quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Sempre atenta


Maria João Avillez, às questões da nossa orientação política e económica, mas hoje, especificamente, às de quem se orientou sempre no caminho do cinismo malandro com que foi vivendo e educando uma sociedade facilmente acedível a um processo de dependência materialista que mal parte do esforço próprio, se puder aceder à pecúnia alheia. E continuamos nisto. Os comentários ao texto de MJA mostram bem a indignação de grande parte dos comentadores sobre os nossos governantes actuais, especificamente António Costa, também pela sua parte interventiva acusatória de Carlos Costa, ex-governador do Banco de Portugal o qual se não importou de dar a conhecer as suas memórias bancárias, como mostra o livro de LUÍS ROSA, cuja biografia, extraída do “OBSERVADOR”, inscrevo no fim, para melhor clarificação da crónica de MJA, a respeito de uma questão que, tratando de procedimentos já antigos, relativos a outras nossas dependências – neste caso de terras angolanas, a respeitar, naturalmente, também, por nosotros respeitadores e veneradores e obrigados sempre - motivou a zanga de António Costa nessa já velha questão de Isabel dos Santos – por entender que nem tudo o que vem à rede da memória é peixe, ou se o for, é para abater, como carne para canhão, o que está muito na moda hoje.

A indignação era fundamentada

Criticar Carlos Costa não impede nem apagará o que o país ficou a saber sobre a interpretação que a liderança socialista faz sobre o que significa liderar o país.

MARIA JOÃO AVILLEZ

OBSERVADOR, 23 nov 2022, 00:2027

1Raramente o país pôde radiografar com tanta nitidez a noção de “senhor e dono” aplicada a António Costa – e que nele encaixa com temível perfeição – como agora com a publicação do muito interessante livro “O Governador”. A obra de Luís Rosa sobre Carlos Costa que naturalmente põe especial enfoque – rigoroso e detalhado – nos dez anos em que o ex-Governador liderou o Banco de Portugal foi um inesperado estorvo causado por um muito indesejado intruso. Acedendo à Rua do Ouro em 2010 convidado pelos socialistas e lá permanecendo para um segundo mandato, dessa vez a convite da coligação PSD/CDS, liderada por Passos Coelho, Carlos Costa viu muita coisa, ouviu muita coisa, lidou com muita coisa, fez muita coisa. Para o bem e para o mal. E agora prestou contas, as suas. Ainda bem, coisa rara. Os portugueses são avessos ao exercício: não avisou já António Costa que “memórias, guarda-as para ele”? E Marcelo com a vertigem que o caracteriza não anunciou, sem ser preciso, que também não as faria, como se fossem pecado? Santo Deus, pesados dias estes, se alguém souber o telemóvel do Guinness Book of Records que os meta lá (aos dias).

Que dizer de facto das reacções das esquerdas ao livro? Tão depressa apetece rir de tão absurdas, básicas, lamentáveis, como apetece chorar com pena dos seus amestrados autores. Nem é preciso que a voz do dono seja demasiado audível para que o coro se permita desafinar do tom autorizado: a voz existe e isso chega para a obediência. É uma escolha e pelos vistos a família dá-se bem com ela. Não é porém de riso ou de choro que importa ou sequer interessa falar. Importa isso sim, notar que o líder do PS se assustou. E que não é senão o susto que explica a obrigatoriedade – e o calibre – desta reacção.

2O primeiro sinal veio logo da “certificação” da plateia que assistia ao lançamento do livro “O Governador”, muito inteligente e assertivamente apresentado por Luís Marques Mendes: eram só “passistas” e cavaquistas. Gente sem direito de cidade e sobre a qual há ordem de disparo imediato. Pior: gente que, à luz do dia, ousara juntar-se na mesma plateia. E não fosse alguém lembrar que o primeiro, Passos, ganhou as eleições a Costa no único combate político que travaram; e que o segundo, Cavaco, obteve 4 maiorias absolutas, era indispensável disparar. Dispararam. As balas da má fé impediram-lhes de nomear as figuras públicas que lá foram por gosto ou respeito e que nada têm a ver com o território passista, cavaquista, psdeísta, e por aí fora: nem o desejam, nem o frequentam.

O poder socialista, porém, frequenta e pratica quanto pode e a inverdade, a manipulação, a omissão. E como a “ voz do dono” existe, sucede que logo a seguir vem a subserviência, a dependência e talvez mesmo o medo. Não é novidade, vem nos livros. O que é novo é o ditirâmbico grau a que chegou a subserviência, a dependência e talvez o medo.

O susto soprou contudo mais forte com o que o livro conta e com o que ali ficou agora fundamentado ou documentado. O que é outro modo de dizer que se está perante a constatação de um “modus faciendi” político que perturba e inquieta. O que é ainda outra maneira de afirmar que o pasmo sentido na apresentação do livro se veio a transformar numa indignação com fundamento. Amplo, sólido, verificável.

Gostar ou não gostar de Carlos Costa é secundário para o que pretendo dizer.

Qualquer um é (felizmente!) livre de considerar que ele errou, não agiu bem, interveio tarde. Sucede porém que a legitimidade da crítica a Carlos Costa não só não impede como não removerá o que o país ficou a saber sobre a interpretação que a liderança socialista faz – e pratica – sobre o que significa liderar o país. Uma coisa não se confunde com a outra. E mesmo que grande parte dos portugueses não venha a ler este livro, talvez descubram um dia que esse muito específico “modus faciendi” político possa vir a virar-se contra o feiticeiro.

3Ainda um bocadinho a propósito de modos de, digamos, actuar politicamente, assistimos recentemente a um diálogo político de esplanada. Só faltava um chapéu-de-sol, daria mais verosimilhança ao que se ouviu há dias na residência oficial do primeiro-ministro, terceira figura na hierarquia do Estado, entre o próprio e o Presidente Lula. Um reencontro “natural” entre amigos do peito daquele lado esquerdo da política onde se está absolutamente certo que também muito naturalmente só esse lado garante o progresso do mundo e distribui futuros risonhos. Lula e António Costa falavam (uf, finalmente!), em família agora que Bolsonaro se sumiu mas metade do Brasil continua dele.

Foi aliás curioso de observar o tom deslocadamente intimista deste reencontro que não era no Largo do Rato ou na esplanada: o excesso de cumplicidade, os gracejos, a linguagem usada – a corporal e a outra – o à vontade no verbo (que teria aliás trucidado qualquer outro político estranho à família). Estavam ali um “Sr. Feliz e Sr. Contente” a exultar de felicidade e contentamento. Contabilizarão eles a parte que não se enleva nem se ilude com ambos e com o que tão jubilosamente protagonizam? E – já agora – qual deles, Lula ou António Costa, está neste momento mais ferido de asa e inspira mais cuidado político, apesar das suas recentes vitórias? Aquele que ganhou só metade do Brasil e só inspira hoje metade da confiança? O que governa para uma parte de Portugal, desinteressando-se ou mesmo insultando – é conforme – a outra? Percebemos que Lula sabe bem onde está metido apesar daquele linguajar “amigo”. Era em todo caso preferível não cair na tentação de o idolatrar politicamente só porque ele não é Bolsonaro. O homem pode ser um bocadinho perigoso: na casa dele e no continente onde vive. E como tal, no mundo, claro.

PS: Recomendo porque o livro “se” recomenda a ele mesmo. Chama-se a “Estagnação Socialista” (Gradiva) e o seu autor, André Abrantes Amaral, colega e amigo pediu-me que o prefaciasse (assim digo tudo de uma vez). Já escrevi “n” prefácios e apresentei outros tantos livros. Nunca porém me impedi de atender publicamente à qualidade de alguns deles. É o caso. Nestes tempos politicamente sombrios – dentro e fora de portas – há reflexões que nos aconchegam. Também é o caso.

ANTÓNIO COSTA   POLÍTICA   GOVERNO   BANCO DE PORTUGAL   BANCA   ECONOMIA

COMENTÁRIOS:

João Reis: E o português quer saber disto tudo para alguma coisa ? Na verdade já se percebeu que quer dinheiro no bolso, através de subsídios e esmolas, as tais ajudas “aos mais carenciados”. Cada vez mais são mais os que se consideram carenciados e para esses o que é o Banco de Portugal, o que é uma pressão política sobre um órgão independente, que nem se considera função pública? O que é autoritarismo se podem continuar a estacionar mal, deitar lixo no chão ou ver tv com boxes piratas? O triste é que ninguém quer saber, está tudo demasiado ocupado com rótulos de socialismo e fascismo, com o mundial de futebol, e o que mais importa é estar do lado certo, naquilo que lhes faz parecer bem entre os seus convivas. Rejubila o mundo com a derrota de Bolsonaro, festejando Lula, um indivíduo de índole duvidosa, que já mostrou mesquinhez e vontade de vingança , e o problema não é a vitória de Lula mas o clima de festa feito pela mesma pessoa que fez questão de se afastar de José Sócrates pelos mesmíssimos motivos que se devia afastar de Lula … Costa não tem carácter, não tem vergonha e é também ele um indivíduo de índole muito duvidosa, mas as tais pessoas que referi acima já se esqueceram do modo sujo e desleal com que se atirou ao poder, e já não falo da derrota contra Passos, mas da forma como escorraçou Seguro. Indigna a forma como perpetuou Cabrita no cargo com todo o país a vaiar … Costa não tem vergonha, mas tal como Costa também nós não temos , com a mão estendida a qualquer esmola que dele venha, os carros mal estacionados , lixo nas ruas e boxes piratas em casa                 Madalena Sa: Ai, Maria João, tanta verdade! Dói pensar que este é o triste retrato dum País em agonia com um Presidente da República caduco e um primeiro-ministro vigarista! Até quando, meu Deus, será possível aguentar isto? Valha-nos o livro de André Abrantes Amaral que este povo ignorante nunca iratler!               Pedro Belo > João Reis: Totalmente de acordo. O seu comentário não poderia ser mais certeiro: a falta de carácter começa em quem os elege                   Afonso Soares: Nunca nos deveríamos esquecer qual foi a educação política do PM. É minha opinião que só é socialista porque se estivesse no PC nunca chegaria a PM. É a ambição a falar mais alto mas a doutrina não a excomungou e assim a põe em prática sob a capa socialista. Só não vê quem não quer.                Carlos Chaves: Caríssima Maria João, é tudo tão verdade! Triste e pouco esperançoso, o que acabou de escrever. Agradeço-lhe o seu “PS:…” talvez a única nota positiva neste artigo, o livro do André Abrantes Amaral. Talvez nele se encontre uma luz ao fundo do túnel para entendermos o pesadelo que estamos a viver.              Carlos Quartel: Tudo devia começar na escola. A construção de uma cidadania interessada, exigente, motivada para a vida pública, disposta a participar na construção do progresso. Mas o que temos é gente anestesiada com o futebol, com os concertos rock e com telemóveis. Sintomática indigência dum concurso televisivo, onde grande parte das perguntas é sobre roqueiros ou sobre bola. É o paraíso para Costa e similares, enquanto a UE mandar umas migalhas, para aumentos de 5 euros nas pensões. Compreende-se o desabafo, mas não há nada de novo. PGR despedida, juiz do tribunal de contas idem, magistrado para Bruxelas nomeado a dedo, deixando a vencedora de fora (já o tinha feito a Passos, nada de admirar) tudo isto são sinais da interpretação ditatorial do poder que por ali grassa. Já alastrando, ver o ar agastado da ministra, interpelada sobre a contratação do Jotinha. Temos o que merecemos e isto não é um chavão. É a verdade e a oposição tem sorte em estarmos na EU, que exige contenção, ou então o tom já teria subido, até decibéis desconhecidos e eventualmente assustadores...........                   João Floriano: Não me tinha apercebido de uma excelente notícia: Marcelo Rebelo de Sousa não tenciona escrever as suas memórias. Vamos a ver se pelo menos desta vez cumpre o prometido. Só posso estar feliz porque se pouparão umas largas resmas de papel o que é bom ambientalmente e não sei quem estaria interessado em comprar um livro sobre intrigas, gaffes, comentários da bola, selfies, seguidismo a António Costa, viagens desnecessárias à custa dos nossos impostos, conversas de lulas bem recheadas e sobretudo como arruinar a imagem institucional do Presidente da República. Marcelo vai acabar muito só e com o tipo de personalidade que sempre teve, alimentando o ego com a devoção e simpatia dos paspalhos, vai sofrer muito. Nem a esquerda nem a direita lhe farão companhia no fim da vida. Isto anda tudo ao Deus dará. Já nem sequer se fala do equilíbrio do poder em que o governo é de esquerda e o PR é de direita. Isso foi também mais uma narrativa em quem já ninguém acredita. O livro de AAA promete ser mais um momento de sobressalto e coro dos indignados. Sendo sobre o PS mas não se augurando nada de laudatório para Costa e o seu governo, vamos ver quem comparece ao lançamento. No caso de «O Governador» o livro provocou tanta indignação por parte dos socialistas como a reunião de figuras do Tempo Passado que teimam em não passar.              Afonso Soares: Francisco Assis desiludiu-me ou pensando bem nem tanto. Durante algum tempo foi uma voz fresca neste país batimento mas já tem emprego e por isso chama-se por medo ao CHEFE.                 Lino Oliveira: Carlos Costa foi corajoso ao prestar contas e expondo-se à crítica, sabendo que ela raramente é honesta e leal. António costa foi igual a si mesmo. Já conhecemos o seu carácter. O livro permitiu conhecer algo que apenas intuíamos. O PR foi a tristeza do costume. Será que está obrigado a apoiar sempre este PM?.

 

Sobre LUÍS ROSA: (in OBSERVADOR)

«Luís Rosa: Redactor Principal - Iniciei a minha carreira em 1999 num semanário chamado Euronotícias. Passei depois pelo Independente, Expresso e Sol onde apostei no jornalismo de investigação e no acompanhamento da área da Justiça. Estive ainda na direção do jornal i entre março de 2012 e maio de 2015 — primeiro como director-adjunto e posteriormente como director editorial. Estou no Observador desde setembro de 2015. Recebi em 2017 o Prémio de Jornalismo Económico da Universidade Nova/Santander, na categoria Mercados Financeiros. Autor dos livros "A Conspiração dos Poderosos" (Esfera dos Livros, 2017), "45 Anos de Combate à Corrupção" (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021) e "O Governador" (D. Quixote, 2022).»

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