancelarias, e nalguns casos, como o Reino Unido e os EUA também ao mais alto nível, tivessem feito diligências junto do governo indiano para suster a invasão. Numerosos jornalistas de vários países foram convidados para ir a Goa. Havia indicação do governo português para a convocatória do Conselho de Segurança, mas apenas quando a invasão se concretizasse, e não antes, não fosse o areópago ser utilizado para criticar a política colonial portuguesa. A sessão precisava de dramatismo inerente a uma invasão, com mortos e feridos, daí o célebre telegrama de Salazar, a olhar para a História, que dirigiu ao General Vassalo e Silva – vitoriosos ou mortos – explicitando que precisava de 8 dias para mobilizar instâncias internacionais, ao que o General lhe respondeu que 8 dias de resistência só por milagre. Durou menos do que um dia e meio (26 horas, segundo escreveu Nehru numa carta para Kennedy, em 29/12). O efectivo militar, que era de 10 mil, quando Vassalo e Silva lá chegou em 1958, foi sendo reduzido progressivamente, e a última de 6 mil para 3,5 milhares quando da visita de Costa Gomes em dezembro/60, em virtude do esforço de guerra em Angola e também de alguma perturbação em Timor, pelo que houve necessidade de alocar aí, em 1959, alguns desses efectivos. Conta Maria Manuel Stocker, no seu livro “Xeque-mate a Goa” (o qual tenho vindo a seguir, essencialmente) que, quando em Lisboa, em outubro/61, o comandante militar, brigadeiro Martins Leitão, reitera ao Governo pedidos de reforços feitos por Vassalo e Silva, foi-lhe dito que tal não era possível pois Angola exigia tudo, que não era viável resistir militarmente e só a diplomacia podia evitar a invasão. Que tenhas um bom dia de Natal. Carlos Traguelho

 Rui Bravo Martins  26.12.2021  12:17: Sempre com temas, já muito falados, mas sempre com uma curiosa interpretação nova e deslumbrante de associação de vários outros factos históricos, bem entrosados e com objetividade de raciocínio. É mais uma versão, que a a firmação popular de que um facto tem sempre várias "verdades", vem mais uma vez confirmar. Gosto desta Verdade Abraço de Parabéns Rui Bravo Martins

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