Releiamos Eça, para
esquecermos todas essas hipóteses trágicas, que se prendem com as ambições de
conquista dos povos conquistadores. Nós cá, é mais a murro:
«- Em
resumo, Dâmaso, desdiz-se ou bate-se? - Desdizer-me? - tartamudeou o outro, empertigando-se,
n'um penoso esforço de dignidade, a tremer todo. E de quê? Ora essa! É boa! Eu
sou lá homem que me desdiga! - Perfeitamente, então bate-se... Dâmaso cambaleou
para traz, desvairado: - Qual bater-me! Eu sou lá homem que me bata! Eu cá, é a
soco. Que venha para cá, não tenho medo dele, arrombo-o...» (Os Maias, XV)
Recusar o desarmamento nuclear
unilateral do Ocidente
A ideia de que no contexto geopolítico
atual o Ocidente deveria desarmar-se unilateralmente, quando a Rússia ou a
China avançam com novos programas nucleares, é um disparate muito perigoso.
BRUNO CARDOSO REIS, Historiador e especialista em segurança
internacional
OBSERVADOR, 02 dez 2021
Em
janeiro de 2021, entrou em vigor um novo Tratado de Proibição das Armas
Nucleares. No
entanto, nenhuma potência nuclear se vinculou a este novo acordo. Pode-se perguntar o que tem Portugal a ver com
isso, pois não temos armamento nuclear ou um programa nuclear civil. Mas
somos parte de uma aliança defensiva – a NATO – que é, também, uma aliança
nuclear. E alguns partidos e movimentos, nomeadamente o PCP e os Verdes, vieram
levantar a questão, defendendo que Portugal devia comprometer-se com o novo
Tratado.
Para
citar Lenine, “o que fazer”?
Não sou, pessoalmente, grande fã do armamento nuclear. E imagino que poucos
leitores o sejam, apesar do encorajamento irónico de Stanley Kubrick no seu
filme clássico Dr. Estranhoamor para “pararmos de nos preocupar e
amarmos a bomba!” As mais de dez mil ogivas na posse das 9 potências
nucleares seriam capazes de destruir toda a humanidade e, provavelmente, toda a
vida na Terra. No entanto, a estratégia militar é o reino dos paradoxos. Este
enorme potencial destrutivo teve o efeito de tornar uma Terceira Guerra Mundial
um suicídio garantido. Daqui resultou um forte efeito de dissuasão que tornou
as armas nucleares um poderoso fator de paz ou, mais rigorosamente, de ausência
de grandes guerras.
Podemos, então, ficar descansados? Não. A racionalidade da dissuasão nuclear é muito
clara. Mas não faltam exemplos na história de guerras acidentais e de líderes
que não agiram de forma racional. Conhecemos alguns casos em que um
conflito nuclear poderia ter sido iniciado por engano. Por exemplo, em 1983, um
tenente-coronel soviético, Stanislav
Petrov, desobedeceu
às instruções que tinha, porque desconfiou – com razão – de um erro no sistema
de radar envelhecido que supostamente detectara um ataque nuclear dos EUA.
Este
Tratado de Proibição das Armas Nucleares, por muito ineficaz que seja, exprime uma frustração
bem real e compreensível de muitos países com a ineficácia do anterior Tratado
de Não-Proliferação Nuclear (TNP). O número de Estados com armas nucleares
praticamente duplicou desde a entrada em vigor desse tratado em 1970, com a Índia, o Paquistão e a Coreia do Norte a adquirirem esse tipo de armamento. E, provavelmente, a lista não está fechada. Mais, o Tratado de Não-Proliferação também compromete as 5 potências nucleares aí reconhecidas
a um compromisso sério de redução gradual do armamento nuclear, para o seu
estatuto não se transformar num privilégio exorbitante. Ora,
desde o início do século XXI, os avanços neste campo pararam. Hoje
assistimos, pelo contrário, a uma nova e perigosa corrida ao armamento nuclear.
Neste Mundo cada vez mais
conflituoso, os 30 Estados Membros da NATO beneficiam da chamada dissuasão
nuclear extensiva. Ou seja,
os EUA, em particular, ao abrigo do artigo 5º de tratado fundador da NATO,
estendem aos seus aliados uma garantia de segurança também nuclear. Portugal e
os demais países membros não-nucleares, por isso, devem – e têm – demonstrado
solidariedade com os seus aliados nucleares.
Em contrapartida, é de esperar que do lado da Administração Biden essa
preocupação com a coesão da Aliança Atlântica também se verifique. Efectivamente,
há rumores de uma alteração na postura nuclear dos EUA. Fala-se de uma declaração
norte-americana de “não-uso
em primeiro lugar” ou de “propósito único” relativamente ao seu arsenal
nuclear. Qualquer mudança a este nível deve passar por uma efectiva
consulta e real disponibilidade para ter em conta as preocupações dos demais
aliados. Uma
declaração de “propósito único” bem elaborada e adequadamente negociada para
reflectir as preocupações do resto da NATO poderia dar cumprimento a uma
promessa de Biden, aumentar a pressão para um indispensável diálogo entre
potências nucleares para travar esta nova corrida ao armamento e, ao mesmo
tempo, preservaria a coesão no seio da Aliança. Se, pelo contrário, depois da retirada do Afeganistão
e do AUKUS, e num campo tão delicado como o nuclear, assistirmos a um novo
episódio de unilateralismo de Biden – mesmo que num estilo mais diplomático
do que o de Trump – isso seria uma confirmação preocupante de que os
episódios anteriores não foram acidentais. E levantaria questões sérias sobre a
coesão da Aliança Transatlântica.
Em conclusão, ao contrário do que
defendem os comunistas portugueses, o nosso país não deve seguir o exemplo da Áustria, de Malta ou da Irlanda, os
únicos Estados da União Europeia, até ver, a assinar este novo tratado. Nenhum Estado membro da NATO o assinou. Na
verdade, e como de costume, este tipo de pressões e críticas apenas surge,
livremente, nos países ocidentais. A Rússia ou a China avançam com novos
programas nucleares a grande ritmo, sem liberdade de contestação interna. Essas e várias outras potências nucleares têm
recusado qualquer conversa séria no sentido de inverter estes novos
investimentos no seu arsenal. A ideia de que no contexto geopolítico actual
o Ocidente deveria desarmar-se
unilateralmente é um disparate muito perigoso (outro disparate muitíssimo perigoso – que ficará para
futuros textos – é a tendência, na Europa, para
colar às nossas indústrias de defesa a etiqueta de “socialmente danosas”!).
Isso só nos deixaria vulneráveis à chantagem nuclear de potências agressivas
que desprezam os nossos interesses e os nossos valores, em nada contribuindo
para um Mundo mais pacífico ou sem armas nucleares.
Bruno Cardoso Reis (no twitter:
@bcreis37), historiador, é um dos comentadores residentes do Café Europa na Rádio
Observador, juntamente com Henrique Burnay, Madalena Meyer Resende e João Diogo
Barbosa. O programa vai para o ar todas as segundas-feiras às 14h00 e às 22h00.
CAFÉ
EUROPA UNIÃO
EUROPEIA EUROPA MUNDO ARMAMENTO
NUCLEAR DEFESA OCIDENTE NATO
COMENTÁRIOS:
maria ribeiro: A "direita nacionalista" dos países americanos pretende o apoio
da Rússia e da China para equilibrar o domínio americano. O Brasil está a
estreitar os laços com os BRICS, mas o patrão não vai facilitar. A
"direita" europeia continua anti-soviética como no tempo da URSS.
Há armas
nucleares a mais, não é essa a questão, mas a dos veículos de lançamento e detecção.
As armas estratégicas dificilmente serão usadas (DMG destruição mútua
garantida) mas as armas tácticas poderão ser usadas destruindo as cidades do
Norte da Europa, que é a principal ameaçada nestes jogos geopolíticos
António Bernardino: Desarmar o Ocidente!!!! Estas
ideias partem sempre da esquerda. Porque será? PortugueseMan:...A ideia de que no contexto geopolítico actual o
Ocidente deveria desarmar-se unilateralmente, quando a Rússia ou a China
avançam com novos programas nucleares, é um disparate muito perigoso...
Não é nada
feliz este artigo. Quem diz que o Ocidente se deveria desarmar unilateralmente?
O objectivo deste tipo de
tratados é e sempre foi, limitar o armamento nuclear e pelo menos não termos
mais países a seguir o nuclear. O Ocidente tem milhares de ogivas e não precisa de
mais países que enveredam por esse caminho. Até deveríamos estar a reduzir o nº
de ogivas. Nós (o Ocidente) e a Rússia. Quanto aos novos programas nucleares da Rússia e
China. A Rússia está a MODERNIZAR o seu arsenal. Não está a AUMENTÁ-LO. E a China, na perspectiva das
milhares de ogivas que tanto os EUA e Rússia têm, é difícil argumentar para que
eles não cheguem à paridade, quando se sentem ameaçados. Não gostei de manipulação de
informação que me parece até bastante enganadora sobre aquilo que se pretende
do tratado e a ideia de desarmamento unilateral do Ocidente, coisa que
não é tema. Tema será países não nucleares não enveredarem por esse caminho.
O tema deve ser debatido entre
países da NATO? deve. A UE é uma potência nuclear. Chega o que temos? Se calhar deveria ser
pensado/debatido. António
Bernardino > PortugueseMan: Porque a China se deve armar
com armas nucleares? A mais nenhum país devia ser permitido entrar no clube
nuclear. PortugueseMan
> António Bernardino: Todos os membros permanentes da
ONU têm armas nucleares. A China simplesmente está a aumentar o seu arsenal. E quem lhes pode apontar o
dedo, quando os americanos e russos têm milhares de ogivas? Temos duas maneiras de fazer
isto, ou os americanos e russos reduzem os seus arsenais, ou a China duplica ou
triplica o que tem e mesmo assim vai continuar a ter muito menos que eles. bento guerra: O armamento nuclear tem de
continuar a ser desenvolvido - para nunca ser usado. Vando Andrade: Deixar China e Rússia como
únicas potências nucleares… mais valia coroar já o Presidente chinês como novo
imperador do Mundo
César Fernando Diniz das Neves: O "senhor" ainda não
conseguiu perceber que a arma atómica é a Linha Maginot do século XXI?
Olhe que devia.... E é fácil perceber: é que se
alguém se atrever a lançar uma bomba atómica sobre quem quer que seja, por mais
pequeno que seja, o agressor pode estar certo que dois dias depois os seus
habitantes estão a desfazer-se em sangue e trampa. De modo que seria bom que
o "senhor" virasse a agulha, e passasse a defender que os triliões
gastos em bombas fossem utilizados no criar de condições que permitam a
qualquer criança que nasça neste planeta igualdade de oportunidades. Percebeu? Duvido. António Bernardino > César Fernando Diniz das
Neves: Errado, o seu raciocínio está completamente errado,
mas como está embotado pelo esquerdismo bacoco, você não tem capacidade para
compreender. Américo
Silva: O que é o
Ocidente? Os Estados unidos não param o desenvolvimento nuclear, controlo por
satélites, mísseis hipersónicos, armas nucleares tácticas. A França, torpedeada
pelos aliados e pela CIA, a Alemanha, protectorado, a Inglaterra come restos. Alguidar De Henares: O autor ainda não percebeu que
o Ocidente já há muito que perdeu a “guerra”com a China? E não foi por
armamento e desarmamento. Fomos traídos pelos nossos próprios líderes que
têm vindo a destruir e desmantelar todos os valores Ocidentais. As
próximas gerações vão ser escravos dos Chineses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário