Uma bonita – sincera – homenagem, de Maria João Avillez, a alguém
que admirou e estimou. Um belo quadro, onde entram sentimentos de amizade e
admiração, e uma vez mais o espanto subentendido que é o de todos nós perante o
definitivo da morte. Lembrei-me do soneto de Francisco de Vasconcelos, como homenagem a algo de belo que foi
vivo - como reconhecimento pelo texto de MJA, e da pessoa que descreve – texto que, afinal, na
beleza do seu descritivo saudosista, repõe o trágico da absurda condição humana,
tal como o sempre belo soneto barroco – este, todavia, de um delírio retórico
admirável de revolta, ductilmente trabalhada embora, no seu jogo contraditório.
À morte de F.
Esse jasmim, que arminhos desacata,
Essa aurora, que nácares aviva,
Essa fonte, que aljôfares deriva,
Essa rosa, que púrpuras desata;
Troca em cinza voraz lustrosa prata,
Brota em pranto cruel púrpura viva,
Profana em turvo pez prata nativa,
Muda em luto infeliz tersa escarlata.
Jasmim na alvura foi, na luz Aurora,
Fonte na graça, rosa no atributo,
Essa heróica deidade que em luz repousa.
Porém fora melhor que assim não fora,
Pois a ser cinza, pranto, barro e luto,
Nasceu jasmim, aurora, fonte, rosa.
Quanto a outras questões postas nos comentários,
algumas de argúcia hílare, acho que devemos muito a MJA, não só pela beleza dos seus escritos, como pela
clareza e coragem do seu comentário crítico - e que um ou outro desabafo
sentido, ainda que traduzindo por vezes em ego narcisista, perfeitamente
aceitável, não mancha de modo algum a sua perspicácia analítica - para que se
torne alvo dessas antipatias machistas bastante pedantes.
Outros Natais (1)
A doença foi uma mochila que Leonor Xavier nunca
entregou a ninguém. Foi uma escolha: levou-a às costas, sozinha, anos e anos.
Recatadamente e em silêncio. Admirável, sim.
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 16
dez 2021
1Contam-se
pelos dedos momentos revestidos desta densidade. A morte leva a vida a
proporcionar-nos o fruir de ocasiões que de imediato percebemos raríssimas de
tal modo elas nos podem confundir. A valsa da morte e da vida não fazem senão
confundir-nos. Mas é preciso apanhar esse voo mesmo que saibamos como são
inalcançáveis os voos da despedida, com os seus misturados fragmentos de luto,
de memória, de celebração, de tributo e foi isso mesmo que ocorreu ali na
Capela do Rato, anteontem, numa dignidade recolhida de lágrimas silenciosas. E
da saudade da Leonor Xavier, arrancada ao coração de cada um dos que ali se haviam
juntado. Um grande momento. Capaz de operar a transformação da morte, em vida.
Vida celebrada.
Uma
despedida que também coube na vibração lamentosa da voz de Francisco Rebelo de Andrade. Que grito de consolação triste naquela voz fora deste
mundo.
2José
Tolentino de Mendonça serviu a palavra como Bach servia a música. Arrebatador e profundíssimo. Ou como Mozart e Haydn
escreviam missas, roçando o transcendente. A Leonor há-de ter gostado de ouvir.
Que dom. O sacerdote-poeta José Tolentino interpela-nos justamente porque
percebemos que enquanto connosco partilha o seu verbo, está ao mesmo tempo a
conversar com Deus através do mais verosímil dos intermediários. O único que
confere inspiração, desafio e graça, apesar de se dizer que o Espírito só sopra
quando quer. E sabendo nós – como bem sabemos, aliás – que o cardeal
Tolentino tem o Divino Espírito Santo como “soprador” permanente e antigo,
ficámos com a certeza que desta vez o Espírito quis soprar ainda mais. E a
Leonor certamente que também. Fica-se perturbado com tais certezas.
3Quando
me ponho a pensar, não é fácil escolher ou eleger o melhor da Leonor. Havia
alguns e eram de facto muito bons. Mas há coisas, características, qualidades,
com que nascem, outras que são herdadas, outras que se aprendem. E há as
circunstâncias que podem ajudar à boa caminhada, a realização pessoal, ao
sucesso. Da Leonor o que retenho não é aquilo que de imediato apetece louvar. O
que vou guardar é uma coisa absolutamente admirável: a sua escolha. A
escolha que ela fez face à sua doença. Nunca por nunca ser vi a Leonor
consentir-se passar a sua provação – e a Via Sacra que ela foi – à frente do
que quer que fosse. Dos outros. Do outro. Primeiro estava o acolhimento
imediato – o seu: à família, aos amigos, a quem precisava dela, a quem lhe
batia a porta, aos compromissos da profissão, à escrita, aos livros. Às viagens
que ela era suposta reportar, às deambulações vibrantes fora de portas para ver
amigos longínquos. À celebração da vida, por outras palavras. Foi a sua escolha.
A vida sempre primeiro, a solidão do sofrimento depois. A doença foi uma
mochila que ela nunca entregou a ninguém. Levou-a às costas, sozinha, anos e
anos. Recatadamente e em silêncio. Admirável, sim.
4Não
se sai incólume de uma despedida com este grau tão denso de espiritualidade de
tributo real, de emocionada saudade. Achei que tinha de contar o que acima
brevemente deixei escrito. “Nada acontece até ser contado” ensinou-me uma
escritora inglesa de quem gosto e passou a ser um lema: contar. Contar
porque a Leonor Xavier
o merece. Merece –
muito! – saber como os filhos, os netos, os amigos, tantos e tão transversais,
a Igreja, as letras, a cidade, quiseram despedir-se dela. E como sei que ela me
está ler, escrevo. É uma obrigação sentimental minha.
E
também sei que a vela deste adeus tão abençoado, vai ser a mais brilhante das
velas colocada neste Natal, na família da Leonor. Deus lá sabe, há Natais
assim.
COMENTÁRIOS:
Alexandre Barreira: .....tive o prazer de falar com ela e o Solnado....no aeroporto de
lisboa....iam viajar para o Brasil..........a lei da vida é implacável....RIP....!!! Elísio Summavielle: Estive com a minha Mulher na
capela do Rato, nesses momentos que tão bem relata no seu belíssimo texto. Bem
haja pelo escreveu sobre a Leonor. Sim, "há Natais assim". Jorge Isidoro: Elegante e bonita elegia. MCMCA A: Como pode ser belo um obituário
sobre alguém que nos tocará para sempre. Obrigada pela poesia que nos evade da
tristeza da morte José
Montargil: Tenho pena de não poder ler o artigo de MJ Avillez
sobre Leonor Xavier. Conheci a Leonor Xavier há dezenas de anos em casa de
uns amigos e apesar de não ser íntimo via-a muitas vezes em casa de pessoas ou
aqui e ali. Nas Amoreiras encontrava-a imensas vezes. Eram conversas rápidas
naquela base de olá e 5 dedos de conversa mas via-se que era disponível para
ter 5 minutos de atenção. Tenho a maior das penas que tenha tido essa doença
sinistra e fatal de que tanta gente que conhecemos tem morrido e com imenso
sofrimento. A Leonor não era nada o género de se queixar e eu nem me atrevia a
falar nesse assunto. Fiquei tristíssimo. Francisco Tavares de Almeida: Maravilha. Como se pode fazer
poesia em prosa. Miguel Benis: Que texto tão brilhante e
comovente!! FCE:
Bonito, Maria
José. Sou homem, jurista, tenho 65 anos, e desde os meus 18 anos que a sigo e
leio (chegou a ser a Oriana Falacci da minha juventude) Nunca perco nada do que
escreve adoro ouvi-la na televisão. Culta, com uma escrita “com sentimentos”-
por ser feminina?, informada, diferente. Muitas vezes pouco reconhecida, mas é
assim a vida. Os meus parabéns. E a minha simpatia pela Leonor Xavier, que
conheci mal, registo com tristeza o seu desaparecimento e que a sua alma descanse
em paz. PS: tinha e tenho uma verdadeira
admiração pela sua irmã, infelizmente desaparecida, Maria José Nogueira Pinto. José Montargil > FCE: Tem toda a razão no que escreve
sobre Maria João Avillez. Custa perceber que muitas vezes MJA é desvalorizada e
não é levada tão a sério como outros analistas políticos. Será porque escreve
sobre outros temas de que gosta através de uma maneira de escrever crónicas que
tocam tanto as pessoas? Lembro-me de uma crónica sobre o Verão familiar numa
quinta onde a família se reúne. Li e nunca mais me esqueci da sua inteireza a
descrever esses dias de Verão. Hoje acabei de ler o livro que MJ Avillez publicou há
dias sobre políticos portugueses, sete entrevistas estupendas. A génese do
livro e o seu desenvolvimento foi uma ideia brilhante, interessante e muito conseguida
de MJA. FCE >
José Montargil: Concordo plenamente. MCMCA A > José Montargil: MJA escreve bem melhor do que
fala bem ao contrário da saudosa irmã Maria José, daí o seu pouco sucesso como analista
Quinta Sinfonia: Um amigo que faleceu há alguns
anos também caiu de pé com um tumor no pâncreas. Nunca, em tempo algum se
queixou, reuníamos como se nada se passasse, com a mulher e filhos tratava dos
assuntos para o seu futuro com uma frieza assinalável onde o choro e o lamento
eram praticamente proibidos. Morreu com 52 anos um homem singular. Ao ler o seu
texto imediatamente pensei nele. Que lição de vida ele me deixou, viveu até não
ser possível mais. Impressionante. Cisca Impllit: Bem escrito Carlos Chaves: Obrigado Maria João, por nos
trazer este pedaço de Humanidade e transcendência. Como sempre (um derradeiro
sentido tributo) magnificamente contado. FME: Já não há pachorra. O que
interessa aos leitores do Observador lerem os sentimentos públicos de Maria
João Avillez à senhora recentemente falecida. Estava na expectativa de uma
boa crónica sobre política e sai mais uma lamechice, como se o Observador fosse
a página do Facebook dos cronistas. Obviamente que não tenho nada contra a senhora que
faleceu, mas, estes tributos pessoais devem ser feitos noutros canais, ou então
produzia duas crónicas, ou uma nota de rodapé. Muito sinceramente, na minha
opinião, MJA já deveria ter levado com uns patins, porque, as crónicas são cada
vez piores para um jornal focado em política. Paulo Barreto > FME: concordo consigo, as crónicas
da Maria Joao Avilez vão de mal a pior, já não se pode ler, isto é um
jornal de informação e análise politica, não é para ler estados de alma da
Maria Joao José
Montargil > FME: Muito pouco justo e civilizado
o seu comentário sobre Maria João Avillez a propósito da morte de Leonor
Xavier. Não digo mais com medo de ser desagradável. bento
guerra > José Montargil: Muito pretensioso o seu
comentário. Só ouvi falar da falecida por ter vivido com o Raul Solnado. João Floriano > FME: Eu gosto demais de MJA. Este
texto é muito bonito, muito intimista e toca-me particularmente. O cancro
entrou por três vezes profundamente na minha vida; um tio, a minha mãe e
finalmente uma grande amiga minha, quase uma filha que aos 40 anos me deixou
uma saudade profunda. À semelhança do FME também preferiria um texto sobre
política. Mas não concordo de todo com o seu último parágrafo e muito menos com
o par de patins. Acho que o Observador não se foca apenas em política. Há aqui
para todos os gostos. Até para lamechas. João Floriano > bento guerra: Eu sei perfeitamente quem foi
Leonor Xavier mas nunca pertenci nem lá perto ao círculo de amizades da
escritora. Mas estive bastante perto de Raul Solnado durante as filmagens da
Balada da Praia dos Cães, o que me leva a pensar que esta senhora seria de
grande tolerância, resiliência e paciência. Lembro-me passados uns anos de
ouvir uma entrevista em que Leonor Xavier falava das vantagens de casas
separadas. Quinta
Sinfonia > João Floriano:
Bom dia. Floriano. Estava para escrever algo
parecido com o que escreveu. Foi de uma falta de gosto sem nome, ainda por cima
vindo de alguém que considero até ter por regra comentários equilibrados e
pertinentes. Bem sei que comentários infelizes acontecem a todos (Rio que o
diga 🙂) mas ficava bem um pedido de
desculpa pela deselegância cometida. Quinta Sinfonia > José Montargil:
José Montargil, saiba que estou
completamente de acordo consigo. Lamentável a todos os títulos. João Floriano > Quinta Sinfonia:
Boa tarde Quinta
Sinfonia O FME é uma das pessoas mais educadas e inteligentes que eu «conheço» aqui
neste espaço. Quem sou eu para sugerir o que o FME deve dizer quando tantas
vezes me excedo e meto os pés pelas mãos! Digamos que o FME não foi
politicamente correcto. Não é o fim do mundo! FME FME: Quando os textos desta autora
estão em destaque todas as quinta-feiras no Jornal Observador, do que estão à
espera os leitores de lerem? Eu percebo que MJA não tenha resistido em aproveitar o
seu espaço de comentário no jornal para fazer o elogio à sua amiga, mas, o
jornal não pode ser o quintal para temas mais pessoais. Imaginem o Alberto
Gonçalves trazer no próximo sábado um tema relacionado com uma ida ao dentista
que correu mal. Não faria sentido, assim como a Rute não sei quantos escrever
sobre o PS, e, se este deve procurar o centro ou manter-se fiel à esquerda. Os
leitores ficariam de queixo caído e diriam que o mundo está às avessas.
Como devem ter percebido não
estou a referir-me ao texto em si, mas, se existe cabimento para substituir o
habitual tema político. Pelo número de comentários (a maior parte relacionados
com o meu lamento), creio, que os leitores se estiveram marimbando para o
assunto trazido por MJA. Ontem, a Helena Matos, fez um elogio à falecida, mas numa crónica especial
fora do seu habitual espaço de domingo. José Montargil > Quinta Sinfonia: Obrigado. Quinta Sinfonia > João Floriano:
Por isso mesmo a minha
estupefação, se fosse um dos comentadores residentes habituais sem conteúdo que
fazem do insulto a sua marca, nem sequer havia lugar a qualquer reparo, já li
bem pior. Evidentemente não é o fim do mundo, nenhum de nós é relevante para a
opinião pública apesar de alguns pensarem o contrário, estamos pois livres para
dizer os disparates que entendermos… se isso nos satisfizer 🙂 Ernesto Sousa > FME: Pode-se perdoar sempre a maldade, mas a estupidez
voluntária é imperdoável.
João Floriano > FME: Se o Alberto Gonçalves escrever
uma crónica hilariante sobre a ida ao dentista, tem o meu apoio. Sou de riso
fácil e às vezes uma boa gargalhada muda-nos um dia que até ali estava a
correr de forma cinzenta. Olhe que essa ideia da Ruth Manus escrever sobre
política faz muito sentido. O FME também devia lá aparecer quando a Dra. Ruth
publica uma crónica. Vai ver que é muito animado. E na verdade tem razão:
o seu comentário foi mais comentado do que o texto da MJA. Aproveite: é o seu
momento do holofote! FME, sou um grande admirador seu. FME > João Floriano: Sabe, não sou muito apreciador
dos textos da MJA. Não gosto da prosa, é demasiado confusa, pior ainda quando
tenta dar uma de poeta erudito, o que obriga a ler duas vezes para se tentar
perceber o raciocínio. Orbita numa trajectória gravitacional política
semelhante à minha, mas prefiro ler um texto do Daniel Oliveira que prima pela
clareza mesmo que não se concorde com ele. Por falar nisso, quando faleceu o
Herberto Hélder, creio, que o Daniel Oliveira publicou o habitual texto
bloquista contra o investimento privado... talvez um pouco mais
agressivo. Não aprecio o "pobre" comentário político de MJA (já
de Helena Matos sou completamente fã), e talvez por isso, quando procurei saber
o que tinha a dizer sobre a prisão de Rendeiro e do Pinho, o entusiasmo
televisivo da PJ e as tiradas de Rio, fiquei mais uma vez desiludido por fazer
do seu espaço de comentário político a sua página de Facebook. FME Paulo Barreto: Obrigado. Estava a ficar
preocupado com este meu isolamento sobre as crónicas de MJA. Feliz Natal e Boas
Festas Tone da
EiraFME: Para quem discorda do que o FME
diz, tentemos fazer uma analogia. O senhor X recebe dum fabricante de lenços de
papel um certo montante por semana mas tem a obrigação de vender 10 caixas.
Falece o maior amigo do senhor X e no funeral este faz uma elegia do defunto
que leva todos os presentes ao choro. O senhor X, precavido, leva as caixas dos
lenços consigo e vende-as nessa ocasião. Ele até podia tê-las oferecido, mas
não, aproveitou a circunstância para despachar a sua obrigação. O que
pensaríamos dele? bento
guerra: Tone da Eira: Que há sempre um nicho de mercado de ranhosos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário