quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Opinião controversa


No café do piso inferior ao do meu apartamento, falámos ocasionalmente – o meu filho Luís e eu – da vaga experiência que ele teve na sua tropa, que suponho não chegou a três meses. Por espírito de emulação com o seu pai, que fora paraquedista em Angola, quis seguir as tropas paraquedistas, embora, com a independência das colónias, o serviço militar já não fosse mais obrigatório por cá. O certo é que o Luís não aguentou os três meses de recruta. E quando viu o bárbaro castigo impingido por um dos chefes a um seu colega, que o fez bater com a testa num ferro, com a pancada que levou no pescoço, além de outros mimos de que ele próprio foi vítima, o Luís despediu-se, ao fim dos três meses de recruta, ou mesmo antes disso, por ter caído desmaiado, aquando de uma corrida. Os meus filhos, de resto, falam do rigor da tropa, embora tenham conservado as suas amizades, sobretudo o João, que não dispensa os almoços anuais com os companheiros da sua tropa. A narrativa foi pretexto para se condenar a estupidez da violência imposta, que já provocou por cá até acidentes mortais, casos de crime, e comparámos com a atitude também rígida da polícia, mais desculpável, todavia, pois que estes dão o corpo ao manifesto, sujeitos a violências dos desacatos que pretendem evitar. Julgo que o episódio vem na linha da citação de Bento Mântua feita pelo Dr. Salles, hoje, a respeito da perda momentânea de vontade própria com a entrada numa tropa de comando brutal, ponto de vista que o Dr. Salles contesta.

Eu vou mais na linha do pensamento de Bento Mântua, ciente da prepotência de que se arroga quem tem, eventualmente, a faca e o queijo na mão. É dos livros. É da História. É da experiência da vida, quando faltam os princípios do respeito de quem se julga superior, tantas vezes sem o ser…

Mas o Dr. Salles foi um patriota, tal como foram os muitos do antigamente e não resisto a citar novamente a sua bela frase:

«Se assim for, o homem aceita o número como um complemento anódino do seu nome, assume a missão colectiva como um compromisso da sua própria vontade e reconhece na hierarquia os dotes inerentes a um Comando de qualidade».

 

CITANDO...

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO,  22.12. 21

… Bento Mântua: «O homem, quando entra para o Regimento, perde a sua personalidade. Começa por trocar um nome por um número, deixa de ter vontade própria para passar a ser um autómato, um instrumento da vontade dos que se dizem superiores».

In «PAZ, GUERRA E FORÇAS ARMADAS», Óscar Gomes da Silva, DG Edições, Janeiro de 2019, pág. 18

Mas (e há sempre outras versões), tudo depende…

Da qualidade do comando próximo que ou trata o homem como homem ou o trata como carne para canhão;

Do sentido de missão induzido pelo comando do Regimento;

Do sentido de missão absorvido pelo homem;

Da solidariedade inerente ao espírito de corpo.

 

Se assim for, o homem aceita o número como um complemento anódino do seu nome, assume a missão colectiva como um compromisso da sua própria vontade e reconhece na hierarquia os dotes inerentes a um Comando de qualidade.

Foi desta «tropa» que me coube e que cumpri com muita honra a bem da Nação.

Tags: "da minha biblioteca"

 COMENTÁRIOS

 Anónimo  22.12.2021: Também foi essa tropa que tive, sem nunca me sentir autómato ou mera carne para canhão. Santo Natal e Ano Novo muito abençoado.
Manuel José z Guedes Bieira

 

NOTA DA INTERNET:

Bento Mântua: Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Bento Mântua (Luanda, 26 de Setembro de 1878— Lisboa, 18 de Dezembro de 1932) foi um dramaturgo e escritor português e o 10.º presidente do Sport Lisboa e Benfica (1917-1926).

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