A maldade humana. Desde
sempre. Para sempre.
Elie Wiesel, o Tzadik
Da noite dos seus quinze anos, Wiesel
tirou uma força pouco comum. A de testemunhar não só pelos mortos do seu
próprio povo mas por todas as vítimas da opressão, do sofrimento e da
injustiça.
ESTHER MUCZNIK
OBSERVADOR, 04 jul 2016, 21:4422
Terá sido Elie
Wiesel, um Tzadik, um dos trinta e seis Justos que, segundo uma antiga
lenda talmúdica, salvam o mundo em cada geração? Nunca o
saberemos porque, segundo a mesma lenda, ninguém
os conhece e eles próprios ignoram que é a sua presença que mantém a Criação. O que
sabemos de Elie Wiesel é que foi e permanecerá a eterna testemunha do
Holocausto, assombrado pela memória, atormentado pela injustiça, obcecado pela
interrogação permanente: como foi possível?
Elie Wiesel sobreviveu a Auschwitz-Birkenau, e aos seus campos de
trabalhos forçados de Monowitz/Buna, e finalmente a Buchenwald, “capitais
nocturnas de um reino estranho, imenso e intemporal onde, soberana, a morte
terá tomado o rosto de Deus assim como os seus atributos sobre o céu e sobre a
terra, até mesmo no coração dos homens”. Tinha 15 anos e viu serem
engolidos pelas trevas a mãe, o pai, e uma irmã. A matrícula A-7713 ficará
sempre gravada a fogo na sua alma: toda a sua obra será inspirada por esse ano
maldito, embora apenas um livro, A Noite, escrito
em 1958, narre o seu itinerário pessoal nos campos nazis e a
morte do pai.
No mundo dos sobreviventes, Wiesel
ocupa um lugar aparte. Nascido em
Sighet, pequeno burgo judaico da Transilvânia nas montanhas dos Cárpatos, toda
a sua infância é ritmada pela vivência tranquila do shtetl — essas aldeias de maioria judaica do leste europeu –, em
conversação permanente com Deus: primeiro no Heder, a escola primária
judaica, mais tarde na Yeshiva, academia de estudos talmúdicos onde estuda a
Torá e o Talmude, embalado pelos contos e lendas hassídicas, sempre narradas em
Iídiche. A criança que acompanhando a sua comunidade chorava a
destruição do Templo e se iniciava nos mistérios da Cabala, como forma de
apressar a vinda do Messias, descobre brutalmente o Mal absoluto
e não esquecerá: “Não
esquecerei nunca esses instantes que assassinaram o meu Deus e a minha alma, e
os meus sonhos que tomaram o rosto do deserto”.
O
seu rosto atormentado, os sulcos que retalham as suas faces, dizem-nos o que
foi a sua vida: um combate permanente contra o esquecimento, essa “segunda
morte”, uma batalha incessante contra a injustiça, um questionamento
interminável. Como grande parte dos sobreviventes, Elie Wiesel sentia-se de alguma forma culpado por ter
sobrevivido: Porquê eu?
Porquê eu que nada fiz para o merecer? Desse questionamento angustiado
nasce a determinação de ser a voz dos que já não estão, dos que beberam o
cálice até ao fim. Mas não só. Da noite dos seus quinze anos, Wiesel tirou uma
força pouco comum. A de testemunhar não só pelos mortos do seu próprio povo mas
por todas as vítimas da opressão, do sofrimento e da injustiça. Auschwitz,
crime único, atroz e sem perdão, é também, do seu ponto de vista, uma
advertência à humanidade … E o Judeu, como expressão da condição humana levada ao
extremo.
Elie
Wiesel foi toda a vida apoiante de Israel, embora se considerasse sempre como
um judeu da Diáspora e um sionista religioso: “Não moro em Jerusalém, mas Jerusalém vive
em mim”. Na sua entrevista a Brigitte Fanny Cohen, confessa no
entanto ter algum sentimento de
culpabilidade em relação a Israel. “Sinto-me
incompleto porque não vivo lá”. Para
ele, Israel incarnava o destino judaico constantemente sob ameaça de
destruição: em 1967, quando as feridas do Holocausto ainda sangravam e o mundo
judaico revivia o temor do extermínio, Wiesel vai a Israel em plena guerra como
forma de expressar a sua solidariedade profunda.
Para um homem profundamente religioso
como era Wiesel antes do Holocausto, o “silêncio de Deus” na época é uma
questão lancinante que percorre muitos dos seus livros. Mas esta questão nunca é resolvida pela perda da fé. Para Wiesel
a dúvida resolve-se pelo
questionamento, pelo debate intimo, através da conversação milenária que os
judeus entretêm com Deus. Antes do Holocausto, a religião era
para ele aceitação; depois de Auschwitz é sinónimo de revolta. À boa maneira judaica, no seguimento de
Abraão, Moisés ou Job, o dialogo com o divino inclui a discussão, o afrontamento e desafio: Acreditar
em Deus, apesar de Deus; “Só o homem que sabe reconhecer o Deus oculto pode exigir
a sua “desocultação”, escreveu Levinas. Wiesel subscreve: “Com ou contra Deus,
mas nunca sem Ele”.
Numa conferência dada em Nova Iorque
em 1975, publicada por Brigitte F. Cohen, Wiesel conta que um dos trinta e seis justos fora a Sodoma tentar
salvar os seus habitantes do pecado e do castigo. Andara noite e dia por toda a
cidade pregando contra a avidez e o roubo, a mentira e a indiferença – em
particular contra a indiferença. Mas ninguém o ouvia e o mal continuava a ser
perpetrado, até que uma criança, com pena dele, perguntou-lhe: “Pobre
estrangeiro, porque gritas? Dia após dia, ouço-te, vejo-te, e ninguém te
escuta, ninguém te liga. Não vês que é sem esperança? “Eu sei”, responde o
justo: “No início eu acreditava que podia mudar os homens. Mas hoje sei que não
o conseguirei. E se grito ainda hoje, se grito com uma convicção ainda maior,
com mais fervor, é para que os homens, a mim, não me possam mudar.” Quem
sabe, talvez Elie Wiesel tenha sido o Justo da Sodoma dos nossos dias
HOLOCAUSTO HISTÓRIA CULTURA OBITUÁRIO
SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
Utilizador Removido,20/07/2018: Li a "noite" e fiquei com uma dúvida sobre a
parte final desta obra onde Wiesel refere que ele e o seu pai decidiram, em
janeiro de 1945, acompanhar voluntariamente os carrascos dos nazis para campos
de concentração, mais a oeste (Buchenwald), no território da Alemanha, em
vez de aguardar a chegada dos libertadores soviéticos que chegariam poucos dias
depois. Situação tanto mais insólita uma vez que Wiesel estaria ferido num pé e
teria dificuldade em andar. Fernando Fernande, 06/07/2016: É um prazer ler o seu escrito e
seus livros. Parabéns! Man Jean-Pierre Thiran 05/07/2016: Esther
Mucznik em mais uma ladainha Judia...em geral, fazem o papel de vítimas...mas o
que importa sublinhar hoje é que os Judeus fazem aos Palestinianos à décadas é
uma versão Light do gueto de Varsóvia - está lá tudo - o confinamento, as
humilhações, as rusgas, as invasões e destruições de casas, o estrangulamento
económico e a fome, as expropriações e até a tortura de jovens ou o seu
assassinato em plena luz do dia (bem documentado na Internet) - o Estado
Judaico está ao orgulho das SS...mas se lhe restam dúvidas aqui vai um
testemunho de um Judeu lúcido e integro
!...https://www.youtube.com/watch?v=P-QNP4Zw-KQ SAAda SA > Jean-Pierre Thiran
05/07/2016: Os judeus são uns mauzinhos, que fazem tudo isso apenas
porque querem e podem, nada mais. São terríveis. jorge pichel > SAAda SA 05/07/2016:
Não os judeus. Os sionistas que são uma religião
fundamentalista e extremista que não hesita em actos de terror como foi o caso
da matança de Gaza. Jean-Pierre Thiran > SAAda SA 05/07/2016: cresce
a aparece SAAda
SA > Jean-Pierre Thiran, 05/07/2016:
Ai que
medo! SAAda SA > jorge pichel, 05/07/2016: É isso, claro. Um horror. jorge pichel,
04/07/2016: Messianismo genocida israelense mergulha infelizmente
as suas raízes no discurso dos antepassados remotos. O livro de Josué conta o
que os hebreus deveriam fazer após atravessar o Jordão: «Yahvé, o teu Deus,
escolheu-te como povo especial, mais do que todos os povos da Terra (cap.7,
versículo 6). E eles destruíram a fio de espada tudo o que existia na cidade:
homens e mulheres, jovens e velhos, mesmo os bois, as ovelhas e os burros
(cap,8,versículos 24 e 26).O movimento de condenação da chacina de Gaza que
alastra pelo mundo justifica-se plenamente. Miguel Carvalho 05/07/2016: "A de testemunhar não só
pelos mortos do seu próprio povo mas por todas as vítimas da opressão, do
sofrimento e da injustiça". Desde que não sejam palestinianos, não é D.
Ester? Esses podem ser bombardeados e morrer aos milhares, sempre que o
Netanyahu acorda mal disposto, com o apoio entusiasmado do povo de Israel. SAAda SA > Manuel Carvalho, 05/07/2016: É isso, pá, os palestinianos
são bombardeados porque o tipo acorda mal-disposto. Pois, porreiro, ainda bem
que ficamos todos esclarecidos. Manuel Carvalho > SAAda SA 05/07/2016: Se o Netanyahu fosse o líder
de um qualquer país africano, já tinha apanhado 30 anos de cadeia no TPI. Em
2014, Israel bombardeou Gaza e matou mais de 500 crianças, num total de 2079
palestinianos, Fernando
Fernandes > Manuel Carvalho 06/07/2016:
Pouco conhecimento do que fala. josé maria, 04/07/2016: Os judeus sofreram os horror do Holocausto. E deveriam
tirar dessa terrível e trágica experiência alguma elementar lição de
Humanidade. Mas não. Ao colocarem os palestinianos no gueto de faixa de Gaza,
estão a incorrer num comportamento similar ao dos nazis, quando encerraram os
judeus no pavor do gueto de Varsóvia. SAAda SA josé maria 05/07/2016:
Tem mesmo tudo a
ver. Que bom saberes isso e compartilhares connosco. Antepassados no NKVD, rapaz, 04/07/2016:
Foi uma das vítimas da barbárie
nazi. Mas depois tornou-se apoiante de outra barbárie semelhante à nazi, a
barbárie sionista. Merece o nosso reconhecimento pela primeira parte da sua
vida. Mas não o merece pelo que depois se tornou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário