segunda-feira, 7 de novembro de 2022

A CRÓNICA DO HUMOR E A NOTÍCIA DO ESTUPOR


Não resisto a reescrever o comentário de Américo Silva, síntese perfeita de um texto impecável no rigor do seu humor crítico - o de HELENA MATOS:

AMÉRICO SILVA: Se existisse um MoMOp, Museum of Modern Opinion pieces, esta crónica deveria lá estar, não tanto pelo que diz, mais pelo que reflecte duma modernidade cínica, hipócrita, prepotente, elitista, despropositada e antissocial. Parabéns à autora. O problema é transnacional com variantes regionais, e sem solução à vista

I - Querido nómada digital leva-me para o teu Portugal

Para esse Portugal dos regimes fiscais especiais, das pessoas sempre a sorrir e em que os lucros extraordinários não são das nefandas grandes empresas mas sim dos unicórnios. Unicornizar é o segredo

HELENA MATOS Colunista do Observador

OBSERVADOR; 06 nov 2022, 00:4450

No palco é tudo luz, tudo palco, tudo sorrisos. É o mundo virtual da Web Summit. Lá fora, são apedrejados autocarros. Primeiro foi na Ajuda. Depois em Camarate. Porquê? Não se sabe. Por quem? Isso não interessa nada. Aqui, neste outro Portugal, os nómadas chamam-se imigrantes, os contribuintes são mais vigiados que os ladrões e o lucro indigna mais que o roubo.

Na Web Summit, os nossos políticos gastam o nosso dinheiro a tentar que venham para Portugal unicórnios, ou seja empresas que se espera venham a ter em pouco tempo lucros extraordinaríssimos. Fora da Web Summit os mesmos políticos promovem um discurso contra os lucros extraordinários, milionários, grandes ou nem tanto. Mesmo que não se consiga mais receita, como provavelmente vai acontecer com a tributação dos lucros extraordinários dos grupos do sector alimentar, há que dar um sinal, dizem. Um sinal de quê? De que se está contra os lucros extraordinários das empresas. E então os unicórnios o que são eles senão empresas que conseguiram lucros extraordinários? A cada dia que passa vemos crescer as contradições entre a realidade e o que sobre ela se diz. Querido nómada digital leva-me para o teu Portugal. Para esse Portugal dos regimes fiscais especiais, das pessoas sempre a sorrir e em que os lucros extraordinários não são das nefandas grandes empresas mas sim dos unicórnios.

Na semana que agora acabou, certamente inebriados com o facto de termos acabado de salvar o Brasil (agora as eleições não são eleições mas sim operações de salvamento dos países do apocalipse da ultra-direita), e já a fazermos exercícios de aquecimento motivacional para a salvação dos EUA e do planeta (salvações para que seremos convocados nos próximos dias), nem reparámos que pagámos mais um calote da TAP, no que se pode designar como unicórnio versão Portugal socialista.

O último unicórnio da variante Portugal Socialista (a mais ruinosa de todas as variantes de unicórnios lusitanos) é a TAP. Sim, eu sei que no resto do mundo um unicórnio é uma empresa que num ápice valoriza mil milhões. Mas neste outro Portugal, o dos contribuintes que não podem fugir, os unicórnios são desígnios que proporcionam popularidade a curto prazo para pouco depois deixarem buracos superiores a mil milhões no deve e haver com o contribuinte (português, claro pois há lá outro capaz de pagar tanto com tamanha resignação?)

A 2 de Novembro fomos informados, como se fosse a coisa mais banal do mundo, que a “TAP confirma que não irá devolver os 3,2 mil milhões de euros ao Estado”. Assim, sem mais: a TAP não paga e pronto. O CFO da companhia (antigamente chamava-se a esta figura Director Financeiro agora é Chief Financial Officer), esclareceu que a devolução do montante cedido pelo Estado não está prevista no modelo do plano de reestruturação assinado entre a TAP e a Comissão Europeia. Perante esta declaração, que era absolutamente contrária ao que nos tinha sido garantido, o ministro Pedro Nuno Santos, com a desfaçatez com que há meses anunciou um aeroporto à revelia do primeiro-ministro, declarou que a TAP está a pagar através do apoio à economia nacional, raciocínio que em si mesmo devemos reivindicar para a demais economia e para nós mesmos. Por exemplo, porque havemos nós de pagar o que pedimos emprestado ao banco? Não contribuímos nós com as nossas compras para a dinamização da economia? Claro que sim, logo já estamos a pagar, logo o banco que se dê por satisfeito. Estes pagamentos à moda de Pedro Nuno Santos são um bom exemplo da variante dos unicórnios Portugal Socialista: em pouco tempo geram prejuízos extraordinários a serem suportados invariavelmente pelos contribuintes portugueses.

Há semanas que andamos nisto: uns auto-denominados activistas pelo clima anunciam ir ocupar escolas na próxima segunda-feira. Querem o fim do uso dos combustíveis fósseis até 2030. E basta-lhes querer para se acharem no direito de impor tal propósitos aos outros. Tudo para salvar o planeta, claro.

Sempre existiram criaturas imbuídas de imaginários apocalípticos. O que varia é o poder que lhes damos. Eles por eles acham-se com o direito e o dever de mandar em tudo. Uns acham-se no direito de  ocupar escolas e empresas. Outros de destruir carros e explorações agrícolas. Outros pretendem que deixemos de comer carne. Ou que comamos insectos. Ou apenas plantas. Outros que não andemos de avião. Para mais, a invocação do cenário do apocalipse serve-lhes para legitimar acções que doutro modo seriam tratadas como vandalismo ou mesmo terrorismo.

A velha luta de classes juntou-se à urgência da salvação do planeta. O resultado são acções em nome do ambiente cada vez mais espectaculares e agressivas, tudo envolto numa prosa em que o místico e a política se combinam para legitimar a violência. Nos últimos dias, em França, a construção de uma barragem para fins agrícolas, em Saint Soline, passou a símbolo do fascismo. Consequentemente interrompê-la tornou-se um dever e a violência uma inevitabilidade. Os resultados foram 91 feridos, 61 dos quais polícias. Os museus estão de prevenção à espera dos próximos vandalozinhos apoquentados com o clima.

Os desmandos da eco-seita beneficiam da hipocrisia dos políticos ávidos de se colar ao que lhes parece render popularidade e do activismo de jornalistas. Como é que nos salvamos destes pretensos salvadores?

LUCROS   ECONOMIA   PROTESTOS   SOCIEDADE   TAP   EMPRESAS   WEB SUMMIT   LISBOA   PAÍS

COMENTÁRIOS: (De 50)

Pedro Belo > Gustavo Lopes: Lá fora não está melhor, como pode confirmar pelas últimas notícias            bento guerra: Acutilante, Do que eles precisam todos, é uma grande marrada, nas anafadas panças de bem-estar político. Mas, como a Cristina foi dar uma lição à manada, mais o Marcelo, está tudo em linha          Américo Silva: Se existisse um MoMOp, Museum of Modern Opinion pieces, esta crónica deveria lá estar, não tanto pelo que diz, mais pelo que reflecte duma modernidade cínica, hipócrita, prepotente, elitista, despropositada e antissocial. Parabéns à autora. O problema é transnacional com variantes regionais, e sem solução à vista.              José Paulo C Castro: O que caracteriza o fascismo? A criação de milícias de intervenção política, paralelas ao poder e ordem instituída, que agem livremente para impor a sua visão política e intimidarem opositores até atingirem o poder. O que são os eco-terroristas-vândalos ou os 'social justice warriors' (SJW) ? Anti-fascistas, não são...                Alfaiate Tuga: Quanto à TAP o que é preciso explicar aos tugas é que se o governo não tivesse metido lá 3 200 000 000 € poderia ter usado esse dinheiro para enviar um cheque de 320 € a cada português, independentemente da idade ou condição financeira, é isto que espero ouvir a oposição a dizer alto e bom som.  Já agora, alguém sabe quanto é que o Estado já meteu na Efacec? Pois…A oposição está caladinha, estou à espera de um artigo de fundo do Observador sobre o buraco EFACEC.            Gustavo Lopes: Tivesse eu idade para emigrar, depois de ler este artigo, completamente factual, era o que faria!!!! Cá pela “Tugalândia” estamos conversados… Obrigado HM!!!                 Lidia Santos: Maravilhosa crónica. Obrigada Helena Matos!              João Floriano: Excelente! Não me tinha apercebido do novo rombo da TAP. Num país em que não há dinheiro para as escolas e para o SNS, a TAP diz que não paga apesar das justificações de PNS no passado quando os milhões foram transferidos para a TAP, sem qualquer proveito porque a companhia vai ser de novo alvo de privatização. Venham os próximos milhões para a TAP, que agora se torna mais  necessária do que nunca para transportar para Portugal os milhares de digital nomads e unicórnios que nos vão cair em cima como moscas numa carcaça em decomposição. Pelo menos temos algo em comum com os banqueiros alemães: PNS ameaçou que lhes punha as pernas nórdicas  a tremer por não pagar. A nós tremem-nos cada vez mais as peludas pernas mediterrânicas por pagarmos. Tudo em nome da transição digital. as cadeias de distribuição têm de ser punidas pelos lucros extraordinários. Aos unicórnios aplica-se o laissez faire, laissez passer. Um país cada vez mais esquizofrénico que se recusa a tomar a medicação.           Francisco Marnoto: Este desgoverno é um espectáculo! Agora temos uma fiscalidade que atrai estrangeiros (taxas planas de 10 e 20% no IRS) e expulsa portugueses (taxas de 50% para o mesmo nível de rendimento). Afinal onde anda o Princípio da Igualdade plasmado na Constituição, que tanto enche a boca dos socialistas? Não seria suposto, um PR a sério, enviar este tipo de marmeladas para o TC?                António Rocha Pinto: o imposto, em Portugal, existe sobre os lucros extraordinários e sobre os prejuízos extraordinários. Os primeiros aplicados às empresas, os segundos aos contribuintes              Maria Tubucci: Muito certeira e realista a HM. Respondendo à sua pergunta: “Como é que nos salvamos destes pretensos salvadores? Simples, não nos salvamos.  Os “pretensos salvadores” são vilões, que a comunicação social servil propagandeia como super-heróis. Quando isto cair em chamas, salvar-nos-emos, tal como a fénix renasce das cinzas. Isto acontecerá quando a ralé deslumbrada, como os “pretensos salvadores” chamam aos salvados, anestesiada sentir, na pele e na carteira, que a realidade do dia-a-dia não é igual à realidade cor-de-rosa propagandeada pela comunicação social, aí acordará, passando 8 para 80. Já faltou mais!               Nuno Ribeiro: A HM sempre nos tem habituado a esta visão certeira da realidade, e coloca-a em palavras como poucos. Mas a pergunta é: é esta a visão ou mesmo a opinião maioritária na sociedade portuguesa? receio que não. Então onde está a solução? eu só vejo uma: o chamado banho de realidade. Por isso sou dos que acha que para isto melhorar muita coisa ainda vai ter que piorar muito. Claro que se vão perder muitos pelo caminho mas é o preço "alto" a pagar. Se existir alguma crítica que posso hoje fazer ao PPC é o facto de não ter deixado que o estado tivesse ido mesmo à banca rota. Talvez uns meses sem salários e alguma fome e desespero nos tivessem livrado deste marasmo que repetimos à demasiado tempo sem solução à vista. É radical? é. Mas doutra forma nunca iremos lá.            Myname: Está bem apanhada a expressão "unicórnio versão Portugal socialista" para designar sorvedouros de dinheiros públicos como a TAP...             Amigo do Camolas: O País podia estar todo a empobrecer durante os últimos sete anos, as pessoas podiam morrer todas para salvar o melhor SNS do mundo, a carga fiscal podia chegar à lua e os serviços públicos podiam chegar à nulidade total, o Costa podia mentir todos os dias, o Pedro Nuno Santos podia estar a estourar 3 mil milhões todos os dias em empresas falidas, o Costa podia dividir cada vez mais os portugueses... A nossa velha imprensa enfadonha e seus paineleiros são fofinhos é para fazer de qualquer ex-presidiário de esquerda em salvador da democracia e transformar qualquer alvo seletivo da esquerda em genocida, anti-democrata, populista perigoso, mentiroso, racista, fascista e claro, vilão do Batman! Mas eles já fizeram tudo isso. Dificilmente poderia haver caso melhor de desprezo pelo jornalismo e arrogância em acreditar que ele, e somente ele, controla a realidade.             Carlos Chaves: Caríssima Helena Matos, o verdadeiro flagelo que descreve nesta crónica, nomeadamente relativa à parte Portuguesa que diz respeito, não é mais do que alguns dos resultados práticos das miseráveis políticas socialistas/comunistas dos últimos sete anos. Preparemo-nos, pois isto é só o princípio, o que aí vem não vai ser nada bonito de se ver!               Censurado sem razão: Desde que dado pela esquerda, o povo português até m come. E agradece. O PS faz o que quer e como quer. Acontece alguma coisa? Alguém se indigna? Acham vocês que alguém como PPC vai chafurdar no esterco socialista novamente? Porque este governo ainda se mantém em funções? A estrumeira não está suja o suficiente? É preciso mais o quê? Pobre povo, nação demente.               Lily Lx: Helena Matos, sempre excelente…               Miguel Sanches: Depois de ler este chorrilho de ilegalidades e atropelos aos direitos dos cidadãos decentes, só me ocorre perguntar: onde pára a Polícia?

 

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