domingo, 19 de dezembro de 2021

Não foi glorioso


Lembro-me, pelo contrário, de que foi dramático, lá por Moçambique. Grotesco, também. Tive colegas e amigos goeses, nos tempos do liceu, os rapazes mais nas correrias, as moças no basebol e no vólei e mais tarde colegas indianas foram parceiros de profissão. Por seu lado, também tínhamos amigas - de troca de receitas culinárias entre a minha mãe e as belas indianas com os seus saris vistosos. Foi dramático e apalhaçado, eu tinha retornado a Moçambique, nesse ano, onde iria leccionar, e senti, naturalmente, o descalabro da situação, com campos impostos, de refugiados (de Nehru), suponho que como forma de “retaliação” imposta pelo nosso governo, coisa que me deu engulhos de vergonha - todavia, de curta duração, os tais campos, de que o governo indiano da força socialista naturalmente imporia a ineficácia. Mas o texto do Dr. Salles veio recordar tudo isso, que o tempo tende a ultrapassar. De resto, não perturbará ninguém, essa tentativa patriótica do Dr. Salles de atrair a questão da “India portuguesa” para esses patrimónios, nesta altura em que os próprios cozinhados podem figurar como participantes na universalidade patrimonial…

Recordando: Texto da Internet:

EFEMÉRIDE | ÚLTIMO COMBATE NAVAL NA ÍNDIA PORTUGUESA

18/12/2020

A 18 DE DEZEMBRO DE 1961 DEU-SE A INVASÃO DOS TERRITÓRIOS DE GOA, DAMÃO E DIU, POR PARTE DE FORÇAS DA UNIÃO INDIANA, DURANTE A QUAL SE DESENROLARAM OS COMBATES ONDE INTERVIERAM A LANCHA DE FISCALIZAÇÃO VEGA E O AVISO AFONSO DE ALBUQUERQUE. A ACÇÃO DESTES NAVIOS E DAS SUAS GUARNIÇÕES FICARAM PARA SEMPRE LIGADOS ÀQUELES QUE FORAM OS ÚLTIMOS COMBATES NAVAIS DA MARINHA PORTUGUESA NO ORIENTE.

Desde a sua independência, em 1947, que a União Indiana reclamava a integração de Goa, Damão e Diu, o Estado Português da Índia, alegando que os mesmos constituíam o prolongamento natural do seu território. No entanto, esta posição foi rebatida por Portugal, uma vez que considerava aqueles territórios possuidores de identidade cultural, social e religiosa própria, afirmando os seus direitos e soberania sobre os mesmos.

As posições irredutíveis por parte dos dois países quanto à soberania sobre estes territórios, cedo afastaram a possibilidade de resolução pacífica para o conflito, ainda que o caso tivesse sido objecto de apreciação pelo Tribunal Internacional de Justiça. Registou-se assim o aumento da tensão política e militar nos territórios portugueses, os quais, mantendo-se sob soberania portuguesa, constituíram uma ameaça à coesão e integridade da União Indiana e ao seu projecto de uma grande Índia, una e indivisível.

Nas primeiras horas do dia 18 de dezembro de 1961, um enorme dispositivo militar indiano, com meios navais, terrestres e aéreos, iniciou a invasão simultânea dos territórios de Goa, Damão e Diu, ditando assim o fim, após 426 anos, da presença Portuguesa no subcontinente indiano.

A proposta do Dr. Salles

«LACRIMOSA»

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA               A BEM DA NAÇÃO, 18.12.21

18 DE DEZEMBRO DE 1961         Morte do Estado Português da Índia

Os efectivos militares portugueses em Goa, Damão e Diu nos finais de 1961 eram de 3500 homens[1] com armamento obsoleto, sem apoio aéreo e com presença simbólica da Marinha.

O então Tenente (mais tarde, General) Mário de Jesus Silva relata no seu livro «O sortilégio da cobra – descolonização obrigatória» que os poucos armamentos menos obsoletos foram retirados de Goa nos inícios de 1961 e enviados para Angola, «pérola» a salvaguardar a todo o custo, por ordem do então Subsecretário de Estado do Exército (?) Coronel (mais tarde, Marechal) Francisco da Costa Gomes. Com apoio aéreo e naval, as forças terrestres invasoras contavam com 45 mil efectivos mais 25 mil de reserva e um «back support» que ultrapassava o milhão.

Não farei aqui um tratado sobre os condicionalismos estratégicos e tácticos duma putativa luta pela posse militar do território de Goa, do de Damão e muito menos do de Diu, mas resumo que o fim do Estado Português da Índia resultou da decisão da invasão militar indiana e da decisão portuguesa de não opor resistência.

A esterilidade da discussão sobre se se tratou de uma invasão ou de uma libertação é ultrapassável pela evidência militar da invasão ficando a libertação para perspectiva dos sathiagrahis.

Efeméride com 60 anos, tantos quantos em Portugal suportámos o jugo filipino. Mas…

Contudo, foram quase cinco séculos de vida em comum e se não faz mais qualquer sentido pensar em neocolonialismos, colhe, isso sim, alcandorar a riquíssima Cultura Indo-Portuguesa a Património da Humanidade.

18 de Dezembro de 2021             Henrique Salles da Fonseca

 [1] - in «A queda da Índia Portuguesa», Cor. Carlos Alexandre Morais - informação bibliográfica fornecida pelo Coronel Pedro Calado Gomes da Silva

Tags: história

COMENTÁRIOS:

 ANÓNIMO  18.12.2021: Dr Henrique. Concordo com o que diz. Quando eu quis dizer o mesmo penso que não foi de agrado de muitos. Lembro me que nessas alturas o Timor Holandês estava para ser invadida pela Indonésia . Mas a Holanda, um país com recursos militares razoáveis, pôs a Indonésia nos eixos- Amândio Coelho Pereira, Dr Bombaim        ANTÓNIO JOSÉ BARATA ALVES CAETANO  18.12.2021: Querido Amigo, Nunca as mãos lhe doam! Pessoalmente, tenho memória viva desse "instante"! Forte abraço do muito amigo e admirador António Alves Caetano (já estou a dar a 91ª volta ao Sol!)         ANÓNIMO  18.12.2021: Excelente ideia a tua, Henrique, de alcandorar a Cultura Indo-Portuguesa a Património da Humanidade. Com efeito, já houve Requiem suficiente ao longo destes anos. Creio que já escrevi, a título de comentário, no teu Blog, que no início da década de 90, quando eram Primeiro-Ministro o Prof. Cavaco Silva e Presidente da República o Dr. Mário Soares, foi encerrado um dossier de contencioso com a Índia, que se materializou na devolução aos legítimos donos de objectos que estavam depositados ou dados de penhor, no BNU na Índia, aquando da invasão, e que a Filial do Banco, liderada pelo Senhor Anastácio, transferiu esses bens, bem como tudo o que tivesse valor e fosse suscetível de transferir. para Lisboa. O Banco encarregou dessa tarefa de devolução o Director, Senhor Anastácio. Aliás, o Museu de Arte Antiga promoveu há alguns anos (poucos) uma exposição sobre este evento, ainda o Senhor Anastácio era vivo. Abrangendo a Cultura Indo-Portuguesa tantos aspetos, desde a arquitectura até à língua, passando, designadamente, pela pintura, mobiliário, escultura, ourivesaria, literatura, música, culinária, põe-se a questão da constituição de uma task-force, devidamente liderada, que leve a “carta a Garcia”. Vejo, para este efeito, entidade públicas e privadas, pessoas coletivas e singulares, devidamente credenciadas e qualificadas. Vêm-me à ideia o Instituto Camões, a Fundação do Oriente (não estou certo se a Índia está no seu scope) e a Universidade Católica Portuguesa (esta por ter promovido a publicação, segundo vi na internet, em agosto de 2015, no âmbito da Colecção Estudos e Documentos 21, de “Portugal-Índia. Da herança portuguesa à Índia dos nossos dias”, com a coordenação de Artur Teodoro de Matos e Guilherme Oliveira Martins”). Outra entidade possível, seria a CGD, atendendo a que absorveu o BNU. Por coincidência, este Banco diligenciou, em 1995, a publicação de um belo livro intitulado “Palácio de Goa. Modelos e Tipologias de Arquitetura Civil Indo-Portuguesa”, de Helder Carita e edição da Quetzal. É óbvio que para o projeto avançar tem de haver o concurso da Índia e de entidades locais, mas isso seria tarefa do Ministério dos Negócios Estrangeiros e também do Ministério da Cultura.
Poderia acompanhar-te, Henrique, nestas tarefas iniciais se não fosse a minha actual situação, que é do teu conhecimento. Mas certamente que, se pensares ir com a tua ideia avante, não faltarão pessoas interessadas em te auxiliar a
desbravar o caminho, o qual será certamente longo, mas não necessariamente penoso
. Abraço. Carlos Traguelho            Henrique Salles da Fonseca  19.12.2021  14:27: Obrigado, Carlos, pelo douto comentário prenhe de perspectivas positivas. Precisamente por causa dos problemas de saúde de que uns outros vamos padecendo, creio fundamental que o assunto da elevação da Cultura Indo-Portuguesa a Património da Humanidade seja liderado mais por Instituições do que por pessoas. Mas sem pessoas, não há Instituições e por isso sugiro que tentemos agendar um encontro nos inícios de 2022 com o Carlos Monjardino, Presidente da Fundação Oriente.            Adriano Miranda Lima  18.12.2021  19:04: Não sei se, a nível do governo, houve efectivamente decisão de não opor resistência ao invasor indiano. Segundo documentos e testemunhos disponíveis, Salazar parece que esperava uma resistência, mesmo que calculadamente simbólica, mas que devia representar um número suficiente de baixas que causasse algum impacto na opinião pública internacional. O certo é que o governador e comandante-chefe militar, general Vassalo e Silva, é que tomou a decisão de não sacrificar inutilmente vidas humanas só para satisfazer o capricho político de Oliveira Salazar. Esta atitude custou-lhe ser expulso do exército. Resta a memória das marcas indeléveis da cultura indo-portuguesa que floresceu naquelas longínquas paragens.                Henrique Salles da Fonseca  19.12.2021  16:25: Do livro do Coronel Carlos Alexandre de Morais que cito em nota de rodapé, se extrai que os (poucos) praças da nossa escassa guarnição militar estavam equipados com espingardas Kropashek (dúvida ortográfica) adquiridas na década de 70 do séc. XIX e as Mauser estavam obsoletas desde os finais da II Guerra Mundial.  Do livro do General Jesus Silva se extrai que em Goa havia 2 (ou 3?) autometralhadoras de modelo que não retenho na memória mas que se o então Coronel Costa Gomes lhes visse utilidade, por certo as teria enviado para Angola. Ou seja, tínhamos o equivalente a umas fisgas de ir aos pardais. O desarmamento foi intencional e todos os discursos políticos não passaram de bravata. As punições de militares foram uma bravata fardada.                          Henrique Salles da Fonseca  19.12.2021  18:22: O autor esqueceu-se de mencionar, ao dizer "que o fim do Estado Português da Índia resultou da decisão da invasão militar indiana e da decisão portuguesa de não opor resistência", quem foi que decidiu não opor resistência (o que seria um massacre total da guarnição portuguesa e não só!!!...). Essa decisão não partiria nunca de Salazar, até porque na (sua) Constituição Portuguesa de 1933, havia um parágrafo único de um artigo (o 1º?) em que se dizia que "Portugal não abdicaria dos direitos de posse do seu actual território ou de outros que pudesse vir a ter"... De quem partiu? Do lúcido governador português general Vassalo e Silva!!! (em Portugal, carinhosamente apelidado general Vacila e Salva!). O seu gesto valeu-lhe o fim da sua carreira, porque não cumpriu as ordens de Salazar para que lutassem até à morte. Irmão da grande Maria Lamas, foi expulso das forças armadas e apenas foi reentegrado após a Revolução dos Cravos (o 25 de Abril de 1974). Curiosamente, ainda não vi citados conflitos anteriores... Graça Cravinho (PHD)


 

 

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