Mudam-se
as vontades», pois claro. Contra a força da passividade e da
negligência há aceitação, não resistência, salvando-se por vezes uma ou outra “mulher
de armas”, como MARIA JOÃO AVILLEZ, apta também na explanação das suas verdades…
Dr. Soares não lhes perdoe porque eles
sabem o que fazem
“Fracturante” o 25 de Novembro?
Inventou-se outra história. Mas não há outra história. Há a que houve. Eu
estive lá. Vi tudo, escrevi sobre tudo, lembro-me de tudo.
MARIA JOÃO AVILLEZ
OBSERVADOR, 30 nov
2022, 00:22
1Há
dias estive num debate na Biblioteca Municipal Verney, em Oeiras, por ela
promovido – e também difundido on line – a debater o 25 de Novembro. “Os ânimos
estão exaltados” afirmava sorrindo alguém da casa, ao olhar o écran do
computador, antes do início da sessão.
Na
sala não se exaltaram, pelo contrário, foi uma interessante, fundamentada,
fluida, conversa; no país, sim, há ânimos exaltadíssimos.
Legitimando essa exaltação com falsidades históricas – tão longe da realidade
que a própria História terá muita dificuldade em contemplá-las. Quem havia de dizer que quase cinquenta anos depois,
num salto (mortal?) enviesadíssimo e pouco sério, as esquerdas se iriam
apoderar politicamente de Abril de 74, para lhe capturar o exclusivo da data e
da glória? Evoco toda
a esquerda naturalmente, com o PS de António Costa a caucionar hoje o
inimaginável apagamento do próprio fundador da democracia portuguesa (e do
PS…): exit Mário Soares. Como é possível? Não fora ele e toda de gente que se
lhe juntou nesse tal 25 de Novembro hoje tão exaltadamente proscrito e não
havia 25 de Abril, entendido no seu propósito inicial. (De resto também não há
Spínola, como se o seu livro “Portugal e o Futuro” não tivesse tido uma
importância fulcral no próprio 25 de Abril!).
A
caminhada até Novembro – a bem dizer até 24 de Novembro – assustou, demorou,
doeu, custou. Mas
sem essas estações, nunca teria havido o parto da Democracia, nem o selo de
autenticidade desse “valeu a pena”, que agora esvoaça por aí…ao contrário: foi
cancelado. Com um pretexto batoteiro: a
transformação da data de 25 de Novembro de 75 num combate da direita contra
esquerda, (ah Dr. Soares olhe que sim, eles sabem o que fazem).
2Inventou-se
assim virulentamente outra história. Mas não há outra história. Há a que houve.
Estive lá, vi tudo, testemunhei, anotei, escrevi. Não esqueci nada: o que vivi
foi o longo, sobressaltado e duríssimo combate do país liderado pelo PS com
Mário Soares à frente, contra uma alucinante e alucinada minoria de divididos
revolucionários, comunistas e extremistas. Desordenadamente ocupados em desviar o
curso das águas postas a correr em Abril em 74, como se desvia o curso de um
rio. De um lado a legitimidade democrática já certificada pelo voto por milhões
de portugueses. Lembremos a propósito: mais de noventa por cento dos
portugueses tinham livremente escolhido ir às urnas nesse Abril de 75. Cifra absolutamente extraordinária e
obviamente irrepetível com a qual milhões de votantes julgavam ter trancado de
vez as portas da revolução. Minuto
a minuto porém ela subia de tom e de grau: nacionalizações, prisões sem culpa
formada de centenas de pessoas; o parlamento cercado; um governo em greve; os
“SUV” (“soldados unidos venceremos”) à solta, o “poder popular”, as betoneiras
da “cintura industrial”; o Copcon, a FUR, as “manifs”, “as armas em boas mãos”,
os “plenários”, a “vigilância revolucionária”, a ameaça da “comuna de Lisboa”,
a guerra de ameaçadores comunicados&documentos assinados ora por militares
comunistas, ora da extrema-esquerda. E last but not least, Soares a chamar Sá
Carneiro e Freitas do Amaral para o acompanharem com armas e bagagens
partidárias numa operação política de “mudança” para o Porto. Onde por sinal
havia um indivíduo militar chamado Corvacho que num quartel que lhe estava confiado,
se entretinha com execuções sumárias “a brincar”. (Nesse mesmo Porto onde há
dias o seu presidente da Câmara, Rui Moreira, fez uma intervenção na “Festa da
Liberdade”. Porventura menos como autarca da cidade e mais como filho que viu o
seu pai ser preso sem culpa formada e mantido incomunicável por longos dias de
arbítrio revolucionário. Coisas que não suportam a conveniência da revisão
histórica em curso.)
3Chamar hoje a isto um combate da
direita contra a esquerda é uma manipulação indecente, um insulto aos
portugueses, uma traição à memória. E claro, uma extraordinária menorização do
papel de Mário Soares nesta caminhada (como irão sair dessa?).
Soares
não estava sozinho. Nem poderia. Há muito que a linha “justa” do MFA liderada
por Melo Antunes e conhecida pelo Grupo dos Nove, vinha amparando e legitimando
as “tropas” civis do então líder do PS. O exercício foi laborioso (o general
Tomé Pinto recordou-o com a viçosa memória dos seus oitenta e seis anos, no
final do debate de Oeiras): havia que tecer a unidade e lograr a total sintonia
das cúpulas militares moderadas com as chefias partidárias: nenhuma delas faria
nada sem a outra. Foi assim que após ter conspirado com ingleses, americanos,
alemães; diplomatas, eclesiásticos de vários graus, socialistas,
social-democratas, centristas e povo em geral, Soares arrancou para a Fonte
Luminosa, com Portugal atrás. Não era qualquer um que o faria. O país pôs-se em
sentido atrás dele. Era imprescindível responder àquela chamada.
O cancelamento do 25 de Novembro não
é de hoje – não consta por exemplo dos manuais de história que se ensinam na
escola pública. Foi semeado, depois vibrantemente adubado e agora é oficial.
Tornou-se oficial: “é uma data fracturante” disse há meses Pedro Adão e Silva
ainda só cidadão multicomentador, quando então se iniciava no exercício
dascomemorações do cinquentenário de Abril de 74. Depois foi de supetão
ocupar-se “da” Cultura – mas a frase ficou desfraldada ao vento do tempo: o 25
de Novembro foi “fracturante”. (Ah bom? E o 25 de Abril? Haverá data, dias,
horas, mais fracturantes?)
E assim estamos. O 25 de Novembro não
passará: é reacionário. Oportunisticamente manipulada a data, em vez de
nacional, é reaccionária. Eles que me venham dizer isso a mim.
4Ah
Dr. Soares não lhes perdoe porque eles sabem o que fazem.
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