No café do piso inferior ao do meu
apartamento, falámos ocasionalmente – o meu filho Luís e eu – da vaga experiência
que ele teve na sua tropa, que suponho não chegou a três meses. Por espírito de
emulação com o seu pai, que fora paraquedista em Angola, quis seguir as tropas
paraquedistas, embora, com a independência das colónias, o serviço militar já
não fosse mais obrigatório por cá. O certo é que o Luís não aguentou os três
meses de recruta. E quando viu o bárbaro castigo impingido por um dos chefes a
um seu colega, que o fez bater com a testa num ferro, com a pancada que levou
no pescoço, além de outros mimos de que ele próprio foi vítima, o Luís
despediu-se, ao fim dos três meses de recruta, ou mesmo antes disso, por ter
caído desmaiado, aquando de uma corrida. Os meus filhos, de resto, falam do
rigor da tropa, embora tenham conservado as suas amizades, sobretudo o João,
que não dispensa os almoços anuais com os companheiros da sua tropa. A narrativa
foi pretexto para se condenar a estupidez da violência imposta, que já provocou
por cá até acidentes mortais, casos de crime, e comparámos com a atitude também
rígida da polícia, mais desculpável, todavia, pois que estes dão o corpo ao
manifesto, sujeitos a violências dos desacatos que pretendem evitar. Julgo que
o episódio vem na linha da citação de Bento Mântua feita pelo Dr. Salles, hoje, a respeito da perda momentânea de
vontade própria com a entrada numa tropa de comando brutal, ponto de vista que
o Dr. Salles contesta.
Eu vou mais na linha do pensamento de Bento Mântua, ciente da prepotência de que se arroga quem
tem, eventualmente, a faca e o queijo na mão. É dos livros. É da História. É da
experiência da vida, quando faltam os princípios do respeito de quem se julga
superior, tantas vezes sem o ser…
Mas o Dr. Salles foi um patriota, tal
como foram os muitos do antigamente e não resisto a citar novamente a sua bela
frase:
«Se assim for, o homem aceita o
número como um complemento anódino do seu nome, assume a missão colectiva como
um compromisso da sua própria vontade e reconhece na hierarquia os dotes
inerentes a um Comando de qualidade».
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 22.12.
21
…
Bento Mântua: «O homem,
quando entra para o Regimento, perde a sua personalidade. Começa por trocar um
nome por um número, deixa de ter vontade própria para passar a ser um autómato,
um instrumento da vontade dos que se dizem superiores».
In «PAZ, GUERRA E FORÇAS ARMADAS», Óscar Gomes da Silva, DG Edições, Janeiro de 2019, pág. 18
Mas (e há sempre outras versões), tudo depende…
Da
qualidade do comando próximo que ou trata o homem como homem ou o trata como
carne para canhão;
Do
sentido de missão induzido pelo comando do Regimento;
Do
sentido de missão absorvido pelo homem;
Da
solidariedade inerente ao espírito de corpo.
Se assim for, o homem aceita o número como um complemento anódino do seu
nome, assume a missão colectiva como um compromisso da sua própria vontade e
reconhece na hierarquia os dotes inerentes a um Comando de qualidade.
Foi
desta «tropa» que me coube e que cumpri com muita honra a bem da Nação.
Tags: "da minha biblioteca"
Anónimo 22.12.2021: Também foi essa tropa que tive, sem nunca me sentir
autómato ou mera carne para canhão. Santo Natal e Ano Novo muito abençoado.
Manuel José z Guedes Bieira
NOTA DA INTERNET:
Bento Mântua: Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Bento Mântua (Luanda, 26 de Setembro de 1878— Lisboa,
18 de Dezembro de 1932) foi um dramaturgo e escritor português e
o 10.º presidente do Sport Lisboa e Benfica (1917-1926).
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