sábado, 4 de dezembro de 2021

Gente nobre


Salazar, a quem o distanciamento ideológico não impediu a honestidade do apreço por aqueles que o ajudaram na sua subida cultural, e quem sabe se de carácter. Uma história sintética e, afinal, bem espirituosa, ao modo de um escritor de hoje, descendente – “transviado”? – de familiares mentores de opinião pública. Expressivamente gracioso mas, sobretudo, homem de pensamento livre - como, de resto, o foram os seus antecessores - mas rumando no seu próprio lenho…

HISTÓRIA DE FAMÍLIA

 Henrique Salles da Fonseca

 03.12.21

José Tomás da Fonseca (16 de Março de 1877-12 de Fevereiro de 1968) quase 91 anos

José Lopes de Oliveira (25 de Dezembro de 1881-3 de Agosto de 1971)

António de Oliveira Salazar (28 de Abril de 1889-27 de Julho de 1970)

Tomás da Fonseca tinha mais 12 anos que Salazar.

Quando Salazar, aos 11 anos, foi para o Seminário de Viseu, Tomás da Fonseca tinha 23 anos; quando Salazar, com 19 anos, terminou o Seminário, Tomás da Fonseca tinha 31 anos.

Lopes de Oliveira tinha mais 8 anos que Salazar.

Quando Salazar, com 19 anos, ingressou na Universidade de Coimbra, Lopes de Oliveira tinha 27 anos e quando Salazar atingiu a maioridade (então, aos 21 anos), Lopes de Oliveira tinha 29 anos.

* * *

Posta esta relatividade etária em evidência, resulta a plausibilidade da história que se conta na família segundo a qual Tomás da Fonseca foi encarregado de educação de Salazar durante o período em que este esteve no Seminário de Viseu e que Lopes de Oliveira desempenhou função equivalente nos dois primeiros anos em que Salazar esteve em Coimbra enquanto menor de idade.

À minha frente, os «educadores» nunca se gabaram da função e a única informação que recordo o meu avô me ter dado foi algo como «o rapaz era bom aluno e nunca lhe deu preocupações naquele período. As preocupações vieram mais tarde…». A Lopes de Oliveira nunca ouvi qualquer referência à dita função e concluo que em ambos os casos se tratou do cumprimento de um formalismo legal de tutela de um menor a pedido da respectiva família.

Tutores e tutelado seguiram ideais muito diferentes e que os puseram em campos opostos até ao fim das vidas de quem se foi finando.

Logo que Salazar chegou ao poder, decidiu moderar os ímpetos voluntariosos dos idealistas republicanos e mandou Tomás da Fonseca fazer um «estágio» no Aljube e enviou Lopes de Oliveira num cruzeiro até ao Tarrafal onde o ex-tutor permaneceu um ano. A sucessão de «estágios» não se fez rogada mas nenhum dos «estagiários» foi alguma vez molestado fisicamente.  A Tomás da Fonseca couberam 12 «estágios, tantos quantos os livros que ia publicando. Creio que a Lopes de Oliveira apenas coube o «cruzeiro» inicial.

Foi o meu pai que me contou que, certa vez, alguém da roda de Salazar arengou coisas tremendas sobre Lopes de Oliveira ao que se seguiu o seguinte diálogo (ou parecido):

Salazar – Mas o Senhor conhece o Dr. Lopes de Oliveira?

Salazarista - Não, Senhor Presidente, não o conheço pessoalmente.

Salazar – Pois eu conheço-o e deve ser a pessoa mais inteligente que alguma vez conheci.

Fim de conversa.

Alguém ouviu e contou ao meu pai, sobrinho do visado, o «Tio Lopes» como era conhecido em família.

Como facilmente se compreende, não há fotografia conjunta dos três personagens desta história.

 

Lisboa, Dezembro de 2021

Henrique Salles da Fonseca

 

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