terça-feira, 22 de novembro de 2022

Um Hino


A um POVO que ficará para sempre lembrado.

O POVO, mas também o HINO composto sobre ele. É de Miguel Esteves Cardoso e reponho-o na íntegra, porque nos aquece o coração, pelo pensamento coincidente, mas de uma prosa bela e justa que relemos e amamos. Quem dera que muitos fossem os seus leitores, pela nobreza das palavras, condizente com a nobreza dos responsáveis por esse heroísmo que “se serve vivo” e não “morto”, como o tal da “Receita para se fazer um herói” do nosso Reinaldo Ferreira. Neste caso, são aos milhares – milhões – os heróis. Como um exemplo eterno.

Estamos gratos ao PÚBLICO que o publicou já em tempos e que só hoje lemos, num jornal de empréstimo.

OPINIÃO

O lado bom da guerra

Temos de lutar pelo que é nosso porque os outros gostam mais de pensar que é deles. É lutando que uma terra se torna nossa. A Ucrânia fez-se respeitar. E isso é lindo.

MIGUEL ESTEVES CARDOSO

PÚBLICO, 11 de Novembro de 2022, 23:23

A recuperação de Kherson, depois de tanto esforço, desespero, sacrifício; depois de tanto tempo, cepticismo, sofrimento; depois de tanta coragem, mortandade, esperança; depois de tanto disparate que se disse, de tanta mentira, de tanta propaganda; a recuperação de Kherson pelo Exército ucraniano é uma festa e uma prova de que vale a pena lutar pelo que é nosso.

Disseram aos ucranianos — e ainda estão a dizer agora — que eles não podiam ganhar, que a Rússia era grande demais e poderosa demais, e que mais valia deixaram que a Rússia levasse o que quisesse e se contentassem com o que deixassem.

A Ucrânia luta como gente grande. A Ucrânia é um país muito grande. Há muitos amigos que se esquecem disso. Do que não fazíamos ideia era da grandeza dos ucranianos. Não de este e de aquele ucraniano, mas da grandeza de todos os ucranianos que lutam uns pelos outros como se lutassem pelo país deles, e lutam pelo país deles como se lutassem uns pelos outros.

Este é o momento — agora— em que a Ucrânia mostrou ao mundo e a si própria que é mesmo um país independente. Não só independente da Rússia como da preguiça de pensar no “Leste” como se fosse uma amálgama cinzenta e fria em que a Ucrânia era um Ucranistão qualquer.

As independências conquistam-se através da guerra porque cada independência se faz à custa de uma dependência que deixa de existir. E a potência maior da qual dependia luta sempre para manter essa dependência, porque julga que a engrandece, por ser ela que manda.

Todos os seres humanos ganham em estudar os ucranianos durante os primeiros trinta dias depois da invasão, quando ninguém acreditava neles. E depois os segundos trinta dias, e os terceiros, até chegar à recuperação de Kherson.

Temos de lutar pelo que é nosso porque os outros gostam mais de pensar que é deles. É lutando que uma terra se torna nossa. É fazendo que os outros pensem duas vezes antes de tentar invadi-la.

A Ucrânia fez-se respeitar. E isso é lindo.

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